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Nascido como um descarte do petróleo, ele deveria ter sido superado há décadas — mas ainda reina nas casas brasileiras: a história do insubstituível botijão de gás de cozinha

Escrito por Débora Araújo
Publicado em 27/06/2025 às 17:52
Nascido como um descarte do petróleo, ele deveria ter sido superado há décadas — mas ainda reina nas casas brasileiras: a história do insubstituível botijão de gás de cozinha
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Antes um subproduto descartável do petróleo, o botijão de gás se tornou essencial nas cozinhas brasileiras e símbolo de modernização doméstica. Descubra a origem e o impacto dessa invenção que ainda resiste à era tecnológica.

No imaginário brasileiro, o botijão de gás é tão comum quanto o fogão ou a geladeira. Mas poucos sabem que, por trás desse cilindro metálico aparentemente simples, há uma história de transformação tecnológica, social e econômica que mudou para sempre a vida doméstica no país — e que começa, curiosamente, com um resíduo considerado inútil na indústria do petróleo. Hoje, mesmo em plena era da eletrificação e das casas inteligentes, o botijão de gás continua presente em cerca de 90% dos lares brasileiros, resistindo à passagem do tempo e às mudanças de paradigma energético. Para entender essa permanência, é preciso voltar no tempo e acompanhar a trajetória do GLP (Gás Liquefeito de Petróleo) — da origem como subproduto indesejado até se tornar essencial para cozinhar, aquecer e até movimentar veículos.

De lixo da refinaria ao combustível do futuro doméstico – botijão de gás de cozinha

O GLP surgiu no início do século 20, quando refinarias começaram a perceber que, durante o processo de refino do petróleo bruto, parte do produto gerava gases altamente inflamáveis. Inicialmente, essas substâncias — que hoje conhecemos como propano e butano — eram descartadas ou queimadas em flares, já que não havia ainda tecnologia ou mercado para aproveitá-las.

A mudança começou nos Estados Unidos em 1910, quando o químico Walter O. Snelling descobriu que esse gás poderia ser comprimido e armazenado em estado líquido em cilindros metálicos. Isso permitia o transporte e uso seguro do GLP em locais sem acesso ao gás natural canalizado. Em 1912, Snelling vendeu sua patente por US$ 50 mil (uma fortuna na época), e logo a indústria percebeu o potencial de um combustível portátil, eficiente e mais limpo que o carvão.

Quando o botijão de gás de cozinha chegou ao Brasil

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No Brasil, o gás de cozinha chegou oficialmente em 1937, com as primeiras iniciativas da Esso Brasileira de Petróleo. Mas foi apenas na década de 1940 que o botijão começou a se difundir entre os brasileiros, sobretudo nas áreas urbanas. Até então, o país era majoritariamente rural, e o fogão a lenha reinava absoluto, mesmo nas cidades.

Os primeiros botijões eram grandes, pesados e com pouca padronização, mas foram rapidamente adotados pela classe média como símbolo de conforto e progresso. Em pouco tempo, o fogão a gás substituiu o fogão a lenha, trazendo uma revolução silenciosa para dentro das cozinhas: era possível cozinhar sem fumaça, sem sujeira, com rapidez e controle da chama.

Na zona rural, o botijão demorou mais a chegar, mas sua presença foi se expandindo conforme a infraestrutura rodoviária e os modelos de distribuição evoluíram. Hoje, até em locais remotos da Amazônia o GLP chega de barco ou helicóptero.

O design icônico e a padronização do cilindro

O formato que conhecemos hoje — o botijão P13 de 13 kg — foi padronizado para facilitar transporte, recarga e armazenamento. Esse modelo se tornou onipresente nas casas brasileiras e ainda é o mais usado, embora haja versões menores (P2, P5) e maiores (P20, P45) para usos comerciais.

O cilindro metálico é construído para suportar alta pressão e tem sistemas de segurança que previnem explosões em caso de superaquecimento. Ainda assim, o mito da explosão do botijão persiste — apesar de ser extremamente raro e quase sempre ligado a falhas humanas, como vazamentos mal cuidados.

GLP no Brasil: entre economia e política

O GLP é estratégico para o Brasil. Segundo dados da ANP (Agência Nacional do Petróleo), cerca de 28 milhões de botijões são envasados e distribuídos por mês no país, abastecendo tanto famílias quanto pequenos comércios.

