Projetado na Guerra Fria, o Pratt & Whitney J58, o motor do caça SR-71 Blackbird, era um sistema híbrido que se transformava em voo para permitir que a aeronave voasse a mais de 3.500 km/h.
No panteão das grandes máquinas, poucas são tão lendárias quanto o avião espião Lockheed SR-71 Blackbird. Mas o verdadeiro segredo de sua capacidade de voar mais rápido que um míssil não estava apenas em seu design furtivo, mas em sua alma: um par de motores Pratt & Whitney J58. Este não era um motor comum. O motor do caça SR-71 Blackbird era uma obra-prima de engenharia, um sistema de ciclo variável que se transformava em pleno voo para respirar o ar rarefeito das grandes altitudes e operar em um regime onde motores a jato convencionais falhariam.
Décadas após sua aposentadoria, em pleno 2025, a tecnologia pioneira do J58 continua sendo a base para o desenvolvimento de mísseis e aeronaves hipersônicas. Entender como ele funcionava é entender o prólogo da próxima era da aviação de alta velocidade.
A necessidade da Guerra Fria: Por que o Blackbird precisava de um motor revolucionário?
No final dos anos 1950, a principal ferramenta de espionagem dos EUA era o avião U-2, que voava extremamente alto para evitar as defesas inimigas. Essa invulnerabilidade acabou em 1º de maio de 1960, quando um U-2 foi abatido sobre a União Soviética. O incidente provou que apenas a altitude não era mais suficiente.
-
Homem deu R$ 550 ao ChatGPT e o deixou fazer investimentos por um mês
-
Cidade do interior de SP une clima frio, vistas a 1.600 m de altitude, cultura japonesa e astronomia em um só destino bem mair barato que Campos do Jordão
-
A estrada mais bonita do Brasil tem 550 km, liga SP ao RJ e revela praias desertas, vilarejos históricos e mirantes espetaculares ao longo do litoral
-
Brasil inaugura a maior fábrica de mosquitos modificados do mundo e pretende proteger até 70 milhões de pessoas
Era preciso uma nova filosofia: “invencibilidade através do desempenho”. O sucessor do U-2, o SR-71, teria que voar não apenas mais alto (acima de 85.000 pés), mas ordens de magnitude mais rápido. A doutrina era simples: se um míssil fosse disparado, a aeronave deveria simplesmente acelerar para fugir dele. Essa necessidade de desempenho extremo foi a força que deu origem ao revolucionário motor do caça SR-71 Blackbird.
O segredo do J58: Um turbojato que se transformava em “ramjet” para voar a Mach 3
O J58 é frequentemente descrito como um turbojato, mas ele era muito mais. Era um motor híbrido “turbo-ramjet” de ciclo variável. Em baixas velocidades, funcionava como um turbojato convencional. Mas, conforme acelerava, sua operação mudava completamente.
Acima de Mach 2 (duas vezes a velocidade do som), um sistema de seis tubos de desvio se abria, sangrando cerca de 20% do ar parcialmente comprimido e o injetando diretamente na seção do pós-combustor. Esse ar “mais frio” resfriava o motor, permitindo que o pós-combustor ficasse ligado continuamente, e fornecia oxigênio extra para uma queima mais potente. Com essa mudança, o motor se comportava como um ramjet, um tipo de motor que usa a própria velocidade para comprimir o ar. O resultado era uma mudança drástica na origem da força: acima de Mach 3, a entrada de ar era responsável por 54% de todo o empuxo, enquanto o núcleo do motor contribuía com apenas 17,6%.
O “cone mágico” e o pesadelo do “unstart”: Gerenciando o ar a velocidades extremas
Para o motor funcionar, a aeronave precisava primeiro domar o ar supersônico. A peça central para isso era o icônico cone móvel, ou “spike”, na frente de cada motor. Conforme o SR-71 acelerava, o cone se movia para trás, ajustando as ondas de choque para desacelerar o ar de Mach 3 para uma velocidade subsônica antes que ele atingisse o motor.
Essa era uma dança perigosa. Uma pequena falha ou mudança atmosférica poderia causar um “unstart”, uma expulsão violenta e instantânea da onda de choque, que fazia o motor perder todo o empuxo e gerava um arrasto imenso. Pilotos descreviam a sensação como “bater em uma parede”. Era o maior risco operacional do Blackbird, um evento tão violento que poderia levar à perda da aeronave.
Forjado em titânio e aceso com química: Os materiais e sistemas únicos do Blackbird
Para suportar o calor extremo do voo, que passava de 316°C na fuselagem, o SR-71 foi construído com 93% de titânio. Em uma das maiores ironias da Guerra Fria, o material para construir o avião espião mais avançado do mundo foi comprado secretamente pela CIA da União Soviética, o principal adversário que ele deveria vigiar.
O motor também exigia soluções únicas. O combustível especial, JP-7, era tão estável que não podia ser aceso por uma vela comum. A ignição era feita quimicamente, com uma injeção de Trietilborano (TEB), uma substância que explode em contato com o ar, gerando uma chama verde que então acendia o combustível principal.
Como o motor do caça SR-71 Blackbird inspira a tecnologia hipersônica
Embora seu último voo tenha ocorrido há décadas, o legado do J58 está mais vivo do que nunca. Ele é reconhecido como o primeiro motor de ciclo combinado (TBCC) bem-sucedido da história, e os desafios que seus engenheiros resolveram são os mesmos enfrentados hoje no desenvolvimento de mísseis e aeronaves hipersônicas.
Programas de ponta, como o conceitual SR-72 “Filho do Blackbird” da Lockheed Martin e o motor “Chimera” da startup Hermeus, são descendentes diretos da filosofia do J58. Eles buscam combinar um motor a turbina para baixas velocidades com um ramjet ou scramjet para o voo hipersônico. O J58 não apenas provou que era possível, mas deixou um manual detalhado de como alcançar o voo sustentado em velocidades extremas, um roteiro que continua a guiar a engenharia aeroespacial em 2025.