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Brasil assinou acordo bilionário com a Alemanha para 8 usinas nucleares em 1975, que acabou fracassando — quem errou, quem lucrou e os problemas que ainda persistem

Publicado em 15/04/2025 às 18:18
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Créditos da imagem: Usinas nucleares, Brasil, Energia nuclear, acordo nuclear

Tratado assinado em 1975 prometia transformar o Brasil em potência nuclear, mas só uma usina saiu do papel — e os problemas se acumulam até hoje

Em 27 de junho de 1975, uma notícia inesperada surpreendeu a imprensa brasileira. Em Bonn, na Alemanha Ocidental, autoridades do regime militar brasileiro e representantes do governo alemão anunciaram a assinatura de um acordo nuclear. O tratado previa a construção de oito usinas nucleares no Brasil, divididas entre os estados do Rio de Janeiro e São Paulo.

Era um plano ousado, com transferência de tecnologia e a promessa de colocar o país entre as potências nucleares do mundo.

Uma parceria cercada de expectativas

A proposta envolvia as usinas Angra 2, 3, 4 e 5, no Rio de Janeiro, e Iguapé 1, 2, 3 e 4, em São Paulo. A expectativa era alta. O acordo parecia vantajoso para ambos os países.

A Alemanha enfrentava uma forte crise econômica e buscava mercados para sua indústria nuclear. O Brasil, pressionado pela alta do petróleo e com inflação próxima de 30%, queria diversificar sua matriz energética.

A imprensa alemã chamou o tratado de “negócio do século”. Estimava-se que a Alemanha receberia cerca de 10 bilhões de dólares com exportações de produtos nucleares ao Brasil.

Era também uma forma de os dois países escaparem da dependência dos Estados Unidos, que até então dominavam o fornecimento de tecnologia nuclear na América Latina.

Apenas uma usina concluída em cinquenta anos

Apesar do entusiasmo inicial, o resultado prático do acordo é frustrante. Das oito usinas previstas, somente Angra 2 entrou em operação, no ano de 2001.

Angra 3, iniciada em 1986, continua inacabada e já consumiu mais de R$ 20 bilhões. As demais nunca saíram do papel. Cinquenta anos depois, o tratado permanece ativo, mas é visto como um projeto inacabado.

Quem errou?

A pergunta sobre o fracasso do programa motivou uma pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Os cientistas políticos Dawisson Belém Lopes e João Paulo Nicolini publicaram, na revista Science and Public Policy, um estudo com entrevistas e análise documental. O artigo questiona: “De quem é a culpa pelo programa nuclear brasileiro nunca ter amadurecido?

A resposta dos pesquisadores é clara. O maior erro foi da própria gestão militar brasileira. Segundo Nicolini, os responsáveis não dialogaram com a sociedade, a academia e o setor privado. Faltou planejamento e sobrou ambição.

O maior problema foi a falta de interlocução com a comunidade acadêmica, com o empresariado e com a sociedade. Demos um passo maior que a própria perna e a falta de planejamento dos militares acarretou nisso”, afirmou.

Contexto da época

O tratado foi assinado durante o governo do general Ernesto Geisel, mas os pesquisadores também apontam falhas nos governos de Emilio Médici e João Figueiredo.

Para os dois países, o momento parecia ideal. O Brasil buscava autonomia energética. A Alemanha precisava impulsionar sua indústria e aliviar o desemprego. Em 1975, mais de um milhão de alemães estavam sem trabalho.

Ambos os governos também queriam reduzir a dependência dos Estados Unidos. A Alemanha havia sido barrada no desenvolvimento nuclear após a Segunda Guerra. O Brasil, por sua vez, havia comprado a usina de Angra 1 dos americanos em um modelo “chave na mão”, sem transferência de tecnologia.

Resistência dos Estados Unidos

Os Estados Unidos não aprovaram o acordo. Temeu-se que outra nação latino-americana desenvolvesse capacidade nuclear independente. Houve pressão sobre fornecedores.

