Decisão no interior de São Paulo reduz pensão após mãe admitir aplicação de R$ 200 mil com dinheiro das filhas; juiz afirma que pensão é para sustento, não para investimento.
A Justiça da cidade de Limeira (SP) tomou uma decisão que reacendeu o debate sobre os limites do uso da pensão alimentícia e o controle sobre a aplicação do dinheiro destinado aos filhos.
Na sentença publicada em 6 de outubro de 2025, o juiz da Vara de Família e Sucessões decidiu reduzir o valor da pensão paga por um pai a suas duas filhas, após descobrir que a mãe mantinha uma aplicação financeira de aproximadamente R$ 200 mil, formada em grande parte pelo excedente dos valores recebidos mensalmente.
Durante a audiência, a própria mãe confessou ter feito o investimento e reconheceu que cerca de R$ 150 mil provinham do que ela considerava “sobras” da pensão alimentícia.
A confissão levou o magistrado a entender que o valor pago ultrapassava as necessidades básicas das filhas e estava servindo para acumular patrimônio particular, e não para suprir despesas de educação, saúde e alimentação.
Decisão judicial aponta “enriquecimento sem causa”
No texto da decisão, o juiz afirmou que a destinação dos valores configurava “enriquecimento sem causa” e que a pensão não pode se transformar em instrumento de investimento pessoal.
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Segundo o entendimento do magistrado, a obrigação alimentar tem natureza de subsistência e deve garantir o padrão de vida do alimentado, não o acúmulo de capital.
Diante dos fatos, o magistrado reduziu a pensão para quatro salários mínimos para uma das filhas e três para a outra, até nova reavaliação judicial.
O juiz destacou ainda que o pagamento de pensão deve observar o binômio necessidade-possibilidade, ou seja, equilibrar o que o alimentando realmente precisa e o que o alimentante pode oferecer sem comprometer a própria sobrevivência.
O que a Justiça levou em consideração
A decisão destacou três pontos centrais:
- A confissão da mãe sobre o investimento e a origem dos recursos;
- A comprovação de sobra mensal recorrente, que indicava valor superior ao necessário para o sustento das filhas;
- A ausência de indícios de descumprimento das obrigações do pai, que vinha mantendo os pagamentos regularmente.
Com base nesses elementos, o juiz concluiu que não havia motivo para manter o valor original, classificando a situação como “excesso no quantum alimentar”.
Entendimento segue precedentes do STJ
Embora cada caso tenha particularidades, o posicionamento segue a linha adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que já reconheceu em outras decisões que a pensão não pode gerar vantagem financeira nem lucro indireto.
Em julgados como o REsp 1.252.536/DF, o STJ destacou que a finalidade da pensão é assegurar o sustento e o desenvolvimento digno dos filhos, e não criar uma poupança para o responsável que administra os valores.
Essa interpretação reforça que, em casos de sobra recorrente de recursos, o valor pode ser revisto judicialmente — o que aconteceu em Limeira.
Discussão reacende polêmica sobre fiscalização do uso da pensão
O caso levanta uma questão que há anos divide tribunais e famílias: até que ponto o pai (ou mãe pagante) pode questionar o uso da pensão alimentícia? A lei não obriga a prestação de contas mensal, mas, como lembra a decisão, a boa-fé e a transparência devem nortear o uso dos recursos.
Advogados de família apontam que o caso de Limeira poderá abrir precedente para maior controle sobre a destinação da pensão, principalmente em situações onde há suspeita de uso indevido ou acúmulo patrimonial.
Especialistas alertam, porém, que cada caso deve ser avaliado individualmente, já que o interesse das crianças continua sendo o foco central do direito de família.
O que diz a legislação sobre revisão de pensão
A Lei nº 5.478/1968 (Lei de Alimentos) e o Código Civil (artigos 1.694 a 1.710) permitem que o valor da pensão seja revisto a qualquer momento, sempre que houver mudança na capacidade financeira do pagante ou nas necessidades do beneficiário.
No caso de Limeira, o juiz entendeu que o aumento patrimonial injustificado da mãe era um indicativo de que o valor já não refletia o equilíbrio necessário.
A redução, portanto, foi fundamentada não em punição, mas na readequação ao real custo de vida das filhas, com base no princípio da proporcionalidade.
Uma decisão que pode inspirar novos pedidos de revisão
A sentença ainda é de primeira instância, mas já repercute entre profissionais do direito e nas redes sociais. Para alguns, ela revela maturidade judicial ao impedir o uso indevido de recursos destinados às crianças; para outros, abre margem para litígios e fiscalizações excessivas entre ex-cônjuges.
De todo modo, o caso reforça que a pensão alimentícia não é um valor fixo e imutável: pode ser aumentada ou reduzida sempre que as circunstâncias mudam.
E, acima de tudo, deixa uma mensagem clara do próprio juiz no processo:
“A pensão não é um meio de acumular patrimônio, mas de assegurar condições dignas de sustento.”