Empresas querem excluir os custos de transporte de gás do critério de seleção nos leilões de capacidade, o que pode gerar distorções no mercado e repassar prejuízos diretamente para o consumidor final.
Transportadoras de gás natural estão mobilizadas para alterar as regras do próximo Leilão de Reserva de Capacidade (LRCAP), sugerindo a aplicação do modelo de pass-through para os custos do transporte de gás.
Na prática, isso permitiria que essas despesas fossem retiradas do cálculo competitivo dos leilões e cobradas diretamente dos consumidores após a contratação das usinas, sem que haja análise prévia da sua adequação econômica.
Se essa proposta for aprovada, consumidores residenciais e industriais podem ser penalizados com tarifas significativamente mais altas, enquanto as transportadoras seriam blindadas contra riscos financeiros e incentivadas a manter estruturas de custo ineficientes.
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Como funciona o modelo pass-through no setor de gás natural?
O pass-through é uma estratégia que transfere integralmente determinados custos de operação — neste caso, o transporte de gás natural — para a tarifa paga pelo consumidor, sem que esses valores passem pelo filtro da concorrência ou por mecanismos de controle de eficiência.
Essa prática tem sido duramente criticada por especialistas do setor, que alertam para os impactos negativos na competitividade e na justiça tarifária.
Ao excluir os custos de transporte do processo de seleção das propostas nos leilões, o mecanismo criaria uma vantagem artificial para empresas que utilizam a infraestrutura atual, mesmo que ela esteja obsoleta ou amortizada.
Como alertado por analistas, “a proposta representa um perigoso retrocesso regulatório no setor de infraestrutura. Em vez de promover eficiência e equilíbrio entre os agentes da cadeia energética, esse modelo transfere o risco econômico das transportadoras diretamente ao consumidor final, em uma lógica distorcida que premia a ineficiência e penaliza o bolso do cidadão”, revela Aurélio Amaral é diretor de Relações Externas e Comunicação da Eneva e ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Tarifa alta, revisão parada e lucros elevados
Desde 2014, a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) determina que as transportadoras de gás realizem revisões tarifárias a cada cinco anos.
O objetivo é atualizar os valores com base na depreciação dos ativos, removendo da base de cálculo estruturas que já foram amortizadas.
Atualmente, cerca de 80% dos ativos utilizados no transporte de gás natural já estão amortizados. Mesmo assim, apenas uma das três maiores transportadoras realizou a revisão determinada, mantendo as tarifas artificialmente elevadas. A expectativa era de que, com a atualização correta, os valores cobrados caíssem até 40%.
Enquanto isso, essas empresas operam com margens de lucro que podem chegar a 90%, levantando questionamentos sobre a real necessidade de repassar custos ao consumidor por meio do pass-through.
Impacto bilionário nas tarifas com o pass-through e risco de distorção nos leilões
Cálculos preliminares mostram que, se o pass-through for aceito como parte do LRCAP, os consumidores poderão arcar com um custo adicional de até R$ 3,8 bilhões por ano nas contas de energia. Esse valor é próximo ao orçamento anual do programa de tarifa social para famílias de baixa renda.
Além da questão econômica, a proposta representa uma ameaça à lógica de mercado. Ao permitir que empreendimentos ignorem os custos de transporte em suas ofertas, cria-se uma falsa competitividade.
Projetos que dependem da malha de gás acabam sendo favorecidos, mesmo que existam alternativas mais baratas ou eficientes fora da infraestrutura atual.
É importante destacar que o transporte de gás natural, apesar de ser operado por empresas privadas, constitui um monopólio federal, autorizado, mas não concedido.
Isso significa que não há previsão legal de garantia de retorno financeiro automático — apenas a remuneração pelo serviço efetivamente prestado.
Soluções alternativas e o papel do Estado
Hoje, diversas termelétricas em operação no Brasil são abastecidas por soluções logísticas que não dependem da malha de transporte tradicional, muitas vezes com melhores resultados em termos de custo e flexibilidade.
A última grande usina conectada à malha foi a UTE Baixada Fluminense, inaugurada há mais de uma década.
A proposta do pass-through, portanto, reforça um modelo ultrapassado, que favorece a estagnação e penaliza os usuários do sistema elétrico.
Em vez de incentivar investimentos e modernização, transfere ao consumidor a responsabilidade por manter uma infraestrutura pouco eficiente e com retorno já garantido às empresas operadoras.
Com informações do site Eixos