O STJ confirmou em decisões recentes que um coproprietário pode usucapir a parte dos demais herdeiros ou ex-cônjuges, se viver sozinho no imóvel, agir como dono exclusivo e não houver oposição durante os prazos legais.
O Superior Tribunal de Justiça consolidou, em decisões recentes, que o coproprietário que mantém posse exclusiva, mansa e prolongada pode adquirir por usucapião a fração ideal dos demais condôminos e tornar-se o único dono do bem.
Na prática, herdeiros ou ex-cônjuges que deixaram o imóvel e nunca se opuseram correm o risco de ver sua parte desaparecer do patrimônio.
O que muda com a posição do STJ
A orientação firmada pela corte dá efetividade a uma situação comum em heranças e separações. Um dos titulares permanece no imóvel, arca com as despesas e age com “ânimo de dono”, enquanto os demais se afastam.
-
Cliente recebe 81 trilhões de Dólares por engano — valor supera riqueza mundial
-
Tio pode ser condenado a pagar pensão? Entenda como o Código Civil permitiu decisão que ampliou a obrigação alimentar para além de pais e avós
-
Terra girando ao contrário: simulação mostra desertos sumindo e novas áreas áridas surgindo no Brasil
-
Tribunal de Justiça confirma que netos podem ser obrigados a pagar pensão alimentícia a avós idosos quando filhos não têm condições ou já faleceram, reforçando o dever intergeracional de solidariedade familiar
A jurisprudência admite que, decorridos os prazos legais e sem oposição, esse possuidor exclusivo usucape a quota alheia, ainda que conste um condomínio na matrícula.
Decisões recentes que consolidaram o entendimento
Em junho de 2022, a Terceira Turma analisou o REsp 1.909.276/SP. O colegiado reconheceu que uma ex-esposa, há mais de 23 anos na posse solitária de apartamentos que integravam o acervo do casal, podia usucapir não só sua parte, mas também a fração ideal do ex-marido.
O tribunal destacou que, com o divórcio, cessa a “mancomunhão” e nasce um condomínio.
Nesse cenário, se apenas um condômino exerce o domínio de fato sem oposição, o prazo para usucapião começa a correr.
Em outubro de 2022, o REsp 1.777.404/RJ confirmou a possibilidade de um casal que já detinha 50% do apartamento usucapir a outra metade.
O tribunal assinalou que possuir metade do imóvel não impede a usucapião especial urbana, desde que estejam presentes moradia exclusiva, continuidade da posse e inexistência de outro imóvel residencial em nome dos possuidores.
Em 2023, síntese voltada a revisões de jurisprudência reforçou os marcos temporais: 15 anos para a usucapião extraordinária — reduzidos a 10 anos em caso de moradia habitual ou benfeitorias relevantes — e 5 anos para a usucapião especial urbana quando o imóvel tiver até 250 m² e servir de moradia única do possuidor.
Requisitos centrais para usucapir a quota dos demais
O ponto de partida é a posse exclusiva e contínua. Isso significa residir sozinho no bem ou explorá-lo de forma isolada, como quando alguém recebe sozinho os aluguéis e administra integralmente o imóvel.
Em seguida, é indispensável o “animus domini”, a conduta de quem se porta como dono.
Pagamento de IPTU, taxas condominiais, seguros e tributos em nome próprio, além de assumir reformas e melhorias, reforçam essa condição.
Outro pilar é a ausência de oposição.
A usucapião não prospera se houver resistência efetiva dos demais coproprietários, seja por notificações formais, cobrança de aluguel compensatório, ajuizamento de ação de partilha ou medidas que quebrem a aparência de domínio exclusivo.
Por fim, conta o prazo legal aplicável. Na modalidade extraordinária, são 15 anos, encurtados para 10 quando há moradia ou obras significativas.
Na especial urbana, o prazo é de 5 anos, limitado a imóveis de até 250 m², desde que usados para moradia e não haja outro imóvel em nome do possuidor.
Quando a contagem começa a correr
A contagem não retroage ao período de uso compartilhado. Ela se inicia no momento em que a posse se torna exclusiva.
Se um herdeiro saiu em 2010, mas continuou pagando metade do IPTU até 2015, a aparência de copropriedade permaneceu.
Nesse caso, o marco inicial migra para quando cessam esses pagamentos e a posse passa a ser exclusiva e sem contestação.
