Sentença de 2024 reacende discussão sobre até que ponto os bancos devem responder por fraudes digitais, em meio ao avanço da engenharia social e das decisões protetivas.
Uma decisão recente da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reacendeu o debate sobre responsabilidade bancária em fraudes eletrônicas. Em setembro de 2024, o tribunal restabeleceu a indenização de R$ 143 mil a um correntista vítima do golpe da “falsa central”, no qual criminosos se passaram por atendentes de bancos e induziram o cliente a autorizar transferências fraudulentas.
A sentença foi considerada um marco na proteção do consumidor digital, mas também gerou críticas de especialistas em direito financeiro. Para muitos juristas, embora o STJ tenha agido com boa intenção, a decisão pode causar insegurança jurídica, pois amplia a responsabilidade dos bancos sem definir critérios técnicos claros.
Julgamento histórico expõe falhas e lacunas
O acórdão da 3ª Turma, publicado em outubro de 2024, reconheceu que as operações estavam fora do padrão habitual do cliente. Isso demonstraria falha nos mecanismos de segurança das instituições financeiras. Entretanto, o voto vencedor foi criticado por tratar indícios como prova suficiente, sem exigir relatórios técnicos, registros de segurança ou perícia digital independente.
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De acordo com especialistas em direito digital, o tribunal transformou uma obrigação de meio em uma obrigação de resultado. Exigiu-se que o banco evitasse fraudes independentemente da conduta do usuário. Essa interpretação, segundo juristas, ultrapassa o previsto no artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor. O dispositivo prevê responsabilidade objetiva, mas também excludentes legais, como culpa exclusiva da vítima ou ato de terceiro.
Linha do tempo de decisões divergentes
Em 2017, no julgamento do Recurso Especial nº 1.633.785, o STJ entendeu que o banco não deveria indenizar quando as operações ocorreram com cartão e senha originais. O tribunal reconheceu a culpa exclusiva do consumidor. Já em 2022, tribunais de segundo grau adotaram decisões intermediárias. Condenaram instituições quando havia falha comprovada e as isentaram quando o cliente consentia nas transações.
Em 2024, os julgamentos do REsp 2.222.059 e do REsp 2.229.519 mostraram uma tendência mais protetiva. Reafirmaram a ideia de que o risco das fraudes deve ser assumido pelo sistema financeiro. Essa guinada vem sendo chamada por especialistas de “jurisprudência de empatia”. Ela busca proteger o consumidor, mas fragiliza a previsibilidade das decisões judiciais.
Riscos econômicos e incentivos negativos
Economistas e juristas ouvidos em outubro de 2024 alertam para os efeitos colaterais da decisão. Ela pode estimular novas ações judiciais e elevar os custos operacionais dos bancos. A cada condenação sem base técnica sólida, aumenta o risco de comportamentos oportunistas. Clientes podem alegar fraude sem provas concretas, esperando reembolso automático.
Esse fenômeno, conhecido como moral hazard, cria incentivos prejudiciais. Consumidores relaxam nos cuidados de segurança. Instituições financeiras, por outro lado, passam a gastar mais com defesa judicial e provisões financeiras. Além disso, a falta de critérios técnicos definidos dificulta a criação de políticas regulatórias uniformes, tornando o sistema mais caro e instável.
Equilíbrio entre proteção e segurança jurídica
Para o advogado Rafael Moreira, professor de Direito do Consumidor, “o STJ acertou ao proteger a vítima, mas errou ao não definir critérios técnicos para essa proteção”. Já a economista Carla Nogueira, consultora em regulação financeira, alerta que a ausência de perícia obrigatória pode gerar efeito dominó de ações judiciais. Isso pressiona o custo do crédito e reduz a confiança no sistema bancário.
Segundo estudos da Fundação Getulio Vargas (FGV), decisões baseadas apenas em presunções geram distorções graves. “É preciso diferenciar falhas técnicas de golpes induzidos por engenharia social”, explicou o pesquisador Eduardo Ferraz em nota publicada em novembro de 2024.
Um modelo justo e previsível para o futuro
Especialistas defendem que futuras decisões exijam provas técnicas robustas e considerem a culpa concorrente quando o cliente age com imprudência. Além disso, o Banco Central e o Conselho Nacional de Justiça devem criar padrões técnicos e periciais para garantir segurança e uniformidade nas análises.
A decisão da 3ª Turma do STJ representa um avanço na proteção ao consumidor digital. No entanto, também abre uma nova fronteira de insegurança jurídica. Diante disso, fica a dúvida: como proteger as vítimas de golpes sem transformar os bancos em seguradoras da imprudência digital?



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