Soja brasileira entra na mira dos EUA: produtores pedem investigação por subsídios e acusam o Brasil de dominar mercados com preços imbatíveis.
A relação entre Brasil e Estados Unidos no agronegócio, marcada por cooperação e rivalidade, entrou em um novo capítulo em 2025. Depois de meses de tensão envolvendo tarifas sobre a carne bovina, agora é a soja brasileira que se tornou alvo direto de pressão política em Washington.
A American Soybean Association (ASA), entidade que representa os produtores americanos, formalizou pedidos de investigação ao governo dos EUA contra o Brasil, alegando que os subsídios concedidos ao setor agrícola distorcem a concorrência global. Para os sojicultores americanos, o resultado é claro: o Brasil estaria conseguindo oferecer preços imbatíveis no mercado internacional, ampliando sua participação às custas da perda de espaço dos EUA em mercados estratégicos, como a China.
O tamanho do Brasil no mercado global
O Brasil é hoje o maior exportador mundial de soja, posição consolidada nos últimos anos graças a recordes sucessivos de safra.
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Em 2024, as exportações brasileiras ultrapassaram 100 milhões de toneladas, movimentando mais de US$ 50 bilhões em receita cambial.
Grande parte desse volume tem como destino a China, principal comprador global da commodity. Mas o Brasil também tem avançado em outros mercados, como União Europeia, México, Egito e países do Sudeste Asiático.
Essa expansão tem colocado o agronegócio brasileiro como peça central no equilíbrio do comércio agrícola mundial.
O argumento dos produtores americanos
Os produtores dos EUA alegam que o governo brasileiro adota políticas que, direta ou indiretamente, funcionam como subsídios ao setor. Entre os pontos destacados pela ASA estão:
- Linhas de crédito rural subsidiadas, com juros abaixo dos praticados no mercado;
- Investimentos públicos em infraestrutura logística, como estradas, ferrovias e portos dedicados ao escoamento da safra;
- Incentivos fiscais regionais, especialmente no Centro-Oeste, que reduzem o custo final da produção;
- Apoio governamental a programas de seguro rural e armazenagem.
Para os sojicultores americanos, essas medidas configuram práticas desleais de comércio, já que permitem ao Brasil oferecer grãos a preços mais competitivos que os produzidos nos EUA, mesmo quando os custos internos são semelhantes.
A pressão sobre Washington
A ofensiva da ASA ganhou corpo em julho de 2025, quando a USTR (United States Trade Representative) abriu consultas públicas e audiências para analisar práticas brasileiras no setor agrícola.
Líderes do lobby rural americano defenderam que o governo adote medidas de retaliação comercial, que podem incluir novas tarifas ou até restrições de importação.
Em depoimento recente, Caleb Ragland, presidente da ASA, afirmou: “A soja brasileira está tomando mercados tradicionais dos Estados Unidos. O Brasil joga com regras diferentes, e isso prejudica diretamente nossos produtores. O governo precisa agir com urgência.”
O impacto sobre a relação bilateral
O movimento amplia a tensão na já delicada relação comercial entre os dois países. O Brasil, por sua vez, defende que suas políticas de crédito e apoio à agricultura são compatíveis com as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC), que permitem subsídios agrícolas desde que não sejam classificados como distorções diretas de exportação.
O Itamaraty e o Ministério da Agricultura têm buscado diálogo diplomático, argumentando que medidas unilaterais dos EUA violariam princípios da OMC. Mas, diante da pressão política interna, Washington pode intensificar as investigações e adotar medidas de contenção ainda em 2025.
Especialistas analisam o caso
Para o economista agrícola Marcos Jank, professor do Insper, “o Brasil construiu sua competitividade em soja com base em produtividade, escala e logística. Os EUA veem isso como subsídio, mas na verdade é uma vantagem estrutural que dificilmente pode ser contestada na OMC.”
Já a advogada especializada em comércio internacional Tatiana Prazeres destaca que “as pressões da ASA têm também motivação política. Em ano pré-eleitoral, setores agrícolas americanos costumam ganhar força no Congresso e no Executivo, e mirar no Brasil é parte desse jogo.”
As consequências para o agronegócio brasileiro
Se os EUA avançarem com medidas restritivas, os impactos podem ser significativos:
- Perda de espaço em mercados secundários que hoje dependem da triangulação comercial via traders americanos;
- Aumento do custo das exportações em função de tarifas adicionais;
- Reforço da dependência da China, ampliando riscos em caso de tensões geopolíticas;
- Pressão por diversificação de mercados, com busca de novos destinos na Ásia, Oriente Médio e África.
Por outro lado, especialistas lembram que o Brasil tem consolidado uma rede comercial robusta, e que sanções americanas poderiam apenas redirecionar parte da produção, sem comprometer totalmente os volumes exportados.
Disputa que pode redefinir o tabuleiro global
A soja é mais do que uma commodity: é um pilar estratégico da economia brasileira e um dos pontos mais sensíveis das relações comerciais com os Estados Unidos.
A pressão da ASA, somada às audiências conduzidas pela USTR, mostra que a disputa vai além da economia e reflete também questões políticas e geopolíticas.
O Brasil, de um lado, defende a legitimidade de suas políticas agrícolas. Os EUA, de outro, buscam proteger seus produtores diante da ascensão do concorrente sul-americano.
O resultado é uma disputa que pode moldar o futuro do comércio agrícola internacional e que coloca a soja brasileira no centro do palco das negociações globais.