A “guerra fiscal” mobiliza bilhões e redefine o mapa industrial dos estados brasileiros. Entenda como essa competição por meio de incentivos fiscais impacta a economia, os cofres públicos e o futuro do federalismo fiscal no país.
A expressão “guerra fiscal” descreve uma acirrada competição entre os estados brasileiros pela atração de empresas e investimentos, usando como principal arma a concessão de benefícios fiscais, especialmente do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Essa prática, muitas vezes à margem de acordos nacionais, gera disputas bilionárias e um debate constante sobre o desenvolvimento regional.
Com a recente reforma tributária prometendo encerrar este ciclo, é crucial entender os mecanismos, as consequências e o futuro desta complexa rivalidade que envolve os estados brasileiros e suas finanças.
O que é a “guerra fiscal” entre os estados brasileiros e como ela funciona na prática?
A “guerra fiscal” é uma competição predatória onde os estados brasileiros manipulam seus regimes tributários para atrair empresas. O principal campo de batalha é o ICMS, com estados oferecendo isenções, reduções de alíquotas, créditos presumidos e diferimento do imposto. Muitas vezes, essas concessões são unilaterais, desrespeitando a necessidade de consenso no Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).
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Além do ICMS, os estados brasileiros utilizam outros “armamentos”, como financiamentos subsidiados, doação de terrenos e até construção de instalações com recursos públicos.
A escalada da disputa
A prática ganhou força após a Constituição de 1988, que deu maior autonomia fiscal aos estados brasileiros na gestão do ICMS. A competição se intensificou drasticamente nos anos 1990, impulsionada pela abertura econômica do país e pelo aumento do investimento estrangeiro direto, especialmente no setor automobilístico. Entre 1996 e 2001, por exemplo, das 22 novas fábricas de veículos instaladas no país, apenas cinco foram para São Paulo, o polo tradicional.
A menor intervenção do governo federal na coordenação de políticas de desenvolvimento regional também contribuiu para que os estados brasileiros buscassem atrair investimentos de forma mais autônoma e, frequentemente, descoordenada.
Casos emblemáticos: a “guerra fiscal” na prática e suas consequências para os estados brasileiros
Um dos casos mais notórios foi a disputa pela fábrica da Ford no final dos anos 1990. A Bahia venceu a disputa contra o Rio Grande do Sul, oferecendo um pacote de incentivos extremamente vantajoso, incluindo doação de terreno e financiamentos subsidiados. No entanto, o fechamento da fábrica em Camaçari (BA) em 2021 levantou questionamentos sobre a eficácia de longo prazo desses incentivos.
Outro exemplo é a “Guerra dos Portos”, onde estados brasileiros como Santa Catarina e Espírito Santo ofereceram ICMS reduzido na importação, atraindo fluxos de comércio, mas gerando distorções logísticas. A indústria calçadista também viu plantas migrarem para o Nordeste, e estados como Goiás e municípios como Extrema (MG) se tornaram polos de atração para empresas de São Paulo.
Um jogo de soma zero para o país?
A guerra fiscal resulta na erosão das bases tributárias dos estados brasileiros, comprometendo o financiamento de serviços públicos essenciais como saúde e educação. Ela também aumenta a complexidade do sistema tributário e gera instabilidade jurídica. As decisões de investimento podem ser distorcidas, priorizando vantagens fiscais temporárias em detrimento de fatores econômicos sólidos.
Essa “corrida para o fundo do poço” pode não aumentar o investimento total no país, apenas redistribuí-lo, configurando um jogo de soma zero. A renúncia de receita de ICMS pelos estados brasileiros é alarmante, estimada em R$232,49 bilhões em 2023 e projetada para R$273,47 bilhões em 2025.
A reforma tributária e o futuro das finanças dos estados brasileiros
A reforma tributária (Emenda Constitucional nº 132/2023) busca encerrar a guerra fiscal. Sua principal mudança é a unificação de cinco tributos em um IVA dual (CBS federal e IBS estadual/municipal), com cobrança do IBS no destino da mercadoria ou serviço, e não na origem. Isso elimina o principal incentivo para os estados brasileiros concederem benefícios na produção.
Para lidar com o passivo, foi criado o Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais, com aporte previsto de R$160 bilhões da União entre 2025 e 2032, valor que pode ultrapassar R$250 bilhões. Especialistas veem potencial no fim da guerra fiscal tradicional, mas alertam para a complexidade da transição e o risco de novas formas de competição entre os estados brasileiros.