ESA lança o satélite BIOMASS com o primeiro radar de banda P do mundo para mapear, com precisão inédita, o carbono armazenado nas florestas e entender seu papel no aquecimento global.
Imagine olhar para uma floresta densa, coberta por nuvens, no meio da Amazônia ou do Congo, e ainda assim conseguir ver o que está por baixo da copa das árvores — medir os troncos, os galhos e calcular exatamente quanta madeira, e portanto, quanto carbono, existe ali. Isso que parece cena de ficção científica acaba de se tornar realidade com o lançamento do satélite BIOMASS, da Agência Espacial Europeia (ESA).
É a primeira vez na história que um radar de banda P — o mais profundo e penetrante já enviado ao espaço — será usado para mapear a biomassa terrestre com precisão inédita, revelando o verdadeiro papel das florestas no ciclo global de carbono. O que está em jogo é entender quanto CO₂ elas realmente absorvem, onde estão os maiores estoques de carbono do planeta, e como tudo isso está mudando com o avanço das mudanças climáticas.
A missão que olha para baixo — para entender o todo
Lançado com sucesso em 29 de abril de 2025, a bordo de um foguete Vega-C no centro espacial de Kourou, na Guiana Francesa, o satélite BIOMASS agora orbita a Terra como parte do programa Exploradores da Terra da ESA.
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Menos de uma hora após a separação do foguete, o satélite já havia enviado seu primeiro sinal, confirmando que estava operacional.
A missão foi desenhada com um propósito claro: quantificar a biomassa florestal e, por consequência, a quantidade de carbono armazenada nas florestas do mundo — algo que nunca foi feito com precisão global antes.
Isso inclui regiões remotas, cobertas por nuvens tropicais ou por dosséis vegetais tão densos que nenhum outro satélite havia conseguido penetrar.
Segundo a ESA, mais de 70% da biomassa terrestre está concentrada em florestas tropicais, como a Amazônia, a Bacia do Congo e o Sudeste Asiático. Mas a maior parte da atenção global se limita à cobertura vegetal visível por satélite, o que não é suficiente para estimar o que está de fato armazenado nos caules, troncos e galhos — a parte lenhosa da floresta, que armazena até 50% do peso de uma árvore em carbono.
O radar de banda P: o segredo do BIOMASS
A inovação central da missão está no primeiro radar de abertura sintética em banda P a ser enviado ao espaço. Enquanto satélites como o Sentinel-1 (banda C) ou o NISAR da NASA (banda L) utilizam comprimentos de onda menores, o radar de banda P opera com ondas muito mais longas, capazes de atravessar a copa das árvores, a cobertura de nuvens e até mesmo chuva intensa.
Isso permite que o BIOMASS interaja diretamente com o que há de mais valioso para o ciclo do carbono: a madeira, o tronco, os galhos e o solo da floresta. O radar emite pulsos e capta o eco que retorna, processando o sinal para medir a estrutura tridimensional da vegetação.
E não estamos falando de simples imagens: o radar é capaz de estimar a altura das árvores, a densidade da floresta e a distribuição da matéria orgânica lenhosa, criando um mapa global da biomassa florestal com uma precisão que nenhum instrumento terrestre ou orbital conseguiu antes.
Implantação: um desafio de engenharia
Para tornar essa medição possível, o satélite precisará abrir uma antena refletora de 12 metros de diâmetro, montada em um braço articulado de 7,5 metros. Essa manobra extremamente delicada será executada nos primeiros dias da missão. Quando totalmente aberta, a antena será capaz de escanear vastas regiões da superfície terrestre com altíssima resolução, mesmo em áreas de difícil acesso.
O satélite BIOMASS também incorpora sistemas de navegação e controle finos, que permitirão passagens repetidas sobre as mesmas áreas sob ângulos ligeiramente diferentes. Com isso, ele pode aplicar técnicas de tomografia radar, uma espécie de escaneamento em camadas, que permitirá reconstruções 3D da estrutura florestal.
Missão em duas fases: mapa 3D e monitoramento
A missão está dividida em duas fases principais. A primeira, chamada de fase tomográfica, durará 18 meses e será dedicada à construção de modelos tridimensionais das florestas, cruzando sinais coletados de diferentes ângulos. A segunda, com duração de 4 anos, será a fase interferométrica, na qual o satélite observará mudanças na altura, densidade e estrutura da floresta ao longo do tempo.
Com isso, será possível estimar com grande precisão quanto carbono está sendo absorvido ou emitido, por região e por tipo de floresta. E essa informação tem implicações diretas para políticas de clima, mercado de carbono, REDD+ e planejamento ambiental.
Por que isso importa?
Sabemos que as florestas absorvem, em média, cerca de 8 bilhões de toneladas líquidas de CO₂ por ano — mas essa é apenas uma estimativa. O desmatamento e a degradação florestal devolvem parte desse carbono à atmosfera. O problema é que, até agora, não tínhamos ferramentas globais confiáveis para quantificar exatamente esse saldo.
O BIOMASS muda esse jogo. Com ele, será possível:
- Calcular o estoque de carbono florestal acima do solo com alta precisão
- Detectar áreas de perda ou ganho de biomassa ano a ano
- Modelar o impacto do clima e da atividade humana nas florestas
- Subsidiar acordos internacionais de redução de emissões
Em outras palavras: o BIOMASS não apenas observa a Terra — ele ajuda a redefinir como entendemos o papel das florestas no equilíbrio climático global.
Um salto para a ciência — e para a proteção ambiental
Com um investimento de anos e tecnologias de ponta como o radar de banda P, a ESA lança com o BIOMASS um dos projetos científicos mais ousados da década no campo da climatologia, ecologia e sensoriamento remoto.
A missão também tem valor simbólico: ela mostra que a corrida espacial não é apenas para Marte, mas também para salvar nosso planeta, fornecendo dados críticos para combater o aquecimento global e proteger o que resta das florestas tropicais.
Se o BIOMASS cumprir seu objetivo — e tudo indica que sim —, passaremos a ver as florestas não apenas como paisagens verdes, mas como reservatórios vitais de carbono, visíveis agora com clareza científica sem precedentes.