Com a crescente discussão sobre o impacto do Bolsa Família no mercado de trabalho, o cenário de contratações e ofertas de emprego está em constante transformação. O aumento no valor dos benefícios tem gerado efeitos complexos e interessantes no mercado de trabalho.
Recentemente, um restaurante localizado na Zona Sul de São Paulo foi palco de uma polêmica.
Um aviso afixado no balcão de atendimento pedia paciência aos clientes, afirmando que “o pessoal do Bolsa Família e da cervejinha não quer trabalhar”, e que o estabelecimento enfrentava grande falta de funcionários.
A imagem do comunicado se espalhou rapidamente pelas redes sociais, gerando uma onda de críticas.
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Como resultado, os proprietários do restaurante foram obrigados a emitir um pedido de desculpas oficial.
Ainda no mesmo período, um empresário do ramo de importação se queixou publicamente nas redes sociais sobre a dificuldade de encontrar funcionários.
Segundo ele, estava há seis dias tentando contratar três pessoas para descarregar um container, oferecendo R$ 45 por dia, com direito a café após o trabalho. No entanto, ninguém aceitou a oferta.
Esse tipo de reclamação é cada vez mais comum, e a pergunta que surge é: será que o Bolsa Família tem contribuído para essa situação?
O programa de transferência de renda tem, de fato, levado as pessoas a deixarem de procurar trabalho ou, ao menos, a aceitarem ofertas de emprego menos atrativas?
Essas questões surgem em um contexto onde o mercado de trabalho está aquecido e as taxas de desemprego estão baixas.
Desde o fim da pandemia, o Bolsa Família passou por uma significativa expansão, aumentando o número de famílias beneficiárias de 13,8 milhões em 2019 para 20,5 milhões em março de 2025.
Além disso, o valor mínimo do benefício foi ampliado, subindo de R$ 400 para R$ 600, o que também impacta o comportamento dos beneficiários e o mercado de trabalho em geral.
O impacto do Bolsa Família no emprego: uma análise crítica
O Bolsa Família não é um programa novo, mas o aumento do valor do benefício nos últimos anos gerou discussões sobre seus efeitos no comportamento da força de trabalho.
Uma das principais questões é se o aumento do benefício desincentiva as pessoas a buscar empregos, criando uma “dependência” de programas sociais.
Para entender essa questão, conversamos com economistas que estão investigando os efeitos do programa sobre o mercado de trabalho.
Um desses economistas é Gabriel Mariante, pesquisador de doutorado na London School of Economics (LSE).
Em um estudo realizado em 2014, Mariante investigou os impactos do Bolsa Família sobre o mercado de trabalho, focando principalmente nas mulheres.
Seus achados indicam que, para as mães beneficiárias do programa, há uma maior probabilidade de inserção no mercado de trabalho formal, quando comparadas às mulheres que não recebem o benefício.
Em sua pesquisa, Mariante analisou os efeitos de uma reforma realizada no governo Dilma Rousseff em 2014, que ampliou a cobertura do Bolsa Família ao reajustar as linhas de pobreza.
Essa mudança permitiu que famílias que antes não eram contempladas passassem a receber o benefício.
O estudo mostrou que, para as mulheres, o acesso ao Bolsa Família está associado a uma maior taxa de emprego formal, o que indica que o benefício, de certa forma, incentiva a busca por uma colocação no mercado de trabalho.
Exemplo prático: como o Bolsa Família pode ser um incentivo para o emprego formal
Um exemplo claro desse impacto positivo no emprego formal é o caso de Rosilene Martins Silva, mãe solo de duas crianças e moradora de Anastácio (MS).
Em 2020, Rosilene perdeu seu emprego em uma fábrica e passou a receber o auxílio emergencial e, posteriormente, o Bolsa Família.
Embora a situação fosse difícil, com menos de R$ 1.000 mensais, ela nunca deixou de trabalhar.
Em 2024, Rosilene conseguiu um emprego com carteira assinada como empregada doméstica, e o valor do Bolsa Família passou a complementar seu salário.
Esse tipo de experiência mostra que, ao contrário do que algumas críticas sugerem, o programa pode ser uma ajuda significativa para a inserção no mercado de trabalho formal.