A Urenco, empresa que forneceria os equipamentos, foi impedida de concretizar a venda. O Brasil então recebeu uma tecnologia experimental da Alemanha: o jet-nozzle. O sistema não funcionou bem. O país gastava mais energia do que conseguia gerar.

Exemplo sul-africano

Apesar das críticas, os alemães forneceram essa mesma tecnologia para a África do Sul, que conseguiu desenvolver ogivas nucleares. Para os pesquisadores brasileiros, o problema não foi somente a tecnologia.

Faltou estrutura no Brasil. Sem participação da sociedade e do sistema de inovação, o país não conseguiu usar o que aprendeu para produção em larga escala.

Programa paralelo e submarino nuclear

Mesmo assim, parte do conhecimento foi reaproveitado. Surgiu o programa nuclear paralelo, mantido em segredo até 1985. Um dos resultados é o projeto do submarino de propulsão nuclear.

Lançado em parceria com a França em 2009, o submarino deve ficar pronto em 2040. O custo atual gira em torno de R$ 1 bilhão por ano.

Falta de debate público

O caráter autoritário do regime militar também foi decisivo. Como explica a historiadora Helen Miranda Nunes, a falta de transparência impediu um debate público. A imprensa só noticiou a assinatura do tratado no dia em que ocorreu. Quando a tecnologia jet-nozzle foi revelada, muitos cientistas criticaram a escolha.

A historiadora aponta que, se o Brasil fosse uma democracia naquele período, o acordo talvez fosse adiante. O sigilo e a ausência de participação popular enfraqueceram o processo. Parte das obras ficou a cargo da Odebrecht, sem licitação. A empreiteira ganhou experiência em obras estatais, e seu envolvimento rendeu suspeitas na Operação Lava Jato anos depois.

A opção pela tecnologia do jet-nozzle foi muito criticada pelos cientistas nucleares quando veio à tona. Se estivéssemos numa democracia à época, era possível que o acordo não deslanchasse, porque foi secreto e se valeu da privação de direitos da população“, disse Helen Miranda.

Empresas alemãs foram as maiores beneficiadas

Para os especialistas, quem mais lucrou com o tratado foram as empresas alemãs. A Kraftwerk Union, subsidiária da Siemens, forneceu os reatores e a tecnologia para Angra 2 e Angra 3.

Os bancos alemães também emprestaram recursos ao Brasil. Enquanto movimentos ambientalistas pressionavam contra o uso da energia nuclear na Alemanha, os negócios fluíam com os brasileiros.

Rafael Brandão, professor da UERJ, lembra que a Nuclep, estatal criada com os alemães, tinha decisões finais nas mãos da parte alemã. Para ele, não há dúvida: “É claro que a última palavra era da KWU-Siemens.”

Acusações e impunidade

Reportagens da época já denunciavam irregularidades. O Jornal do Brasil publicou em 1979 que os insumos vendidos pela KWU estavam superfaturados. A revista Der Spiegel também trouxe denúncias de corrupção. A pressão levou à criação de uma CPI sobre o acordo, mas nada resultou.

Acordo continua em vigor

Até hoje, o tratado segue vivo. A cada cinco anos, o Parlamento Alemão tem a chance de revogá-lo. Em 2024, houve nova tentativa, com pressão do Partido Verde. Mesmo assim, nada mudou.

Para o Brasil, encerrar o acordo significaria abandonar Angra 3. Segundo Nicolini, isso explica a permanência do tratado: “O acordo está vivo também por uma dificuldade nossa de concluir o que estava previsto. A culpa é da ineficiência do planejamento nuclear brasileiro”.

Passadas cinco décadas, o que resta do tratado é um cenário de obras inacabadas, altos custos e expectativas frustradas. A maior marca do chamado “negócio do século” talvez não seja o avanço tecnológico, mas sim o retrato de um planejamento mal-executado que ainda hoje deixa suas consequências.

Com informações de DW.com.

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