Projeto que tramita no Senado muda regras da sucessão e retira o cônjuge do rol de herdeiros necessários. Advogados alertam para risco de desproteção e reforçam importância do planejamento sucessório.
O Projeto de Lei 4/2025, que atualiza o Código Civil, avança no Senado com uma mudança central na sucessão legítima: o cônjuge ou companheiro deixa de ser herdeiro necessário e não mais concorre com descendentes ou ascendentes.
Pela proposta, o sobrevivente preserva a meação conforme o regime de bens, porém perde o direito automático à parcela obrigatória da herança quando houver filhos ou pais do falecido.
Nova ordem sucessória: quem herda primeiro
O texto reordena a distribuição do patrimônio quando não há testamento.
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Existindo descendentes, a herança se reparte entre eles; na ausência de filhos, os ascendentes são chamados.
Nessas hipóteses, o cônjuge sobrevivente não recebe quinhão hereditário, salvo se beneficiado em testamento ou por outro instrumento sucessório válido.
A prioridade, portanto, passa a ser de descendentes e, depois, de ascendentes.
Meação permanece; herança automática sai de cena
Nada muda quanto ao que já é comum ao casal.
Em comunhão parcial, o viúvo ou a viúva mantém 50% dos bens adquiridos onerosamente durante a união, mas não herda, de forma automática, os bens particulares do falecido, como imóveis obtidos antes do casamento ou recebidos por herança.
Em separação convencional de bens, quando não há patrimônio em copropriedade, a ausência de disposição de última vontade pode resultar em nenhum recebimento da herança.
Já na comunhão universal, a meação alcança todo o acervo comunicável; ainda assim, a partilha do restante seguirá a preferência de descendentes e, na falta destes, de ascendentes.
Fim da concorrência sucessória e papel do planejamento
A proposta encerra a concorrência sucessória do cônjuge com descendentes e ascendentes.
O sobrevivente passa à condição de herdeiro facultativo, chamado à herança apenas quando inexistirem descendentes e ascendentes ou quando houver previsão expressa em testamento, doação ou instrumento equivalente.
Esse desenho recoloca o planejamento sucessório no centro das decisões familiares, estimulando a adoção de pactos antenupciais, testamentos e outras soluções que assegurem proteção além da meação.
Famílias recompostas e assimetria de renda: onde mora o risco
Em uniões longas, famílias recompostas e casais com diferença significativa de renda, a supressão da proteção obrigatória pode ampliar a vulnerabilidade econômica do sobrevivente sem planejamento prévio.
Profissionais de família e sucessões destacam a necessidade de difundir a cultura do testamento, revisar pactos para prever cláusulas de proteção e utilizar instrumentos lícitos, como doações com reserva de usufruto e seguros de vida, para garantir a subsistência de quem permanecer.
Regimes de bens: efeitos práticos na partilha
A leitura dos regimes sob a ótica da proposta indica mudanças sensíveis no inventário.
Na comunhão parcial, preserva-se a divisão do acervo comum, enquanto os bens particulares deixam de alcançar o cônjuge por via legítima quando houver herdeiros prioritários.
Na separação convencional, o impacto é mais agudo por não existir meação, e a proteção do sobrevivente dependerá quase inteiramente de manifestação de última vontade.
Mesmo na comunhão universal, a meação não elimina a prevalência de descendentes e, na falta deles, de ascendentes, quanto ao que excede a metade do casal.
Cartórios e tribunais: novas rotinas de conferência
A alteração tende a exigir conferência minuciosa do regime de bens, da origem de cada ativo e da existência de disposições de última vontade em inventários judiciais e extrajudiciais.
Sem testamento, inventariantes deverão observar a nova ordem de chamamento, que exclui o cônjuge na presença de descendentes ou ascendentes.
Nas cortes, especialistas preveem disputas sobre a classificação de bens como comuns ou particulares, a validade de doações em vida, o alcance de cláusulas de incomunicabilidade e impugnações a testamentos que beneficiem o sobrevivente.
Mercado jurídico e financeiro: ajuste de produtos e serviços
Bancos e seguradoras devem recalibrar ofertas voltadas a sucessão e proteção de renda do cônjuge.
Tabelionatos e registros tendem a ser mais demandados por orientação sobre testamentos, doações e pactos.
Escritórios de advocacia já apontam aumento na procura por revisão de regimes antes do casamento, com previsões específicas de salvaguarda ao sobrevivente.
Em casais idosos, uniões tardias e situações em que o patrimônio está concentrado em uma titularidade, a recomendação de intervenção preventiva ganha caráter urgente.
Debate jurídico: argumentos e contrapontos
A justificativa dos proponentes retoma a visão de que a meação já protegeria o cônjuge, cabendo a herança aos herdeiros de sangue.
Críticos contestam, afirmando que a meação só cobre bens comunicáveis e que, em separação convencional, cada vez mais utilizada, o sobrevivente pode ficar sem rede mínima de proteção quando não houver acervo comum.
Outro ponto recorrente é a contribuição não patrimonial do cônjuge — cuidado com filhos, gestão do lar, apoio à carreira do parceiro — que pode não se traduzir em titularidade de bens, aumentando a vulnerabilidade na viuvez.
Tramitação no Senado e possíveis ajustes
A análise segue em comissão do Senado, com possibilidade de ajustes redacionais e salvaguardas durante o debate.
No centro da controvérsia está a retirada do cônjuge do rol de herdeiros necessários e o fim da concorrência sucessória com descendentes e ascendentes, eixo que divide entidades da sociedade civil, institutos jurídicos e ordens profissionais.
Enquanto defensores evocam a liberdade de testar aliada à preservação da meação, opositores apontam riscos sociais e aumento de litigiosidade se não houver mecanismos claros de proteção para casos de maior fragilidade.
Estratégias para casais: como garantir proteção
Sem alterar a essência do projeto, especialistas recomendam mapear bens comuns e particulares, formalizar testamentos quando a intenção for amparar o cônjuge sobrevivente, ajustar pactos antenupciais com cláusulas de salvaguarda e avaliar doações e seguros como camadas adicionais de segurança.
Em paralelo, a orientação é registrar de forma precisa o regime de bens e manter documentos organizados, reduzindo a margem de conflito na abertura da sucessão.
Se a proposta prosperar, qual deve ser o novo padrão de proteção ao cônjuge: reforço do planejamento em vida com instrumentos privados ou criação de salvaguardas legais mínimas para cenários de maior vulnerabilidade?