Brasil exporta quase 200 milhões de toneladas de soja e milho, mas continua dependente de importações de trigo e arroz para abastecer a mesa, segundo Secex.
O Brasil se consolidou como um dos maiores exportadores de grãos do planeta. Somados, soja e milho ultrapassaram a marca de quase 200 milhões de toneladas embarcadas em 2023, abastecendo principalmente a China, a União Europeia e outros grandes consumidores globais. Esse protagonismo rendeu bilhões em divisas e reforçou a imagem do país como potência agrícola. Mas, por trás do sucesso internacional, há uma contradição pouco conhecida: o país ainda depende de importações para garantir o abastecimento interno de trigo e arroz, dois dos alimentos mais presentes na mesa dos brasileiros.
Soja e milho: os gigantes do agro brasileiro
A soja é, há anos, a estrela da balança comercial do Brasil. Em 2023, foram 127 milhões de toneladas exportadas, segundo a Secex, consolidando o país como maior fornecedor global da oleaginosa. A China absorveu cerca de 70% desse volume, impulsionando o agronegócio nacional.
O milho vem logo atrás, com exportações que superaram 50 milhões de toneladas em 2023, alcançando mercados como Japão, Irã e União Europeia. A combinação desses dois grãos fez do Brasil líder em exportações agrícolas, gerando superávits históricos.
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Esses números dão a impressão de autossuficiência absoluta no setor de grãos. Mas a realidade interna é bem diferente quando se trata de trigo e arroz.
O paradoxo alimentar brasileiro
Apesar de colher e exportar volumes colossais de soja e milho, o Brasil não é autossuficiente em trigo e mantém déficit em arroz.
- Trigo: o Brasil é um dos maiores importadores mundiais do cereal. Só entre agosto de 2024 e julho de 2025, foram 6,8 milhões de toneladas importadas, principalmente da Argentina, que responde por mais de 80% do fornecimento.
- Arroz: embora seja produtor relevante, com destaque para o Rio Grande do Sul, o país registrou balança negativa em 2025 — ou seja, importou mais do que exportou. O Paraguai e o Uruguai estão entre os principais fornecedores.
Na prática, significa que enquanto exporta quase 200 milhões de toneladas de soja e milho, o Brasil precisa comprar do exterior parte do trigo usado para o pão e parte do arroz que acompanha o feijão no prato diário da população.
Por que o Brasil não é autossuficiente em trigo e arroz
A resposta passa por clima, estrutura de produção e lógica de mercado:
Trigo – o cereal exige condições climáticas que só se reproduzem em parte do Sul do Brasil. O país não tem clima ideal para expandir a produção em larga escala em outras regiões, o que obriga a importação.
Arroz – apesar de o Brasil ser um dos 10 maiores produtores globais, o consumo interno é muito alto. Em anos de safra menor, como em 2024/25, é necessário importar para equilibrar a oferta.
Foco no agro de exportação – produtores priorizam soja e milho, que têm preços mais atrativos e grande demanda externa. Isso reduz o espaço para o cultivo de trigo e arroz.
Como isso impacta na mesa do brasileiro
Essa dependência de importações impacta diretamente no bolso do consumidor. Como o país compra trigo e arroz no mercado internacional, o preço final desses alimentos está sujeito a variações cambiais e a crises externas.
- No trigo, qualquer alta do dólar ou quebra de safra na Argentina se traduz rapidamente em pão mais caro nas padarias brasileiras.
- No arroz, situações de escassez podem levar a disparadas de preço — como ocorreu em 2024, quando enchentes no Rio Grande do Sul reduziram a produção e obrigaram o governo a liberar importações extraordinárias.
Em resumo, o prato básico do brasileiro continua exposto à volatilidade do mercado externo, mesmo em um país que exporta grãos em volume suficiente para alimentar nações inteiras.
A vulnerabilidade na segurança alimentar, segundo especialistas
Para especialistas, a vulnerabilidade não está apenas na economia, mas também na segurança alimentar. Em caso de crises internacionais, conflitos armados ou problemas logísticos, o Brasil poderia enfrentar dificuldades para garantir a oferta desses produtos básicos.
Esse risco já foi sentido em 2020, no auge da pandemia, quando a logística global foi paralisada e os preços dos grãos dispararam.
Caminhos para reduzir a dependência
Algumas soluções estão em discussão:
- Expansão do cultivo de trigo no Cerrado, com variedades adaptadas e irrigação. Pesquisadores da Embrapa já desenvolvem sementes resistentes a climas mais quentes.
- Políticas de incentivo ao arroz em regiões além do Rio Grande do Sul, para diversificar a produção.
- Estoque regulador mais robusto, garantindo estabilidade em períodos de crise.
- Inovação em biofortificação e variedades híbridas, para aumentar a produtividade.
No entanto, especialistas alertam que o Brasil dificilmente alcançará autossuficiência plena em trigo, devido às condições naturais, mas pode reduzir significativamente a dependência.
O contraste entre exportar quase 200 milhões de toneladas de soja e milho e importar milhões de toneladas de trigo e arroz revela uma contradição estrutural: o Brasil é potência global em commodities agrícolas, mas ainda vulnerável em alimentos básicos da sua população.
Enquanto o agro garante superávits bilionários na balança comercial, a mesa do brasileiro continua parcialmente abastecida por fornecedores estrangeiros. Um paradoxo que expõe os limites do modelo de desenvolvimento agrícola e coloca em debate a necessidade de equilíbrio entre exportação e segurança alimentar.