Bilhões de reais circulam na educação brasileira, mas quem deveria ser o centro das decisões permanece invisível. Organizações privadas ganham protagonismo, enquanto professores seguem marginalizados em um sistema que promete transformação, mas entrega desigualdade e interesses empresariais disfarçados de inovação.
Bilhões de reais movimentam o setor educacional brasileiro todos os anos.
No entanto, esse dinheiro raramente chega ao professor que está na sala de aula.
Segundo o historiador Valter Mattos da Costa, o sistema de ensino no Brasil está cada vez mais subordinado a interesses privados, especialmente os ligados ao capital financeiro.
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Em vez de protagonismo docente, o que se vê é a crescente influência de ONGs, fundações empresariais e institutos financiados por grandes grupos econômicos.
O poder invisível que toma decisões na educação básica
Valter Mattos, doutor em História Econômica pela USP, alerta que quem tem a caneta na mão para decidir os rumos da educação pública, muitas vezes, nunca pisou em uma sala de aula.
Em 2023, uma reportagem do jornal O Estado de S. Paulo revelou que a fundação do empresário Jorge Paulo Lemann, a Fundação Lemann, passou a ter influência direta sobre decisões que envolvem cerca de R$ 6,6 bilhões do Ministério da Educação (MEC).
A ONG MegaEdu, criada em 2022 e financiada por Lemann, firmou acordo com o MEC para atuar na área de conectividade escolar.
Sua CEO, Cristieni de Castilhos – que também é ex-funcionária da Fundação Lemann – foi nomeada para o conselho gestor do FUST (Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações), responsável pela gestão de R$ 2,74 bilhões para projetos de internet em escolas.
“São movimentos que ilustram o avanço de instituições privadas sobre decisões estratégicas da educação pública”, afirma Mattos.
Executivos sem experiência em sala de aula decidem os rumos da escola pública
Priscila Cruz, presidente-executiva da ONG Todos Pela Educação, é formada em Administração Pública pela Harvard Kennedy School.
Denis Mizne, diretor da Fundação Lemann, é advogado formado pela USP.
Claudia Costin, fundadora do CEIPE, tem longa carreira na gestão educacional, mas também nunca atuou como professora no ensino básico.
Mattos critica duramente essa realidade: “São pessoas que falam com autoridade sobre o cotidiano escolar sem nunca terem vivido a rotina de uma escola pública. Isso fragiliza qualquer proposta de mudança real”.
Mesmo fundações como a Santillana ou a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que se opõem ao Novo Ensino Médio, têm um perfil mais burocrático do que pedagógico.
Organizações privadas ditam as regras, professores são ignorados
De acordo com Mattos, esse distanciamento entre quem decide e quem executa é um dos maiores problemas da educação brasileira.
Ele afirma que ONGs e institutos privados, financiados por bancos e grandes corporações como Itaú Social, Fundação Bradesco e Instituto Unibanco, têm poder suficiente para influenciar políticas públicas de forma determinante.
Dados do Banco Central, Receita Federal e Portal da Transparência comprovam que volumes significativos de recursos fluem dessas instituições para o chamado terceiro setor.
Esses investimentos, muitas vezes apresentados como filantropia, são, segundo Mattos, “mecanismos legais de dominação cultural, que formam indivíduos adaptados ao sistema e não cidadãos críticos”.
Ideologia disfarçada de inovação
Mattos recorre ao filósofo Antonio Gramsci para classificar essas fundações como “aparelhos privados de hegemonia”, estruturas que mantêm o domínio ideológico das classes dominantes.
Segundo ele, tais entidades não são neutras: atuam para manter as estruturas sociais que garantem o poder do capital.
No mesmo raciocínio, ele cita Noam Chomsky e Slavoj Žižek.
O primeiro aponta que elites econômicas moldam sistemas educacionais para criar mão de obra conformista.
Já Žižek denuncia que a ideologia dominante se disfarça de benevolência e neutralidade, como se fossem projetos apartidários ou puramente técnicos.
“Esses discursos encaixam-se perfeitamente na análise crítica de Žižek”, ressalta Mattos.
O Novo Ensino Médio como exemplo da hegemonia empresarial
A reforma do Novo Ensino Médio, fortemente promovida por essas organizações privadas, é vista como um caso emblemático.
Prometida como inovação, a nova estrutura educacional reduziu conteúdos críticos e aumentou matérias superficiais, esvaziando o papel reflexivo da escola.
Mattos denuncia que essa mudança “vende modernização enquanto limita o acesso do estudante à formação ampla e crítica”.
Projetos como “eletivas” e “projetos de vida” ocupam horários que antes eram destinados a disciplinas essenciais para o ENEM, como História e Filosofia.
Uma escola feita por quem não ensina
“Não se trata de rejeitar o diálogo com a sociedade civil, mas de denunciar a ausência da voz do professor nas decisões que afetam diretamente seu trabalho”, argumenta o historiador.
Para ele, “educação de qualidade, transformadora e socialmente justa exige protagonismo daqueles que estão na linha de frente da sala de aula”.
Enquanto educadores seguem desvalorizados, a lógica empresarial transforma a escola em um laboratório de experimentações burocráticas.
Se nada mudar, segundo Mattos, o sistema seguirá produzindo mão de obra dócil e sem senso crítico, perpetuando desigualdades sociais sob o véu da modernização.