Herdeiro que investe em reforma, manutenção e posse exclusiva pode ter usucapião reconhecida contra familiares inertes, dizem tribunais
A disputa por bens deixados em herança é um dos temas mais recorrentes nos tribunais brasileiros. O que poucos sabem é que um herdeiro pode adquirir para si sozinho um imóvel herdado, mesmo que o bem esteja em nome de todos os sucessores. Isso ocorre quando ele exerce posse exclusiva e prolongada, agindo como verdadeiro dono, enquanto os demais herdeiros se mostram inertes e deixam de exercer qualquer ato de domínio.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) já consolidou entendimento de que a existência de condomínio hereditário não impede o reconhecimento da usucapião, desde que comprovados os requisitos legais. Aquele que investe na manutenção, conservação e até em reformas estruturais do imóvel, sem oposição dos demais, pode sim ter reconhecido o direito de propriedade exclusiva.
STJ confirma que herdeiro pode usucapir imóvel quando há posse exclusiva e animus domini
Tradicionalmente, os bens deixados em herança formam um condomínio pro indiviso, no qual todos os herdeiros possuem direitos iguais.
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Contudo, o STJ já decidiu que esse regime não é absoluto: quando apenas um herdeiro se comporta como proprietário, mantendo a posse direta e exclusiva, e os outros se mantêm inertes, abre-se espaço para a usucapião.
O ministro Marco Aurélio Bellizze, em julgamento de 2019, destacou que “a coabitação pacífica entre os herdeiros não se confunde com posse exclusiva. Se um deles afasta os demais e age com animus domini, pode ser reconhecida a usucapião”.
Essa posição foi reforçada em acórdãos posteriores, consolidando o entendimento de que a propriedade pode ser transferida a quem de fato lhe deu função social.
Reforma, pagamento de tributos e manutenção reforçam prova de posse de dono
Entre os elementos que diferenciam o mero exercício de posse conjunta do animus domini, estão atos claros de propriedade. Tribunais têm reconhecido que herdeiros que:
- pagam integralmente IPTU e contas de consumo;
- realizam reformas estruturais;
- impedem o uso do imóvel por outros familiares;
- mantêm o bem em funcionamento e conservação;
estão demonstrando uma postura típica de proprietário exclusivo.
Esses atos, quando somados ao decurso de tempo exigido por lei — que pode ser de 10 anos (usucapião ordinária) ou 15 anos (usucapião extraordinária), reduzidos em algumas hipóteses — constituem a base necessária para o reconhecimento judicial.
Tribunais reforçam que a inércia dos herdeiros abre caminho para usucapião
Outro ponto destacado em decisões recentes é que a inércia dos demais herdeiros não apenas facilita a caracterização da posse exclusiva, mas funciona como anuência tácita.
Ao não contestarem o uso prolongado, ao não contribuírem para despesas ou reformas, os demais sucessores acabam abrindo espaço para que o Judiciário reconheça a usucapião.
Em acórdão de 2021, o Tribunal de Justiça de São Paulo entendeu que o herdeiro que residia sozinho em imóvel herdado por mais de 20 anos, pagando tributos e realizando melhorias, havia consolidado posse qualificada. O colegiado reconheceu a usucapião e transferiu a propriedade integral para seu nome, extinguindo a copropriedade hereditária.
Especialistas destacam função social da propriedade e segurança jurídica
Juristas explicam que a aplicação da usucapião nesse contexto não é apenas uma questão patrimonial, mas também de função social da propriedade. Para o advogado e professor Flávio Tartuce, “o imóvel não pode ficar em estado de abandono ou disputa indefinida. Quem lhe dá utilidade, cuida e mantém, deve ser reconhecido como dono”.
Além disso, especialistas ressaltam que a medida garante segurança jurídica: sem ela, imóveis herdados poderiam ficar décadas em disputa, sem manutenção, prejudicando não apenas os herdeiros, mas também o entorno e a coletividade.
Posse exclusiva e investimento no imóvel podem levar à propriedade
A jurisprudência atual confirma: não basta ser herdeiro para manter direitos sobre o imóvel, é necessário agir como dono para impedir que outro sucessor peça usucapião. Quem abandona, deixa de pagar tributos ou de cuidar do bem corre o risco de perder sua parte.
O recado dado pelos tribunais é direto: a herança não é blindagem absoluta contra a usucapião. Se um herdeiro comprova que investiu em reformas, arcou sozinho com despesas e exerceu posse exclusiva por anos, ele pode transformar essa condição em direito de propriedade plena.