Deputada Júlia Zanatta (PL-SC) propõe ampliar a Lei Maria da Penha para incluir homens vítimas de violência doméstica; proposta divide opiniões no Congresso.
Um projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional promete reacender o debate sobre os limites e a aplicação da Lei Maria da Penha, uma das legislações mais emblemáticas do país no combate à violência doméstica. A proposta, apresentada pela deputada federal Júlia Zanatta (PL-SC) no início de 2025, busca ampliar a proteção legal também aos homens que sofrem violência física, psicológica ou patrimonial dentro de casa.
O texto, registrado sob o número PL 4954/2025, pretende alterar dispositivos da Lei nº 11.340/2006, que atualmente protege exclusivamente as mulheres. Caso aprovado, o projeto permitirá que homens em situação de vulnerabilidade doméstica possam requerer medidas protetivas de urgência, como afastamento do agressor, proibição de contato e atendimento prioritário em órgãos públicos.
Lei Maria da Penha: criada para proteger mulheres, mas pode ter novo alcance
A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006, após forte mobilização social e decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH).
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Inspirada na história da farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que sobreviveu a duas tentativas de feminicídio praticadas pelo marido, a lei representou um marco histórico na luta contra a violência de gênero no Brasil.
Porém, quase duas décadas depois, o cenário da violência doméstica apresenta novas dinâmicas familiares, e casos de homens agredidos por companheiras, filhos ou familiares têm ganhado visibilidade.
Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2024 foram registrados mais de 25 mil boletins de ocorrência de violência doméstica em que o homem foi identificado como vítima.
A autora do projeto argumenta que o ordenamento jurídico brasileiro não pode discriminar com base no gênero da vítima, e que “a proteção estatal deve ser estendida a qualquer cidadão em situação de vulnerabilidade, independentemente de ser homem ou mulher”.
O que muda com o PL 4954/2025
Se o projeto for aprovado, as principais mudanças seriam:
- Ampliação das medidas protetivas de urgência, como afastamento do lar, restrição de contato e acompanhamento psicológico, também para homens vítimas de violência doméstica;
- Atendimento prioritário para homens em situação de vulnerabilidade, com possibilidade de acionamento da Delegacia de Defesa da Família;
- Inclusão da violência doméstica contra o homem nas estatísticas e políticas públicas de enfrentamento, permitindo campanhas e ações educativas mais amplas;
- Alteração do artigo 2º da Lei Maria da Penha, que hoje cita “toda mulher”, passando a prever “toda pessoa vítima de violência doméstica e familiar”.
A proposta também determina que, em caso de comprovação de violência psicológica ou física, o agressor poderá responder criminalmente com base nas mesmas penalidades já previstas na lei atual.
Apoios e críticas à proposta
O projeto dividiu opiniões entre juristas e parlamentares. Para parte dos especialistas, a iniciativa corrige uma lacuna jurídica, garantindo tratamento igualitário diante da lei.
No entanto, há quem argumente que a Lei Maria da Penha foi criada com base em uma realidade específica, na qual a mulher ocupa posição historicamente mais vulnerável e que criar um mecanismo idêntico para homens poderia desvirtuar a natureza original da norma.
Nas redes sociais, a deputada Júlia Zanatta defendeu a proposta afirmando que “a violência não tem gênero” e que o Estado deve garantir amparo a todos. Ela destacou casos de homens vítimas de agressão psicológica, chantagem emocional e difamação pública, ressaltando que essas situações muitas vezes não recebem atenção das autoridades.
Debate jurídico: ampliar a lei ou criar uma nova?
A discussão levantada pelo PL 4954/2025 vai além da ampliação da Lei Maria da Penha. Há juristas que defendem a criação de uma nova legislação específica para homens, em vez de modificar a estrutura atual, que é reconhecida internacionalmente como instrumento de combate à desigualdade de gênero.
O professor de direito penal Renato Brasileiro de Lima, em análises anteriores sobre propostas semelhantes, afirmou que “é possível garantir a proteção de qualquer vítima de violência doméstica sem comprometer os princípios que motivaram a criação da Lei Maria da Penha, por meio de uma legislação complementar”.
Ainda assim, o projeto de Zanatta ganhou espaço político e promete polarizar as discussões nas comissões temáticas da Câmara e do Senado nos próximos meses.
O que acontece agora
O PL 4954/2025 foi apresentado oficialmente em março de 2025 e ainda aguarda designação de relator na Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher (CMULHER) da Câmara dos Deputados.
Após análise, seguirá para a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e, se aprovado, poderá ir a votação no plenário.
Enquanto isso, o debate sobre a igualdade de proteção nas relações familiares continua crescendo e reacende uma discussão sensível: até que ponto é justo que a lei trate de forma diferente homens e mulheres quando ambos são vítimas de violência doméstica?