Donald Trump intensifica pressões contra o Brics com tarifas e declarações que miram Brasil e Índia, em meio a debates sobre o dólar e à expansão do bloco.
Integrantes do governo brasileiro e analistas ouvidos avaliam que o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, adotou uma ofensiva preventiva para fragmentar o Brics e conter debates sobre redução da dependência do dólar e outras iniciativas ventiladas por Luiz Inácio Lula da Silva e por líderes do grupo.
Segundo reportagem publicada por Eliane Oliveira no jornal O Globo nesta segunda-feira (25), essa leitura sustenta que a Casa Branca busca minar a coesão do bloco antes que propostas em discussão amadureçam.
A percepção em Brasília é que as medidas americanas funcionam como um alerta.
-
Aluguel barato e qualidade de vida: Veja as 5 cidades brasileiras onde o aluguel é barato e a qualidade de vida surpreende
-
5 carreiras remotas disparam e permitem que brasileiros ganhem um salário competitivo em dólar sem sair de casa
-
Já não sabe o que fazer: Trump ameaça tarifa de 200% contra a China em meio à guerra dos ímãs de terras raras
-
De aluguéis quase gratuitos e refeições a preço de centavos a fama mundial: como a cidade mais barata do planeta desafia gigantes globais em 2025
Embora as agendas defendidas pelo Brics avancem de forma gradual, a retórica de Washington alimenta a ideia, nos EUA, de um movimento contra-hegemônico em curso.
Nessa chave, a aplicação de tarifas contra países do grupo teria como alvo imediato o país que preside o Brics neste ano, o Brasil, e o que presidirá no próximo, a Índia, o que fragilizaria o alinhamento interno.
Tarifas e pressão seletiva
Pelo diagnóstico de interlocutores do governo, a Casa Branca usa tarifas como instrumento de pressão seletiva.
O Brasil foi atingido por uma tarifa de 50% sobre exportações e tenta negociar exceções.
A Índia, por sua vez, foi alvo de sobretaxas que, segundo autoridades indianas, decorrem de compras de petróleo da Rússia, país sancionado por Washington desde a guerra na Ucrânia.
Ainda nesse entendimento, a estratégia americana não se limitaria à pauta comercial.
A avaliação em parte do governo é que haveria um objetivo mais amplo de provocar instabilidade política, social e econômica em países-chave do bloco, explorando pontos de vulnerabilidade doméstica e divisões internas.
Disputa em torno do dólar
Enquanto Trump intensificou críticas ao Judiciário brasileiro, Lula tem defendido que os membros do Brics reduzam custos nas transações bilaterais ao ampliar o uso de moedas locais.
O presidente afirma que não pretende diminuir a importância do dólar, e sim tornar as operações mais baratas e eficientes ao evitar conversões onerosas.
De acordo com apuração do jornal O Globo, a menção a caminhos alternativos tende a incomodar Washington, segundo auxiliares.
Em resposta às sinalizações do Brics, Trump advertiu que não aceitará iniciativas que, na visão dele, ameacem a liderança do dólar — seja por sistemas de pagamentos em moedas locais, seja por ideias ainda remotas como uma moeda comum.
“Temos esse pequeno grupo chamado Brics, que está desaparecendo rapidamente. Mas o Brics queria tentar dominar o dólar. E eu disse: qualquer um que esteja no consórcio de nações do Brics, vamos tarifar vocês em 10%.”
Expansão recente do Brics
Até 2023, o Brics era composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.
O grupo passou por ampliação recente, com a entrada de novos países, inclusive aliados dos EUA no Golfo.
Apesar da expansão, o principal parceiro comercial do Brasil permanece sendo a China, que concentra parcela relevante das exportações e das compras brasileiras, mantendo um eixo central de interdependência econômica.
No eixo sino-russo, analistas observam um adensamento da cooperação financeira.
