1. Início
  2. / Economia
  3. / Perder o imóvel para um parente? Veja como um simples papel assinado e algumas cartas impediram a tomada da casa, em decisão marcante do STJ
Tempo de leitura 6 min de leitura Comentários 0 comentários

Perder o imóvel para um parente? Veja como um simples papel assinado e algumas cartas impediram a tomada da casa, em decisão marcante do STJ

Escrito por Alisson Ficher
Publicado em 12/09/2025 às 13:24
STJ decidiu que comodato válido impede usucapião de imóvel, mesmo após décadas de posse. Veja como proteger sua propriedade.
STJ decidiu que comodato válido impede usucapião de imóvel, mesmo após décadas de posse. Veja como proteger sua propriedade.
  • Reação
  • Reação
  • Reação
  • Reação
  • Reação
  • Reação
72 pessoas reagiram a isso.
Reagir ao artigo

Decisão do STJ mostrou como um contrato de comodato, aliado a notificações simples, foi suficiente para impedir a usucapião de um imóvel ocupado há décadas por familiares, tornando-se referência para proprietários em situações semelhantes.

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça manteve a improcedência de uma ação de usucapião proposta por herdeiros que ocupavam um imóvel havia quase quatro décadas.

No Recurso Especial 1.552.547/MS, os ministros entenderam que a permanência dos ocupantes decorria de comodato, inicialmente verbal e depois formalizado por escrito, e que notificações extrajudiciais do proprietário evidenciavam oposição contínua. Sem o elemento subjetivo do animus domini, a pretensão aquisitiva foi afastada.

O que é comodato e como afasta a usucapião

O comodato é o empréstimo gratuito de coisa não fungível, previsto nos arts. 579 a 585 do Código Civil.

Nessa relação, o comodatário detém posse direta e reconhece que a posse indireta permanece com o comodante, que pode exigir a devolução.

Essa origem precária torna a posse incompatível com a aquisição por usucapião, porque não há intenção de agir como dono.

Na linha da jurisprudência do STJ, quem ocupa um bem nessa condição sabe quem é o proprietário e, por isso, não preenche o requisito subjetivo imprescindível para a prescrição aquisitiva.

Ainda que o tempo de permanência seja longo, a natureza derivada da posse não se transmuta automaticamente em domínio.

O vínculo contratual, somado à manifestação periódica de oposição do titular, impede o requisito de posse mansa, pacífica e com ânimo de dono.

Caso emblemático julgado pelo STJ

A controvérsia teve início nos anos 1970, quando o dono cedeu o imóvel a empregados sob comodato verbal.

A situação se manteve até 2008, quando, após o falecimento dos comodatários originais, os herdeiros assinaram novo comodato escrito com prazo de dois anos.

Findo o período e sem a devolução voluntária, a família ajuizou usucapião extraordinária alegando cerca de 38 anos de posse continuada.

A sentença de primeiro grau rejeitou o pedido ao reconhecer a precariedade da ocupação.

O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul confirmou a decisão, destacando que o proprietário visitava o imóvel e havia notificado os ocupantes, reforçando a oposição.

Ao analisar o caso, o STJ desproveu o recurso especial dos herdeiros.

Para a Quarta Turma, “a posse originariamente adquirida em caráter precário assim permaneceu durante todo o seu exercício”, e as notificações extrajudiciais evidenciaram a resistência do dono, afastando a exigência de posse “mansa e pacífica”.

Jurisprudência consolidada sobre comodato e usucapião

A tese não ficou isolada.

Em julgados posteriores, o STJ reiterou que a existência e a renovação de comodato mantêm a posse em caráter precário, inviabilizando a usucapião.

Em 1º de dezembro de 2020, no REsp 1.448.587/DF, a Quarta Turma reafirmou que sucessivas prorrogações do contrato preservam a natureza da posse e não autorizam sua transmudação para domínio.

Em 21 de agosto de 2023, no AgInt no AREsp 1.657.468/SP, a Corte reforçou que despesas de conservação do bem recaem sobre o comodatário e que reconhecê-lo como proprietário em razão de gastos inerentes ao uso seria premiar a inadimplência contratual.

Embora o Tema 1.059 dos repetitivos trate de hipóteses envolvendo herdeiros e posse exclusiva sobre quota ideal, esses enunciados não relativizam a força do comodato como causa impeditiva do animus domini quando o contrato é válido e a oposição do proprietário é demonstrada.

Como proteger o imóvel com documentação adequada

A prevenção começa na forma.

Um comodato claro identifica comodante e comodatário, descreve o imóvel com precisão — matrícula, endereço e demais elementos de individualização —, define prazo ou condição de restituição e estipula responsabilidades sobre taxas, tributos e conservação.

Reconhecimento de firma não é requisito de validade, mas ajuda a demonstrar autenticidade e datação.

