Guerreiro de 4.000 anos enterrado sob escudo de osso tem rosto reconstruído. Descoberta revela detalhes impressionantes de antiga cultura preservada no gelo
No início, eram somente placas ósseas surgindo na superfície congelada da Sibéria. Mas o que parecia um achado comum revelou algo muito maior. Um guerreiro da Idade da Pedra, enterrado com um escudo feito de ossos e um passado marcado por batalhas, teve seu rosto reconstruído após quatro milênios.
A descoberta aconteceu em 2004, durante escavações na região de Kerdugen, na República de Sakha, na Rússia. Alexander Stepanov, um dos escavadores mais experientes da equipe, encontrou, a somente sete centímetros de profundidade, lascas de osso dispostas de maneira precisa. A escavação ganhou importância rapidamente.
O local escondia um túmulo incomum, preservado no permafrost. Ali estavam os restos mortais de um homem da cultura Ymyyakhtakh, um grupo nômade de caçadores-coletores.
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Ele estava envolto por uma armadura de mais de 100 placas ósseas. E ao seu lado, sinais de que aquele corpo escondia uma história violenta, ritualística e cheia de mistério.
Guerreiro arqueiro sepultado com escudo de wapiti
A análise dos arqueólogos revelou que o homem foi enterrado com um escudo feito de ossos de wapiti, um grande alce da região. Em seis das placas, havia pontas de flechas incrustadas.
Isso indicava que ele havia participado de confrontos. O corpo apresentava várias fraturas, ferimentos curados no crânio e articulações danificadas.
Especialistas apontaram que ele provavelmente era um arqueiro destro e experiente. “Ele poderia ter sido um guerreiro-arqueiro”, afirmou Liliya Alekseeva, diretora do Museu de Arqueologia e Etnografia da NEFU e responsável pelo projeto de reconstrução. “Existe um termo assim — cães de guerra. Parece-me que isso é exatamente sobre nosso herói.”
Com base na datação por radiocarbono, o enterro aconteceu há cerca de 3.800 anos, no final do período Neolítico. A altura do homem era de 1,65 metro. Ele tinha entre 40 e 50 anos no momento da morte — idade considerada avançada para a época. Seu túmulo era raso, com somente 35 centímetros de profundidade, mas estava bem preservado.
Além da armadura e das armas, o sepultamento continha itens pessoais. Havia uma enxó feita de ardósia e uma pequena bolsa, possivelmente usada como kit de ferramentas.
A presença desses objetos, com como o corpo foi enterrado, indica que ele possuía um condição elevado dentro de sua comunidade.
Indícios de ritual e fogo sob a cabeça do guerreiro
Durante a escavação, os arqueólogos encontraram fragmentos de um segundo esqueleto, empilhados ao lado do guerreiro. Esse achado levantou hipóteses sobre a possibilidade de um sacrifício ritual.
Em sítios semelhantes da Sibéria, sinais desse tipo já haviam sido registrados. Mas, até hoje, não há confirmação sobre o que ocorreu exatamente naquele sepultamento.
Outro detalhe chamou atenção. O crânio do guerreiro apresentava vestígios de queimadura. Segundo os pesquisadores, o fogo pode ter sido aceso intencionalmente, como parte de um ritual de passagem.
“A queima da cabeça obviamente indica que a alma de uma pessoa está na cabeça ou no cabelo”, explicou Alekseeva. Esse tipo de prática combinava simbolismo espiritual com funções práticas de purificação.
Apesar da profundidade rasa, o túmulo resistiu ao tempo graças ao permafrost da região. Isso permitiu aos cientistas preservar e analisar os restos com riqueza de detalhes. Com o avanço da tecnologia, foi possível ir além.
Reconstrução digital e encontro com o passado
O rosto do guerreiro foi reconstruído por cientistas da North-Eastern Federal University (NEFU), em Yakutsk. O projeto, chamado “Face to Face with the Past”, utilizou escaneamentos digitais do esqueleto e dos artefatos do sepultamento.
Técnicas como a fotogrametria e o método de reconstrução craniofacial desenvolvido por Mikhail Gerasimov foram fundamentais no processo.
Os especialistas reuniram centenas de imagens para criar modelos 3D. A partir dos dados, produziram uma escultura realista do rosto do homem. O busto agora está exposto no Museu de Arqueologia e Etnografia da NEFU, permitindo aos visitantes verem como era o guerreiro que viveu há quase quatro milênios.
O resultado é impactante. O rosto mostra um homem de traços fortes, com mandíbula marcada e expressão envelhecida. Segundo os pesquisadores, ele lembra as populações modernas da Sibéria Ártica. Após milhares de anos, ele voltou a ter uma identidade.
Quatro décadas de dedicação arqueológica
A reconstrução só foi possível graças a anos de trabalho no campo. Liliya Alekseeva, que liderou o projeto, participa de escavações há mais de 40 anos. “A temporada de campo não se torna apenas um trabalho”, contou. “Sem ela, como sem uma lufada de ar, torna-se impossível viver.”
Desde 2004, os pesquisadores acompanharam cada etapa: do primeiro contato com os ossos à reconstrução tridimensional. O projeto evidencia como ciência, tecnologia e dedicação podem unir o passado ao presente.
Hoje, o guerreiro repousa no museu, mas seu rosto reconstruído encara o visitante com serenidade. Ele atravessou séculos de gelo, silêncio e mistério — e agora, ganha voz e memória. Depois de quatro mil anos, o homem sepultado sob um escudo de ossos volta a ser reconhecido.
Com informações de ZME Science.