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Gigantes de borracha: como pneus de 4 toneladas são ‘cozidos’ em fornos para virar asfalto e combustível, criando um negócio milionário a partir do lixo ambiental

Escrito por Carla Teles
Publicado em 03/11/2025 às 19:02
Gigantes de borracha Como Pneus de 4 Toneladas São 'Cozidos' em Fornos Para Virar Asfalto e Combustível, Criando um Negócio Milionário a Partir do Lixo Ambiental
Descubra como os “gigantes de borracha”, pneus de mineração, deixam de ser lixo para virar combustível e asfalto em um negócio milionário.
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Impulsionada por lei, a reciclagem dos ‘gigantes de borracha’ movimenta milhões ao transformar toneladas de sucata industrial em energia e infraestrutura no Brasil.

O Brasil enfrenta um desafio colossal: o que fazer com os gigantes de borracha, os pneus de mineração que podem pesar toneladas e levar 600 anos para se decompor. O que antes era um passivo ambiental milionário, acumulando riscos à saúde pública e contaminando o solo, tornou-se o motor de uma indústria lucrativa. Esta transformação foi catalisada por uma legislação rigorosa, que forçou a criação de uma cadeia de valor sofisticada para dar um destino correto a essa sucata.

Hoje, esses pneus inservíveis são a matéria-prima de duas rotas principais: a produção de Combustível Derivado de Pneus (CDP) para a indústria de cimento e a fabricação de asfalto-borracha para rodovias. Dados da Reciclanip, entidade gestora criada pela Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (ANIP), indicam que o país descarta cerca de 450 mil toneladas de pneus anualmente. É um volume monumental que, em vez de poluir, está agora alimentando fornos industriais e construindo estradas mais duráveis.

O passivo ambiental que virou lei

A dimensão do desafio é difícil de visualizar. Um único pneu OTR (Off-The-Road) de um caminhão de mineração pode ter quatro metros de diâmetro e pesar quatro toneladas. Quando descartados incorretamente em aterros ou a céu aberto, esses materiais se tornam criadouros ideais para vetores de doenças, como o Aedes aegypti, além de contaminar o solo com a lixiviação de produtos químicos. Por décadas, o acúmulo desse material formou um “passivo ambiental” gigantesco.

O ponto de virada foi regulatório. A Resolução CONAMA nº 416/2009 estabeleceu a Política de Logística Reversa, tornando-se o alicerce de toda essa indústria. A norma obriga fabricantes e importadores de pneus a coletarem e darem uma destinação ambientalmente adequada aos produtos inservíveis. Como muitas mineradoras importam diretamente seus pneus gigantes, elas assumem legalmente o papel de importador e, consequentemente, a responsabilidade integral pela destinação final, criando uma demanda imediata e estável por serviços de reciclagem.

Rota 1: Energizando a indústria do cimento

A rota de valorização mais consolidada para os gigantes de borracha é sua transformação em Combustível Derivado de Pneus (CDP). No processo, os pneus são triturados em “chips” de borracha, que são então utilizados como combustível em fornos de cimenteiras. Estes fornos, que operam em temperaturas extremas de até 2.000°C, garantem a destruição térmica completa dos resíduos sem gerar cinzas, pois os componentes inorgânicos são quimicamente incorporados ao próprio clínquer (matéria-prima do cimento).

Trata-se de uma simbiose industrial perfeita. Para a indústria cimenteira, o CDP é uma fonte de energia com alto poder calorífico, frequentemente superior ao do carvão e comparável ao do óleo combustível, mas a um custo significativamente menor. Isso reduz custos operacionais e, crucialmente, diminui a pegada de carbono ao substituir combustíveis fósseis tradicionais. Para a indústria de reciclagem, as cimenteiras representam um cliente de grande volume e demanda constante, garantindo o escoamento da produção e a viabilidade econômica da operação.

Rota 2: O asfalto que transforma estradas

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A segunda rota de valorização transforma a sucata em infraestrutura de ponta. O pó de borracha, obtido pela moagem fina dos pneus, é misturado ao ligante asfáltico (CAP) para criar o “asfalto-borracha”. A tecnologia resulta em um pavimento com desempenho superior: estudos indicam um aumento de cerca de 40% na durabilidade, maior resistência a trincas e buracos, e até mesmo maior aderência e redução de ruído, aumentando a segurança nas rodovias.

Embora o custo inicial seja cerca de 30% maior que o do asfalto convencional, a economia se prova no longo prazo, com menor necessidade de manutenção. O principal exemplo de sucesso vem de Minas Gerais. Dados do Departamento de Estradas de Rodagem de Minas Gerais (DER-MG) mostram que o estado se tornou o maior consumidor público dessa tecnologia no país. Impulsionado por programas de recuperação de rodovias, o uso do material saltou de 1.107 toneladas em 2020 para 40.115 toneladas em 2024, um aumento impressionante de mais de 2.400%.

O modelo de Minas Gerais ilustra como uma política de compras públicas pode, sozinha, criar um mercado robusto para um produto reciclado. Ao garantir a demanda em larga escala, o governo estadual viabilizou o investimento das empresas de reciclagem e pavimentação na tecnologia. Essa decisão transformou um investimento em infraestrutura em uma ferramenta direta de remediação ambiental, sendo responsável pela remoção de mais de 1,6 milhão de pneus do meio ambiente apenas nesse programa.

Quanto vale um pneu inservível?

A indústria de reciclagem dos gigantes de borracha provou ser um negócio resiliente por não depender de uma única fonte de receita. O modelo se apoia em três pilares: primeiro, as “taxas de recebimento” (gate fees), pagas pelas mineradoras e importadores para que a recicladora aceite o resíduo, garantindo a conformidade com a lei CONAMA. Segundo, a venda dos produtos de borracha processados, seja o CDP para cimenteiras ou o pó para asfalto.

O terceiro pilar é a venda do aço reciclado. Pneus de veículos pesados podem conter até 25% de aço de alta qualidade em sua composição, que é extraído durante o processo de trituração através de separadores magnéticos. Esse material é vendido diretamente para siderúrgicas, fechando o ciclo do material. Essa diversificação protege o negócio: mesmo que o preço de uma commodity (como o aço) caia, as receitas das taxas de serviço (garantidas por lei) e da venda do CDP mantêm a operação lucrativa.

A trajetória dos pneus OTR no Brasil é um exemplo claro de economia circular na prática. O que era um passivo ambiental complexo e perigoso foi transformado, por força de uma regulação eficaz e inovação industrial, em um centro de receita. A indústria dos gigantes de borracha não apenas limpa o meio ambiente, mas também gera energia, constrói estradas melhores e movimenta uma cadeia econômica milionária.

Você concorda com essa mudança? Acha que isso impacta o mercado? Deixe sua opinião nos comentários, queremos ouvir quem vive isso na prática.

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João Blazakis
João Blazakis
03/11/2025 20:03

Muito bom.
logística reversa, deve ser uma preocupação constante no reaproveitamento dos materiais.

Carla Teles

Produzo conteúdos diários sobre economia, curiosidades, setor automotivo, tecnologia, inovação, construção e setor de petróleo e gás, com foco no que realmente importa para o mercado brasileiro. Aqui, você encontra oportunidades de trabalho atualizadas e as principais movimentações da indústria. Tem uma sugestão de pauta ou quer divulgar sua vaga? Fale comigo: carlatdl016@gmail.com

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