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Marinheiro ‘preso’ em navio abandonado consegue deixar embarcação após quatro anos

Escrito por Flavia Marinho
Publicado em 24/04/2021 às 11:53
Atualizado em 29/04/2021 às 11:12
navio - marinheiro - Mar Vermelho - Egito - trabalhar - vagas de emprego
Mohammed Aisha Marinheiro ‘preso’ em navio abandonado

Quatro anos num navio abandonado no Mar Vermelho do Egito, marinheiro chegou a pensar em tirar a vida quando soube que a mãe morreu

Após ficar 4 anos preso em um navio, Mohammed Aisha voltou ao seu país natal, a Síria. O pesadelo, que começou em 5 de julho de 2017, finalmente chegou ao fim. Foram 48 meses vivendo praticamente sozinho a bordo do cargueiro MV Aman, que ficou preso no Mar Vermelho do Egito.

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Aisha era um simples tripulante quando seu navio foi retido no porto egípcio de Adabiya, no Cairo. Os documentos do equipamento de segurança e os certificados de exploração estavam vencidos, o que se resolveria facilmente se os proprietários não decidissem negar suporte, devido às dificuldades financeiras.

Assim, além dos operadores libaneses do navio que não pagaram pelo combustível, um tribunal local optou por eleger Mohammed Aisha o capitão substituto do navio, enquanto o capitão oficial estava em terra. Assim, Mohammed seria o mais novo guardião legal do MV Aman.

Eles só esqueceram de um detalhe importante: comunicar Aisha. O marinheiro conta que só tomou conhecimento do “novo cargo” meses depois, quando seus companheiros começaram a abandonar o barco.

Foram 4 anos observando os navios entrarem e saírem do vizinho Canal de Suez, inclusive, o recente bloqueio causado pelo navio porta-contêineres Ever Given

Aisha nasceu no porto sírio mediterrâneo de Tartus, portanto, essa não era uma rotina nova para o marinheiro. Ainda assim, ele conta que nada se assemelha à experiência que teve durante esse período. Foram 4 anos observando os navios entrarem e saírem do vizinho Canal de Suez, presenciando, inclusive, o recente bloqueio causado pelo navio porta-contêineres Ever Given.

Mohammed chegou a fazer até contato visual com seu irmão, que também é marinheiro — mesmo que de longe. Eles chegaram a falar ao telefone, mas a distância entre eles era muito grande para qualquer outra interação.

Para ele, o pior momento foi em agosto de 2019, quando sua mãe, que era professora, morreu. “Considerei seriamente acabar com a minha vida”, contou. E, para quem imagina que bastava ele abandonar o navio, enganou-se. Aisha, além de ser legalmente obrigado a permanecer a bordo, era escoltado dia e noite por um guarda ocasional.

Para piorar, o navio não tinha nenhum combustível — e, portanto, não tinha energia —, não havia nenhuma remuneração e, para ele, a sensação é de que o navio parecia um “túmulo à noite”. “NÃO DÁ PARA VER OU OUVIR NADA, É COMO SE VOCÊ ESTIVESSE EM UM CAIXÃO”

Aisha nadou até a praia para comprar comida e recarregar seu telefone.

Mohammed permaneceu assim até março de 2020, quando outro acontecimento o surpreendeu: uma tempestade fez com o que o navio flutuasse por 5 milhas (8 km), fazendo com que o navio encalhasse a algumas centenas de metros da costa. O que, de início, parecia ser assustador, se mostrou um presente: a partir de então, Aisha podia nadar até a praia a cada poucos dias, comprar comida e recarregar seu telefone.

Depois de todo esse dilema, os proprietários do Aman, Tylos Shipping and Marine Services, dizem que tentaram ajudar Aisha, mas que estavam de mãos atadas.

“Não podemos forçar um juiz a remover a tutela legal”, diz um representante. “E não conseguimos encontrar uma única pessoa neste planeta para substituí-lo. Não foi falta de tentativa”

Eles explicaram, também, que Aisha nunca deveria ter assinado o pedido em primeiro lugar. “No momento, estamos trabalhando com um caso em que a empresa tem uma enorme hipoteca sobre o navio, mas suas dívidas vão muito além disso. Então, às vezes é mais fácil dizer à tripulação para lançar âncora e quase literalmente ir embora.”

Este deve ser um momento para todos na indústria naval refletirem

Mohamed Arrachedi, da Federação Internacional dos Trabalhadores em Transporte (ITF, na sigla em inglês), que assumiu o caso de Aisha em dezembro, argumenta que este deve ser um momento para todos na indústria naval refletirem. “O caso de Aisha tem que servir para abrir um debate sério para prevenir esses abusos aos marítimos em navios”, diz.

“O DRAMA E SOFRIMENTO DE MOHAMMED AISHA PODERIAM TER SIDO EVITADOS SE OS PROPRIETÁRIOS E AS PARTES COM RESPONSABILIDADES E OBRIGAÇÕES PARA COM O NAVIO TIVESSEM ASSUMIDO SUAS RESPONSABILIDADES E PROVIDENCIADO SUA REPATRIAÇÃO MAIS CEDO.”

Por sua vez, Aisha disse que se sentiu preso em uma situação que não era sua, encurralado pela lei egípcia e ignorado pelos armadores. Ele disse que meses se passaram sem comunicação — fazendo-o se sentir decepcionado e isolado.

“Alívio. Alegria. Como me sinto? Como se finalmente tivesse saído da prisão. Finalmente, vou me reencontrar com minha família. Vou vê-los novamente”. Essas foram as primeiras palavras de Mohammed ao encontrar a liberdade. E se você pensa que essa experiência foi suficiente para ele nunca mais voltar ao mar, se enganou. Aisha diz que é bom em seu trabalho e não vê a hora de voltar. Assim que encontrar sua família, claro.

Por mais surpreendente que seja a história, sua experiência não é única. Na verdade, o abandono de navios está aumentando. De acordo com a Organização Internacional do Trabalho, há mais de 250 casos ativos em todo o mundo, em que as tripulações são simplesmente deixadas por conta própria. A entidade afirma que 85 novos casos foram registrados em 2020, o dobro do ano anterior.

Flavia Marinho

Flavia Marinho é Engenheira pós-graduada, com vasta experiência na indústria de construção naval onshore e offshore. Nos últimos anos, tem se dedicado a escrever artigos para sites de notícias nas áreas da indústria, petróleo e gás, energia, construção naval, geopolítica, empregos e cursos. Entre em contato para sugestão de pauta, divulgação de vagas de emprego ou proposta de publicidade em nosso portal.

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