Fundamentos legais e a função social da propriedade
A orientação do STJ se ancora na função social da propriedade prevista na Constituição e nos arts. 1.238 e 1.240 do Código Civil. O raciocínio é que o direito de propriedade exige utilidade social.
Se a fração ideal permanece inerte — o coproprietário não usa, não aluga, não vende e tampouco participa das despesas —, a usucapião atua como mecanismo de regularização.
Segundo ministros, a usucapião “redistribui riqueza” quando a parcela abandonada deixa de cumprir função.
Situações típicas em heranças, divórcios e sociedades
Em inventários, não é raro que um dos irmãos fique no imóvel dos pais por longos anos, arcando com tributos e reformas, enquanto os demais se mudam e desaparecem.
Na ausência de oposição e com os prazos cumpridos, o ocupante pode postular 100% da casa.
Nos divórcios sem partilha definitiva, ex-cônjuge que permanece, explora economicamente o bem e recolhe sozinho todos os frutos por mais de quinze anos tende a consolidar o domínio.
Isso ocorre salvo prova de resistência ou acerto formal que indique mera tolerância.
Em aquisições parciais, como quando sócios arrematam metade de um imóvel e passam a usá-lo com exclusividade por anos a fio, a regularização da outra metade via usucapião especial urbana pode ocorrer.
Como demonstrar a posse exclusiva
A prova costuma combinar documentos fiscais que indiquem pagamentos feitos apenas pelo possuidor, recibos e notas de obras e benfeitorias, fotos periódicas que ilustrem a ocupação contínua e testemunhos de vizinhos.
Declarações de Imposto de Renda nas quais o imóvel figure como bem do possuidor ajudam a compor o quadro probatório.
Como os demais condôminos podem se proteger
Quem saiu do imóvel precisa manifestar oposição inequívoca.
Notificações extrajudiciais registradas, a cobrança de aluguel compensatório ou o ajuizamento de ação de partilha e de extinção de condomínio evidenciam que a exclusividade não é tolerada.
Essas medidas interrompem a caracterização de posse mansa e pacífica.
Há ainda o caminho do comodato escrito, um ajuste simples que explicita que o ocupante está no imóvel por mera tolerância, sem animus domini.
Instrumentos desse tipo, quando formalizados, são apontados por especialistas como antídoto eficaz contra pretensões de usucapião.
Via extrajudicial ou judicial: qual escolher
Desde 2015, a possibilidade de usucapião extrajudicial em cartório agilizou a vida do possuidor que reúne a documentação necessária.
Entretanto, imóveis originados de relações familiares com muitos herdeiros ou com parte deles em paradeiro desconhecido tendem a sofrer exigências que alongam o trâmite.
Nessas hipóteses, além de casos que envolvem menores ou incapazes ou inventários ainda não encerrados, a orientação é optar pela via judicial.
Nos tribunais, a tese tem sido reiteradamente acolhida e o resultado produz efeito vinculante entre as partes do processo.
Imóvel financiado: a hipoteca impede a usucapião?
A existência de financiamento ou hipoteca não bloqueia, por si só, a usucapião. Reconhecida a aquisição por posse prolongada e exclusiva, o novo proprietário assume o dever de quitar o saldo devedor.
As instituições financeiras costumam ser citadas para resguardar seus direitos de crédito.
O atendimento aos requisitos da posse é o fator determinante.
Orientação prática para quem ficou e para quem saiu
Quem mora sozinho há uma década ou mais, paga todas as contas, faz melhorias e nunca recebeu oposição tem, em tese, um caminho legal para consolidar a propriedade integral — mesmo que apenas uma meia-parte apareça na matrícula.
Em contrapartida, herdeiros e ex-condôminos que “deixaram para depois” devem reagir.
Um ato formal de oposição ou uma ação de partilha é capaz de interromper a configuração de posse exclusiva e evitar a perda definitiva da cota.
O recado que emerge dos julgados é direto: o direito de propriedade não convive com abandono. No condomínio e na herança, muitas vezes, “quem cuida, fica; quem some, perde”.
Na sua família, há alguém ocupando sozinho um imóvel comum? Quais medidas vocês adotaram — ou pretendem adotar — para evitar litígios e a perda silenciosa de patrimônio?