Proposta em análise no Rio de Janeiro quer criar um programa inédito para atender quem trata bonecos como filhos reais, abrindo espaço para debates delicados sobre saúde mental, vínculos afetivos e o impacto emocional da solidão nas grandes cidades.
A Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) está analisando um projeto de lei inusitado, que propõe a criação de um programa de apoio psicológico para pessoas que se identificam como pais ou mães de bebês reborn – bonecos realistas que imitam com impressionante fidelidade as feições, proporções e características físicas de recém-nascidos.
A proposta, apresentada pelo deputado estadual Rodrigo Amorim (União), levanta um debate inédito sobre os impactos emocionais e sociais desse tipo de vínculo.
O Projeto de Lei nº 5357/2025 busca implementar um programa de saúde mental específico, com foco na orientação, acolhimento e tratamento de pessoas que mantêm laços afetivos com os bebês reborn de forma intensa.
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O parlamentar justifica a proposta com base no aumento de relatos de indivíduos que apresentam comportamentos considerados disfuncionais ao tratarem esses bonecos como filhos reais, chegando a levá-los a hospitais públicos e até a solicitar benefícios estatais em nome das “crianças”.
Segundo Rodrigo Amorim, essa relação exagerada pode estar associada a quadros de transtornos psicológicos mais profundos.
“A moléstia mental tem feito pessoas se debruçarem para o tal do bebê reborn, que é, sem dúvida nenhuma, um transtorno mental e que deve ser tratado e encarado pelo poder público”, afirmou o deputado durante uma sessão.
Para ele, a proposta é uma resposta preventiva e humanitária para lidar com uma realidade que já está posta.
O que prevê o projeto
O programa descrito no projeto prevê a criação de centros de atendimento psicológico e psiquiátrico especializados, destinados a oferecer suporte emocional e diagnóstico clínico às pessoas que apresentam dependência afetiva em relação aos bebês reborn.
A proposta também estabelece parcerias com universidades, ONGs, instituições de ensino, conselhos de psicologia e órgãos públicos de saúde mental para a realização de pesquisas, campanhas educativas e protocolos de atendimento.
O texto ainda determina a realização de campanhas de conscientização em todo o estado, com o objetivo de alertar a população sobre os possíveis riscos psicológicos de substituir relações humanas por vínculos com bonecos.
Embora a prática não seja crime nem considerada ilegal, especialistas alertam que, em casos extremos, pode haver uma negação da realidade ou a intensificação de transtornos já existentes, como depressão, ansiedade e traumas não resolvidos.
Popularização e casos polêmicos
Nos últimos anos, os bebês reborn ganharam notoriedade na mídia e nas redes sociais, sobretudo em perfis que mostram suas “mães” alimentando, trocando fraldas, registrando certidões de nascimento simbólicas e levando os bonecos em passeios.
Em alguns casos, os relatos demonstram que essas pessoas encontraram consolo em meio ao luto por filhos que faleceram, a frustrações relacionadas à infertilidade ou mesmo ao isolamento social.
Contudo, os excessos preocupam.
Casos de atendimento médico a bebês reborn em unidades do SUS foram registrados em estados como Minas Gerais e São Paulo, o que provocou indignação de parlamentares e profissionais de saúde.
Em Minas, o deputado estadual Cristiano Caporezzo (PL) apresentou um projeto para proibir expressamente que instituições públicas prestem qualquer tipo de atendimento a esses bonecos, sob pena de multa.
O argumento central é que tais demandas comprometem a estrutura do sistema de saúde e desviam recursos de pacientes reais.
Debates jurídicos e culturais
A polêmica também chegou ao campo jurídico.
Muitos advogados passaram a relatar o aumento de consultas relacionadas a direitos dos “filhos” reborn, incluindo pedidos de pensão alimentícia, registro civil, inclusão em planos de saúde e até guarda compartilhada em casos de separação.
A advogada Fernanda Sanchez viralizou ao responder a uma seguidora que perguntou se poderia requerer pensão do ex-marido para custear despesas com um bebê reborn.
A resposta foi clara: “Criança é criança, pet é pet. Você pode não aceitar, mas bebê reborn é uma boneca.”
Embora para alguns o vínculo com os reborn seja terapêutico, há uma linha tênue entre o uso saudável desses bonecos e o desenvolvimento de comportamentos que indicam distúrbios emocionais.
Psicólogos explicam que, em certos contextos clínicos, os bebês reborn são utilizados como recurso em terapias para luto, demência e infertilidade, pois ajudam na ressignificação da dor.
No entanto, quando se tornam substitutos de relações humanas reais, exigindo cuidados e direitos como se fossem seres vivos, pode haver comprometimento da realidade psíquica do indivíduo.
Mapeamento e pesquisa comportamental
A proposta da Alerj também traz um aspecto preventivo importante: a intenção de realizar mapeamentos e estudos aprofundados sobre o fenômeno.
O texto do projeto propõe que universidades realizem pesquisas sobre o comportamento e as motivações que levam indivíduos a estabelecer relações afetivas tão intensas com esses objetos.
O projeto ainda está em tramitação nas comissões temáticas da Alerj e deve passar por discussões mais amplas com representantes da área da saúde, psicologia, assistência social e educação.
Caso seja aprovado, o programa poderá se tornar referência nacional no tratamento de casos similares, além de fomentar uma discussão mais ampla sobre o impacto da solidão, do luto e do adoecimento mental na sociedade contemporânea.
Entre o afeto e a alienação
Outro ponto que chama a atenção é que o município do Rio de Janeiro já instituiu o “Dia da Cegonha Reborn”, data simbólica criada pela Câmara Municipal para homenagear as pessoas que cuidam dos bebês reborn com carinho e dedicação.
A iniciativa foi celebrada por grupos de apoio, mas também gerou críticas por parte de quem vê nisso uma banalização do afeto ou um incentivo à alienação.
Diante do avanço tecnológico e da crescente digitalização das relações humanas, fenômenos como o uso de bebês reborn evidenciam as lacunas emocionais que muitas pessoas enfrentam.
O debate que o projeto de lei suscita é relevante não apenas do ponto de vista da saúde pública, mas também no campo da ética, do comportamento e da cultura.
Para muitos especialistas, o projeto da Alerj é um passo importante para compreender melhor como a sociedade lida com o sofrimento psíquico e as estratégias – saudáveis ou não – que as pessoas utilizam para lidar com ele.
Em uma era marcada pela hiperconectividade e pela carência de vínculos profundos, iniciativas como essa buscam encontrar um equilíbrio entre o acolhimento e a orientação profissional.
Você acha que tratar um boneco como um filho pode ser uma forma legítima de lidar com a solidão ou isso já ultrapassa os limites do razoável?