Estudos citados por especialistas mencionam que grande parte do comércio bilateral entre China e Rússia já é liquidado em moedas locais (yuan e rublo), sinalizando um processo de desacoplamento do dólar em operações específicas e uma busca de autonomia monetária.
Especialistas analisam a ofensiva de Trump
Para Marta Fernández, diretora do Brics Policy Center e professora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio, a discussão sobre moedas alternativas toca num ponto sensível para Trump: a possibilidade de desafio à hegemonia monetária americana.
“Mesmo que a moeda comum ainda seja um horizonte distante, a construção de alternativas concretas ao dólar é suficiente para acender o alerta em Washington. O que o Brics propõe não é substituir uma hegemonia por outra, mas criar um sistema em que diferentes moedas possam coexistir”, afirma.
Ela avalia que a lógica recente de Washington tende a operar de forma binária — “quem compra do meu inimigo é meu inimigo” — e recorre a tarifas secundárias aplicadas de modo seletivo.
O caso indiano, alvo de sobretaxas por adquirir petróleo russo, surge como exemplo, enquanto outros parceiros mantêm relações comerciais robustas com Moscou sem medidas proporcionais, o que reforça a leitura de seletividade.
Na visão de Rubens Duarte, professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército e coordenador do Labmundo, a administração Trump busca redesenhar a ordem internacional testando a lealdade de parceiros tradicionais e dificultando suas conexões com potências emergentes.
No Brics, a pressão recai sobretudo sobre Brasil, África do Sul e Índia, explorando divisões políticas internas, vínculos históricos e, no caso indiano, a rivalidade com a China.
“Esses países também são as três principais democracias do bloco. A postura de Trump em pressionar os países do Brics reflete o potencial que o bloco tem de redesenhar a política mundial, mas também garantir relações de alinhamento político com os países que fazem parte do grupo. Ao quebrar uma estrutura de poder, vai incomodar os EUA, mas não é uma pauta que tem como objetivo original ferir a superpotência”, diz.
Para Marcos Caramuru, ex-embaixador do Brasil na China, o apoio do Brasil e de outros membros do Brics a meios alternativos ao dólar não constitui uma medida anti-EUA por princípio, mas uma tentativa de baratear e agilizar trocas, ampliando margens de lucro e autonomia.
“O Brics não deveria assustar Trump. Não vi qualquer documento do Brics falar na substituição do dólar. Os documentos falam em sistemas de pagamento mais ágeis que sejam benéficos ao comércio e no uso de moedas locais para pagamento”, afirma.
Ele recorda declaração do chanceler indiano Subrahmanyam Jaishankar de que a existência do Brics expressa mudanças na ordem internacional, ainda que o bloco, por ora, tenha sido pouco ambicioso na ampliação de sua cooperação.
Reação do governo brasileiro
O governo brasileiro sustenta que os EUA, ao condicionarem negociações a pautas internas e ao sancionarem autoridades, extrapolam ao interferir em temas domésticos e desrespeitam a soberania nacional.
O Globo também apontou que Trump teria indicado que só trataria de um acordo com o Brasil caso o processo no Supremo Tribunal Federal envolvendo Jair Bolsonaro fosse arquivado, além de impor sanções a ministros e servidores.
A interpretação no Planalto é que a pressão combina sinalização política e instrumentos econômicos.
Enquanto isso, Lula reitera que o objetivo brasileiro é viabilizar pagamentos em moedas locais, reduzir custos de conversão e facilitar o comércio, sem romper com o dólar.
A estratégia busca autonomia operacional em áreas específicas, sem traçar uma agenda de confronto.
Mesmo assim, a reiteração do tema e o momento político ajudam a explicar a escalada retórica de Washington.
Em meio ao acirramento, permanece a dúvida sobre até que ponto tarifas e sanções conseguirão desalojar consensos mínimos no Brics ou reordenar prioridades de países que buscam diversificar parcerias sem romper alianças históricas.
A fragmentação que a Casa Branca tenta produzir será capaz de desarticular a agenda de pagamentos locais e cooperação econômica dentro do bloco?