Justiça reconhece fraude na pejotização: empresa que contrata trabalhador como PJ pode ser condenada a pagar FGTS, férias e 13º salário retroativos.
Nos últimos anos, cresceu no Brasil a prática de contratar trabalhadores como pessoa jurídica (PJ) em vez de assinar a carteira de trabalho. Essa modalidade, conhecida como pejotização, promete reduzir custos para empresas e, em alguns casos, aumentar o rendimento líquido do profissional. Mas quando a relação encobre um vínculo típico de emprego, a Justiça do Trabalho tem sido firme: reconhece o contrato como fraude e condena a empresa a pagar todos os direitos previstos na CLT.
O artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) declara nulos os atos praticados com o objetivo de fraudar direitos trabalhistas. Assim, se o trabalhador contratado como PJ desempenha funções com subordinação, pessoalidade, habitualidade e onerosidade, a Justiça pode converter a relação em vínculo de emprego, garantindo direitos como FGTS, férias, 13º salário, aviso prévio e horas extras.
O que caracteriza fraude na pejotização
A Justiça considera pejotização ilícita quando o modelo de contratação mascara uma relação que, na prática, é de emprego formal. Alguns sinais claros de fraude são:
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Almoço encurtado sai caro: empresas que dão menos de 1 hora de intervalo devem pagar o tempo suprimido com adicional de 50%, confirma TST
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Lei de adicional de periculosidade de 2012 passa a valer para todos os contratos em curso e garante a engenheiro contratado em 2005 adicional calculado sobre salário-base após decisão do TST
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Aposentadoria não elimina direitos: quem continua trabalhando mantém adicional de insalubridade pago pelo empregador e pode acumular salário e aposentadoria
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Seguro-desemprego não perdoa omissão: trabalhador que esconde novo emprego perde direito ao benefício, precisa devolver valores e pode responder por fraude
- Subordinação: o trabalhador segue ordens diretas, cumpre horários e responde a superiores hierárquicos;
- Pessoalidade: a função só pode ser desempenhada por ele, sem possibilidade de substituição por outro profissional;
- Habitualidade: o trabalho é contínuo, não eventual;
- Onerosidade: há remuneração fixa e previsível, semelhante a salário.
Quando esses elementos estão presentes, não importa se há contrato de prestação de serviços por meio de pessoa jurídica: o vínculo é reconhecido como trabalhista.
Jurisprudência recente da Justiça do Trabalho
O Tribunal Superior do Trabalho (TST) já consolidou em diversas decisões que a pejotização irregular gera nulidade do contrato civil e obriga a empresa a pagar todos os direitos trabalhistas.
Em 2023, a 2ª Turma do TST analisou o caso de um engenheiro contratado como PJ, mas que cumpria jornada regular e recebia remuneração mensal. A corte reconheceu a fraude e determinou o pagamento de FGTS, férias proporcionais, 13º salário e multa rescisória.
Outro julgamento, no TRT da 2ª Região (SP), envolveu uma empresa de tecnologia que contratava programadores via pessoa jurídica.
A Justiça reconheceu que a rotina dos profissionais era idêntica à de empregados formais e condenou a empresa a pagar todos os encargos trabalhistas retroativos.
Impacto financeiro das condenações para as empresas
O reconhecimento do vínculo de emprego pode gerar condenações milionárias, especialmente quando a pejotização dura anos. A empresa passa a ser obrigada a:
- Depositar o FGTS de todo o período trabalhado;
- Pagar férias vencidas e proporcionais, acrescidas de 1/3;
- Quitar 13º salários retroativos;
- Arcar com verbas rescisórias, como aviso prévio e multa de 40% sobre o FGTS;
- Recolher contribuições previdenciárias atrasadas.
Além disso, há risco de autuações fiscais pela Receita Federal e pela Previdência, que podem cobrar os encargos sociais devidos sobre os valores pagos como “honorários”.
O papel do STF na discussão sobre pejotização
Em 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) analisou a chamada “pejotização lícita” em atividades intelectuais e especializadas, como médicos e advogados.
O STF entendeu que a contratação como pessoa jurídica é válida quando não há relação de emprego típica, ou seja, quando o profissional mantém autonomia, assume riscos e pode se substituir por outro.
Mas o mesmo julgamento deixou claro que a fraude não é permitida: quando presentes os elementos da CLT, o vínculo deve ser reconhecido. A decisão reforçou a segurança jurídica, diferenciando a terceirização legítima da pejotização irregular.
Especialistas alertam para os riscos da prática
Para o juiz do trabalho Marcos Scalercio, “a pejotização é uma tentativa de redução de custos que muitas vezes mascara uma relação de emprego. Quando isso ocorre, a Justiça é implacável e condena a empresa a arcar com todos os direitos”.
A advogada trabalhista Camila Aith acrescenta: “empresas que insistem nesse modelo correm risco alto. O passivo trabalhista pode ser muito maior do que a economia imediata obtida com a pejotização”.
A mensagem da Justiça é clara: a contratação via PJ só é válida quando há real autonomia e ausência dos elementos típicos da relação de emprego. Caso contrário, trata-se de fraude trabalhista, com condenação inevitável para a empresa.
O fenômeno da pejotização, comum em setores como tecnologia, saúde e comunicação, precisa ser tratado com cautela. A tentativa de reduzir encargos trabalhistas pode se transformar em um passivo gigantesco, capaz de comprometer a saúde financeira da organização.