Brasil exporta petróleo cru, mas ainda importa até 25% do diesel e 10% da gasolina que consome. Gargalos no refino revelam contradição que pesa no bolso do brasileiro, apontam dados da OEC
O Brasil atingiu recordes históricos na produção de petróleo cru, consolidando-se entre os dez maiores produtores do planeta. Em 2024, foram mais de 3,6 milhões de barris por dia, sustentados sobretudo pelo pré-sal, com reservas que rivalizam com grandes potências energéticas. Mesmo assim, existe uma contradição que intriga e preocupa: o país ainda precisa importar combustíveis refinados, chegando a trazer de fora até 25% do diesel e 10% da gasolina que abastecem carros, caminhões e tratores. Esse paradoxo expõe gargalos de infraestrutura, falta de investimentos em refino e desafios de política energética que têm impacto direto no bolso da população.
Exportador de petróleo, importador de combustíveis
Segundo a Observatory of Economic Complexity (OEC), em 2023 o Brasil importava cerca de 10% da gasolina que consumia, revelando uma dependência relevante de combustíveis vindos do exterior.
No entanto, dados mais recentes da Agência Nacional do Petróleo (ANP) mostram que essa participação caiu em 2025, ficando próxima de 4,3% em março e 4,1% em abril, especificamente para a gasolina A.
-
A Petrobras já soma participações em quatro blocos de exploração em São Tomé e Príncipe, consolidando presença estratégica na África com gigantes como Shell e Galp
-
Tarifas de até 100%: Estados Unidos pressionam G7 para que o petróleo russo, comprado pela China e Índia, fique mais caro como forma de encaminhar o fim da guerra na Ucrânia
-
Guerra nos discursos, barris nos navios: Washington ataca Caracas e compra seu petróleo ao mesmo tempo
-
Dados oficiais confirmam: Brasil corta totalmente as exportações de petróleo para Israel em 2025
Essa diferença revela como os percentuais podem variar ao longo do tempo, mas reforça a contradição central: mesmo sendo potência na produção e exportação de petróleo cru, o Brasil ainda precisa recorrer ao mercado externo para garantir parte do abastecimento interno.
O Brasil ocupa uma posição confortável como exportador de petróleo cru, com superávit bilionário na balança comercial. A China é a maior compradora, levando cerca de metade do óleo extraído no pré-sal. Porém, grande parte dessa produção sai do país sem passar por refinarias nacionais, retornando de forma indireta como derivados mais caros.
Esse ciclo cria uma dependência perigosa: enquanto exporta petróleo para gerar divisas, o Brasil importa derivados que custam caro em dólares. É como vender o boi em pé e comprar o filé pronto — o ganho é sempre menor para quem só fornece a matéria-prima.
Gargalos nas refinarias nacionais?
O principal motivo dessa contradição está na capacidade limitada de refino. A Petrobras, que domina o setor, não ampliou significativamente o parque de refino nas últimas décadas.
Hoje, o Brasil conta com pouco mais de uma dezena de refinarias, muitas delas antigas e com limitações tecnológicas para processar petróleo do pré-sal, que é mais leve e exige adaptações.
Apesar de o Brasil ter alcançado recordes na produção de petróleo cru, as refinarias nacionais ainda carregam gargalos que limitam a autossuficiência em combustíveis.
A capacidade instalada de cerca de 2,4 milhões de barris por dia é insuficiente diante de uma produção que já passa de 3,6 milhões, e projetos como a Abreu e Lima (PE) e o Comperj (RJ) ficaram marcados por atrasos e obras inacabadas. Além disso, muitas unidades foram projetadas para processar óleos mais pesados, criando incompatibilidade parcial com o petróleo mais leve do pré-sal.
O resultado é um paradoxo: mesmo exportando barris em volumes históricos, o Brasil continua dependente de importações para suprir a demanda de diesel e gasolina.
Projetos como a Refinaria Abreu e Lima (PE) e o Comperj (RJ) enfrentaram atrasos, custos bilionários e escândalos de corrupção, deixando o país sem a infraestrutura necessária para refinar internamente todo o petróleo que produz. O resultado é que, mesmo exportando milhões de barris, o Brasil ainda depende de importações para suprir sua demanda interna por combustíveis.
Diesel: o maior gargalo
O diesel é o combustível mais crítico da economia brasileira. Ele movimenta caminhões, tratores, ônibus e máquinas agrícolas, sendo vital para o transporte de cargas e para o agronegócio. Por isso, qualquer desequilíbrio no abastecimento tem efeito imediato sobre a inflação e o custo de vida.
Atualmente, cerca de um quarto do diesel consumido no Brasil vem de importação. Essa dependência expõe o país a choques externos, como variações no preço do petróleo, crises logísticas ou conflitos geopolíticos. Quando o preço do barril sobe lá fora, a conta chega rapidamente ao consumidor brasileiro.
Gasolina: dependência menor, mas real
No caso da gasolina, a dependência externa é menor, mas ainda relevante: em torno de 10% do consumo precisa ser importado. Essa fatia parece pequena, mas é suficiente para impactar preços e margens de distribuição.
O peso é ainda maior porque o consumo urbano é sensível a aumentos, refletindo diretamente no custo de transporte individual e coletivo.
Impacto no bolso do consumidor
Essa dependência de importações tem um efeito direto sobre a inflação. Como o Brasil precisa pagar em dólar pelo diesel e pela gasolina que importa, qualquer variação cambial ou alta no barril de petróleo reflete em reajustes nas bombas.
Para o caminhoneiro, significa custo maior no frete. Para o agricultor, significa colheita mais cara. E para o consumidor final, os preços dos alimentos e produtos básicos sobem. Em resumo: a falta de autossuficiência em derivados faz com que a conta da energia seja mais pesada para toda a sociedade.
Políticas energéticas e dilemas do futuro
O governo brasileiro já anunciou planos de ampliar a capacidade de refino, seja com a conclusão de projetos parados, seja com a modernização das refinarias existentes.
Há também iniciativas privadas de importar e refinar petróleo no Brasil. Mas esses movimentos exigem investimentos bilionários e tempo.
Enquanto isso, cresce o debate sobre transição energética. Com o avanço dos veículos elétricos e híbridos, será que vale a pena investir pesado em refinarias? Ou o país corre o risco de ficar defasado em relação às novas tecnologias de mobilidade? Esse dilema adiciona uma camada de incerteza ao futuro do setor.
O dilema estratégico do Brasil
O paradoxo brasileiro — exportador de petróleo cru e importador de diesel e gasolina — escancara um problema estratégico: o país gera riqueza com suas reservas, mas não consegue capturar plenamente o valor agregado. A cada barril exportado cru, perde-se a oportunidade de gerar empregos, tecnologia e renda no refino.
Enquanto não resolver esse gargalo, o Brasil continuará vulnerável a choques externos e preso a um ciclo que transfere riqueza para fora. É um lembrete de que ser potência energética não basta: é preciso transformar o potencial em soberania real sobre os combustíveis que movem a economia.