A descoberta de uma sociedade agrícola de 5.000 anos no Marrocos, com uma área comparável à da antiga Tróia, pode trazer novas revelações sobre as civilizações antigas que habitavam o norte da África.
Arqueólogos fizeram uma descoberta fascinante: os restos de uma sociedade agrícola de 5.000 anos, que pode mudar como entendemos a história do Norte da África. O sítio arqueológico de Oued Beht, localizado no norte do Marrocos, revela uma sociedade tão grande quanto a antiga Tróia da Idade do Bronze, sendo o mais antigo desse tipo descoberto fora do Vale do Nilo.
Essa civilização, que até então era desconhecida, demonstra que o Norte da África era mais do que um território de caçadores e pastores nômades, como se acreditava anteriormente.
A redescoberta de Oued Beht
O sítio de Oued Beht foi inicialmente descoberto por colonos franceses na década de 1930, mas permaneceu ignorado por quase 90 anos.
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Em 2023, o arqueólogo marroquino Youssef Bokbot, com a ajuda de uma equipe internacional, decidiu investigar novamente o local.
A intuição de Bokbot se mostrou correta, resultando em uma descoberta significativa: uma grande quantidade de fragmentos de cerâmica pintada e cabeças de machado polidas.
Esses artefatos, com as evidências de agricultura, sugerem que o local era ocupado por centenas de pessoas que viviam em uma sociedade organizada, interagindo possivelmente com outras culturas do Mediterrâneo.
A datação por radiocarbono de sementes e carvão encontrados no local indica que o sítio foi habitado entre 3400 e 2900 a.C.
Além disso, análises genéticas apontam que os habitantes tinham uma origem diversa, incluindo pastores do Saara e migrantes da Península Ibérica e do Oriente Médio.
Essa mistura de povos contribuiu para o que o arqueólogo Cyprian Broodbank, da Universidade de Cambridge, chamou de “caldeirão cultural”.
Agricultura e comércio no neolítico Africano
Os habitantes de Oued Beht eram agricultores que cultivavam cevada, trigo, ervilhas, azeitonas e pistaches em uma terra árida.
O local também continha restos de ovelhas, cabras, porcos e gado, o que sugere que a criação de animais era uma prática comum.
Esses grupos neolíticos não apenas produziam alimentos para si mesmos, mas também fabricavam bens de valor, como cerâmica e cabeças de machado, que possivelmente eram utilizados em trocas comerciais com outras sociedades da Idade do Bronze e do Cobre.
Embora até então acreditasse-se que as sociedades agrícolas da época estavam limitadas ao Mediterrâneo e ao Vale do Nilo, a descoberta de Oued Beht sugere que o Norte da África também fazia parte desse cenário de produção agrícola e comércio.
Os arqueólogos acreditam que as comunidades da região trocavam bens com povos da Península Ibérica, Egito e até Mesopotâmia.
Essa hipótese é fortalecida por outros estudos que já haviam identificado itens africanos, como marfim e ovos de avestruz, em locais da Europa durante esse período, mas não se sabia quais sociedades africanas poderiam ter fornecido esses bens.
Mudança de perspectiva sobre o Norte da África
Até recentemente, muitos arqueólogos assumiam que o Norte da África, assim como a África subsaariana, era ocupado principalmente por caçadores-coletores e pastores nômades durante o período neolítico.
A ideia de uma sociedade agrícola estacionária no norte do continente era quase inexistente. No entanto, a descoberta em Oued Beht desafia essa visão e coloca a região como parte de um mundo agrícola maior que se estendia por todo o Mediterrâneo.
Segundo Giulio Lucarini, arqueólogo do Instituto de Ciências do Patrimônio do Conselho Nacional de Pesquisa da Itália e coautor do estudo, “Antes dessa descoberta, não havia evidências de agricultura no Norte da África fora do Vale do Nilo“.
O arqueólogo Cyprian Broodbank complementa: “O que estamos mostrando aqui é que essa parte do mundo já fazia parte do mundo agrícola neolítico. Essa é apenas a ponta do iceberg.“
O Impacto da descoberta
Essa descoberta representa um avanço significativo na compreensão da pré-história africana e sugere que o Norte da África foi um ponto de encontro de diferentes culturas e práticas agrícolas muito antes do que se pensava.
O sítio arqueológico de Oued Beht revela que os povos da região estavam intimamente conectados com o desenvolvimento agrícola global e participavam de trocas culturais e comerciais com outras sociedades do Mediterrâneo.
Conforme mais escavações forem realizadas no local, espera-se que novas evidências revelem mais detalhes sobre essa sociedade agrícola e suas conexões com outras civilizações da Idade do Bronze e do Cobre.
A descoberta em Oued Beht pode ser apenas o início de uma nova era de descobertas arqueológicas que reescreverão a história do Norte da África e sua contribuição para o mundo antigo.