Bill Gates une forças com a Hyundai para criar navios movidos a reatores nucleares SMR. Será este o futuro do transporte marítimo global sem CO2?
A parceria entre o bilionário americano Bill Gates e a gigante sul-coreana Hyundai promete abrir um novo capítulo na história da energia limpa. A iniciativa une o desenvolvimento de reatores nucleares modulares de pequena escala (SMR) à construção naval, trazendo a possibilidade de navios movidos por energia nuclear avançada, mais segura e eficiente.
Se concretizada, essa estratégia pode transformar o comércio marítimo global, hoje responsável por cerca de 3% das emissões de CO₂ no planeta — número equivalente à poluição total de países inteiros, como Japão ou Alemanha.
O reator Natrium e a inovação energética
Por meio da sua empresa TerraPower, fundada em 2008, Bill Gates vem defendendo a adoção de tecnologias nucleares de quarta geração, capazes de superar os riscos e limitações dos modelos convencionais.
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O projeto mais avançado nesse campo é o Natrium, desenvolvido em parceria com a Bechtel. Trata-se de um reator refrigerado por sódio líquido, com sistema de armazenamento em sal fundida de até 1 GWh.
Essa configuração oferece vantagens inéditas: elimina o risco de sobrepressão associado aos reatores de água pressurizada, reduz resíduos radioativos e permite modular a geração elétrica de acordo com a demanda.
Isso significa que o Natrium pode funcionar como suporte às energias renováveis intermitentes, como solar e eólica, garantindo estabilidade às redes elétricas.
Segundo Bill Gates, essa é a oportunidade de colocar a energia nuclear “no centro da transição energética global”, unindo confiabilidade e custo competitivo.
A aposta é que o Natrium também possa ter papel fundamental no avanço da mobilidade elétrica em terra, ao fornecer energia para a produção de hidrogênio e para pontos de recarga de veículos.
Hyundai entra em cena: o transporte marítimo nuclear
O transporte marítimo intercontinental enfrenta há anos o desafio de reduzir sua pegada de carbono. Alternativas como GNL (gás natural liquefeito), motores híbridos, amônia verde e biocombustíveis avançados vêm sendo testadas, mas nenhuma conseguiu combinar autonomia, escalabilidade e viabilidade econômica em rotas de milhares de quilômetros.
É nesse cenário que surgem os SMRs. Com densidade energética muito superior e autonomia praticamente ilimitada, esses reatores são ideais para embarcações de grande porte.
Em agosto de 2025, Bill Gates fechou em Seul um acordo estratégico com a HD Hyundai, um dos maiores estaleiros do mundo. A meta: integrar SMRs em porta-contêineres de 15.000 TEU já em desenvolvimento, projeto que recebeu aprovação preliminar da ABS (American Bureau of Shipping).
O vice-presidente executivo da Hyundai, Chung Kisun, afirmou que a tecnologia pode representar um “ponto de inflexão nas cadeias globais de suprimentos”, levando o setor naval a uma independência energética sem emissões diretas de carbono.
A empresa já reservou mais de US$ 200 milhões (cerca de R$ 1 bilhão) para esse projeto, com previsão de colocar os primeiros navios nucleares em operação até 2030.
Além disso, a Hyundai avalia modelos complementares, como plataformas flutuantes nucleares e embarcações com potência de até 240 MW, capazes de produzir hidrogênio em alto-mar.
Esse combustível limpo poderia ser distribuído para abastecer caminhões, ônibus e até aeronaves, conectando o setor marítimo à mobilidade elétrica terrestre.
TerraPower e o salto da pesquisa para a aplicação prática
A participação de Bill Gates vai além do financiamento. A TerraPower busca consolidar os reatores rápidos refrigerados a sódio como alternativa viável e segura.
Segundo o CEO da empresa, Chris Levesque, a expertise industrial da Hyundai é essencial para transformar décadas de pesquisa em produtos práticos.
Ele destacou que os SMRs possuem vantagens decisivas: podem ser produzidos em série, têm custo reduzido em comparação às grandes usinas nucleares e exigem menos espaço. Além de propulsionar navios, podem atuar em redes elétricas flutuantes ou na geração de hidrogênio verde.
Ainda assim, os desafios são significativos. O principal entrave está no marco regulatório internacional. Nem a legislação marítima nem a nuclear foram desenhadas para contemplar a instalação de reatores em navios comerciais.
Questões como a gestão de resíduos radioativos, os protocolos de segurança em caso de acidente e a aceitação pública da energia nuclear em larga escala ainda precisam ser resolvidos.
O futuro da energia nuclear no transporte global
Apesar dos obstáculos, o movimento de Gates e Hyundai projeta consequências que vão além da navegação.
A capacidade de gerar energia limpa em alto-mar pode reforçar redes elétricas terrestres e abastecer a cadeia global de hidrogênio, considerado peça-chave na descarbonização da indústria pesada e dos transportes.
Se alcançar escala industrial, essa tecnologia pode reduzir drasticamente a dependência do petróleo no setor marítimo, abrir novos mercados de exportação de hidrogênio e consolidar os SMRs como protagonistas da transição energética.
Para Bill Gates, a equação é clara: “A energia nuclear é indispensável para atingir metas climáticas de longo prazo.” E, com a Hyundai como parceira, essa visão pode deixar de ser apenas uma ideia futurista para se tornar realidade até o fim da década.