A formalização, por si só, costuma ser acompanhada de comunicação ativa do proprietário.

Cartas registradas ou notificações extrajudiciais periódicas reafirmam a tolerância e, se for o caso, convidam à desocupação ou à renovação expressa.

Esse registro documental não apenas comprova a continuidade do comodato como também evidencia a oposição, requisito suficiente para afastar a ideia de posse mansa e pacífica ao longo do tempo.

Há proprietários que optam por dar publicidade adicional à situação jurídica.

O contrato pode ser levado a registro em Títulos e Documentos para conservação e prova perante terceiros, e existem práticas cartorárias que ampliam a visibilidade da cessão.

Em qualquer cenário, quanto mais consistente e atualizada estiver a trilha documental, menor o espaço para controvérsia sobre a natureza da posse.

Perguntas comuns sobre o contrato de comodato

YouTube Video

Uma dúvida recorrente diz respeito ao pagamento de IPTU e de despesas ordinárias.

Em regra, o desembolso pelo ocupante não implica reconhecimento de domínio; trata-se de obrigação de quem utiliza o bem e se beneficia dele, especialmente quando o contrato prevê tal responsabilidade.

Também aparece a questão do aluguel: enquanto o comodato vigora, a gratuidade é elemento essencial do negócio.

A cobrança de contraprestação afasta a natureza do empréstimo e exige a rescisão do contrato e a constituição de outra relação jurídica, como locação.

Outro ponto sensível é o término do prazo sem renovação.

A partir do vencimento, a permanência torna-se irregular, porém ainda marcada pela precariedade originária.

Nesse quadro, a postura ativa do proprietário — com registros de oposição e medidas compatíveis — continua sendo suficiente para desconstituir a alegação de posse com ânimo de dono.

Por que o tema voltou ao debate jurídico

A discussão voltou ao centro do noticiário jurídico por fatores combinados.

Houve expansão dos pedidos de usucapião extrajudicial após a Lei 14.382/2022, que redesenhou procedimentos registrais e estimulou vias administrativas.

Além disso, muitas famílias conviveram com imóveis ociosos durante a pandemia, e a migração para o home office levou parentes a ocuparem casas de forma amistosa e informal.

Em paralelo, inventários extrajudiciais cresceram e revelaram situações em que um herdeiro permaneceu sozinho no bem sem acordo escrito, cenário que costuma alimentar litígios sobre a qualidade da posse.

Nesse contexto, decisões como a do REsp 1.552.547/MS funcionam como guia prático para prevenir disputas.

A mensagem central é objetiva: quando o ocupante está em comodato e o titular manifesta oposição de forma documentada, não se configura animus domini nem posse qualificada para usucapião.

Caminhos para proteger herdeiros e proprietários

A experiência dos tribunais indica um roteiro simples.

Sempre que houver tolerância na ocupação — inclusive entre pais e filhos —, a formalização por comodato reduz incertezas.

A cada mudança relevante, como morte de um ocupante ou troca de moradores, a atualização do instrumento preserva a continuidade do vínculo e registra novos responsáveis.

Em paralelo, comunicações periódicas, por escrito, mantêm viva a oposição e demonstram que a permanência não é indiferente ao proprietário.

Em inventários, a abertura e o andamento regular da partilha ajudam a evidenciar que o imóvel está submetido a um regime de administração comum, o que contraria a tese de posse exclusiva com ânimo de dono por um único herdeiro.

O acompanhamento das datas contratuais e a disciplina de arquivo das mensagens, recibos de notificação e eventuais respostas fecham o círculo de proteção.

No fim, a lógica é pragmática: a usucapião premia quem age como proprietário sem contestação.

O comodato, quando válido e bem documentado, materializa a contestação e preserva o direito do titular contra a perda do bem.

Banner quadrado em fundo preto com gradiente, destacando a frase “Acesse o CPG Click Petróleo e Gás com menos anúncios” em letras brancas e vermelhas. Abaixo, texto informativo: “App leve, notícias personalizadas, comentários, currículos e muito mais”. No rodapé, ícones da Google Play e App Store indicam a disponibilidade do aplicativo.
Inscreva-se
Notificar de
guest
0 Comentários
Mais recente
Mais antigos Mais votado
Feedbacks
Visualizar todos comentários
Alisson Ficher

Jornalista formado desde 2017 e atuante na área desde 2015, com seis anos de experiência em revista impressa, passagens por canais de TV aberta e mais de 12 mil publicações online. Especialista em política, empregos, economia, cursos, entre outros temas. Registro profissional: 0087134/SP. Se você tiver alguma dúvida, quiser reportar um erro ou sugerir uma pauta sobre os temas tratados no site, entre em contato pelo e-mail: alisson.hficher@outlook.com. Não aceitamos currículos!

Compartilhar em aplicativos
0
Adoraríamos sua opnião sobre esse assunto, comente!x