Mas o preço do botijão de gás também é historicamente sensível — sendo usado como indicador do custo de vida e, muitas vezes, como termômetro político. Ao longo das décadas, o governo interveio diversas vezes nos preços, com políticas de subsídio, controle e até congelamento, como aconteceu durante o Plano Cruzado e mais recentemente com a criação do Vale Gás para famílias de baixa renda.

Além disso, o Brasil importa parte do GLP que consome, o que torna o setor vulnerável às oscilações cambiais e do mercado internacional.

Por que o botijão ainda resiste na era da eletricidade?

Em tempos de fornos elétricos, cooktops por indução e debates sobre transição energética, o botijão de gás ainda é o principal meio de cocção no Brasil. Isso ocorre por diversos motivos:

  • Custo-benefício: Apesar das variações, o GLP ainda é mais barato que cozinhar com eletricidade em regiões onde a tarifa energética é elevada.
  • Autonomia: Um botijão de 13 kg dura, em média, 30 dias em uso moderado — o que agrada especialmente a quem não quer depender da rede elétrica.
  • Infraestrutura: Em milhões de lares e comunidades, não há rede de gás canalizado, e nem todos têm acesso fácil a aparelhos elétricos modernos.
  • Cultura e tradição: O brasileiro está acostumado com o fogão a gás. A adaptação cultural à cocção por indução, por exemplo, ainda é baixa.

Inovações e o futuro do botijão

Mesmo um produto tão tradicional como o botijão não ficou imune à inovação. Hoje já existem:

  • Botijões de fibra compostas, mais leves e transparentes, que mostram o nível de gás;
  • Sistemas de monitoramento por aplicativo, que avisam quando está acabando;
  • Recarga inteligente e entrega por assinatura, em grandes centros urbanos.

Além disso, há estudos sobre a substituição progressiva do GLP por biogás, bioGLP ou gás de síntese renovável, o que poderia reduzir a pegada de carbono do uso doméstico sem mudar a estrutura já instalada nas casas.

Um símbolo de progresso e permanência

O que nasceu como resíduo inútil da indústria petrolífera, foi transformado em combustível doméstico universal por meio da engenharia, da necessidade e da inovação. O botijão de gás de cozinha é mais do que um item comum — é uma prova de como a tecnologia, quando acessível, pode moldar hábitos, transformar rotinas e resistir ao tempo.

Em um mundo onde tudo parece evoluir a cada semestre, o cilindro prateado continua ali: quieto no canto da cozinha, sustentando a comida no fogo, o cheiro do almoço e a vida que acontece em volta do fogão.

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Paulo
Paulo
28/06/2025 04:24

Esqueceram de mencionar a “moda botijão” cujas capas feitas com sacos plásticos de leite nos anos 70 e 80 (assim como as capas de liquidificador) deram um toque sofisticado para esse objeto tão presente nas cozinhas dos lares brasileiros.

Com o tempo as capas feitas com sacos de leite foram substituídas por capas compradas prontas. Os mais humildes compravam capas feitas de plástico enquanto os mais sofisticados compravam capas metálicas, verdadeiras armaduras dos botijões a gás.

Hoje, ter um botijão de gás na cozinha é coisa de pobre ou de classe média baixa, entretanto possuir esse utensílio doméstico é algo que demonstra claramente o abismo social da sociedade brasileira e a falência desse sistema, que poderia ser estudado por antropólogos.

Quem sabe daqui a mil anos o uso de fogo nas nossas cozinhas nos equipare aos neandertais, lembrando que os neandertais apesar de mais fortes fisicamente e com maior capacidade craniana do que os sapiens desapareceram da face da Terra.

Débora Araújo

Débora Araújo é redatora no Click Petróleo e Gás, com mais de dois anos de experiência em produção de conteúdo e mais de mil matérias publicadas sobre tecnologia, mercado de trabalho, geopolítica, indústria, construção, curiosidades e outros temas. Seu foco é produzir conteúdos acessíveis, bem apurados e de interesse coletivo. Para sugestões de pauta, correções ou contato direto: deborasthefanecruz@gmail.com

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