A transferência de renda oferece um suporte durante a transição para um emprego mais estável, como no caso de Rosilene, e isso contribui para a formalização do trabalho em algumas áreas.
Mudanças no mercado de trabalho após o aumento do valor do Bolsa Família
Entretanto, nem todas as consequências do aumento do valor do Bolsa Família são vistas com bons olhos.
Em um estudo recente, os economistas Leandro Siani Pires e Fábio José Ferreira da Silva, do Banco Central, apontaram que houve uma queda na taxa de participação na força de trabalho entre 2022 e 2023, principalmente entre os beneficiários do programa.
A pesquisa mostrou que, enquanto a participação no mercado de trabalho caiu em 1,5 ponto percentual no geral, essa queda foi mais acentuada entre os beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família.
Esse fenômeno é ainda mais notável entre as faixas de renda mais baixa.
De acordo com os economistas, a ampliação dos benefícios sociais está associada à queda na taxa de participação no mercado de trabalho.
Isso sugere que, para algumas famílias, o aumento do valor do benefício pode reduzir a pressão para buscar empregos, levando a um menor esforço para encontrar trabalho, especialmente em áreas com salários mais baixos ou condições de trabalho menos atraentes.
Uma questão de escolha ou de condições de trabalho?
Marcos Hecksher, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também analisou a questão e constatou que, de fato, a participação na força de trabalho entre os beneficiários do Bolsa Família caiu de 57,8% para 55,5% entre 2019 e 2023.
No entanto, ele observa que, ao mesmo tempo, a taxa de ocupação aumentou ligeiramente, o que indica que, embora algumas pessoas deixem de procurar trabalho, outras estão encontrando empregos formais.
Hecksher acredita que o aumento do valor do Bolsa Família pode ter um efeito positivo sobre a economia, pois o dinheiro transferido pelo programa circula rapidamente, estimulando o consumo e a criação de empregos.
De fato, um estudo realizado pelo Ipea em 2013 demonstrou que cada R$ 1 gasto com o Bolsa Família gera um efeito multiplicador de R$ 2,40 sobre o consumo das famílias.
O programa social e a mudança na percepção do trabalho
Uma das críticas mais comuns ao Bolsa Família é que ele teria incentivado uma mudança na percepção de valor do trabalho, especialmente entre os mais pobres.
De acordo com alguns empresários, a dificuldade em encontrar mão de obra disposta a aceitar empregos com salários baixos tem aumentado.
O Bolsa Família, ao aumentar a renda das famílias mais carentes, pode ter levado uma parte significativa da população a reconsiderar suas opções de trabalho.
Isso é especialmente verdadeiro em áreas onde os salários não são suficientemente atraentes ou as condições de trabalho não oferecem estabilidade.
No entanto, a questão é mais complexa do que parece.
Para muitos beneficiários do programa, o aumento no valor do Bolsa Família representa uma oportunidade de melhoria na qualidade de vida, sem a necessidade de aceitar qualquer tipo de trabalho.
As pessoas que recebem o benefício agora têm mais opções e podem ser mais seletivas quanto ao tipo de trabalho que estão dispostas a aceitar. A dificuldade em encontrar trabalhadores dispostos a realizar tarefas de baixo salário pode ser vista, portanto, como uma resposta natural à melhoria nas condições de vida proporcionadas por programas como o Bolsa Família.
O que está por trás da dificuldade de contratar?
Portanto, a dificuldade de algumas empresas em contratar trabalhadores pode ter múltiplas causas, e o Bolsa Família é apenas uma parte dessa equação.
Enquanto o programa ajuda a melhorar a qualidade de vida das famílias de baixa renda, ele também contribui para uma mudança nas dinâmicas do mercado de trabalho.
Por um lado, ele incentiva a busca por empregos formais e a melhora das condições de trabalho, mas, por outro, pode diminuir a urgência de aceitar qualquer tipo de emprego, especialmente em setores que oferecem salários baixos e condições precárias.
A pergunta que fica é: será que as empresas precisam repensar suas ofertas de emprego, melhorando salários e condições de trabalho para atrair a força de trabalho disponível? Deixe sua opinião nos comentários!