China lidera consumo mundial de vida selvagem, com pangolins, burros, ursos e tartarugas explorados pela Medicina Tradicional Chinesa em escala alarmante
Em 2024, a China ocupou o topo do ranking mundial como o maior consumidor de produtos de vida selvagem. Essa posição incluía tanto o mercado legal quanto o ilegal, com destaque para o uso massivo de partes de animais em diferentes segmentos.
O país se consolidou como destino de itens como marfim, escamas de pangolim, ossos de tigre, chifres de rinoceronte e até animais de estimação exóticos.
O volume é tão significativo que especialistas consideram a China o maior importador ilegal de animais vivos do planeta.
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Essa demanda crescente está diretamente relacionada ao peso da Medicina Tradicional Chinesa (MTC), que alimenta a busca por substâncias e partes de espécies ameaçadas.
Pangolins: os mamíferos mais caçados do planeta
Os pangolins são animais tímidos e noturnos, mas sua característica mais notável, as escamas, os transformou em alvo central do tráfico.
A MTC atribui a essas escamas diversas propriedades curativas, ainda que não exista comprovação científica de eficácia.
Apesar de figurarem no Apêndice I da Convenção CITES, que proíbe o comércio internacional da espécie, estima-se que mais de 100.000 pangolins sejam traficados anualmente para a China e o Vietnã.
As apreensões oficiais refletem apenas uma parte do problema. É provável que os números reais sejam ainda maiores, já que muitas operações ilegais permanecem fora do alcance das autoridades.
MTC: a crise dos burros e a expansão do ejiao
Outro exemplo crítico é a demanda chinesa por ejiao, uma gelatina extraída do couro de burro ou jumentos. O produto é amplamente utilizado na MTC e provocou um abate massivo da espécie em escala global.
Entre 2,3 milhões e 4,8 milhões de burros são mortos a cada ano para atender o mercado. O impacto é devastador, especialmente na África, onde populações inteiras de jumentos entraram em colapso.
A África do Sul perdeu cerca de 30% de seus burros entre 1996 e 2019. O Quênia registrou queda de 33% no mesmo período. Já Botsuana enfrentou a perda mais drástica: 70% em apenas uma década, de 2011 a 2021.
No Brasil, os números preocupam: a população de jumentos, segundo especialistas, já teria caído cerca de 94% nos últimos anos, deixando a espécie ameaçada de extinção no país.
Esses números revelam como a pressão da China alterou ecossistemas e economias locais em diferentes regiões do continente africano e do mundo.
Fazendas de ursos e a extração cruel da bile
O comércio de bile de urso é outro exemplo de prática que permanece ativa. Em 2013, estimativas apontavam que entre 9.000 e 20.000 ursos viviam em fazendas na China, destinados à extração da substância.
Esses animais são mantidos em condições desumanas. Muitas vezes ficam confinados em gaiolas do tamanho de caixões, passando fome e sofrimento.
A bile é retirada diretamente das vesículas biliares, causando dor contínua e estresse.
Apesar de críticas internacionais, o produto ainda é usado para supostos tratamentos, reforçando a ligação entre a MTC e o tráfico de espécies.
O mercado das tartarugas
As tartarugas-de-lago-chinesas também entram nessa lista. Criadas em larga escala, elas têm seus plastrões retirados para uso medicinal.
Embora não haja números absolutos confirmados, estima-se que mais de meio milhão de indivíduos sejam comercializados anualmente.
Atualmente, cerca de 2,8 milhões estariam em cativeiro em fazendas, movimentando um mercado paralelo de proporções gigantescas.
O ouro dos cálculos biliares de gado
Entre os produtos mais surpreendentes está o cálculo biliar de gado. Valorizado pela MTC para o tratamento de doenças como derrames, cada pedra pode atingir valores de até US$ 5.800 por onça, ultrapassando o preço do ouro.
Esse comércio, ainda que permitido em alguns países, cria condições ideais para o mercado negro prosperar.
Em muitos casos, um único cálculo biliar chega a valer mais que toda a carne retirada do animal.
Não surpreende que fazendeiros estejam estudando formas de induzir o desenvolvimento dessas pedras em rebanhos, visando lucros extraordinários.
A força econômica da medicina tradicional chinesa
O impacto financeiro da Medicina Tradicional Chinesa é enorme. Estima-se que esse mercado movimente US$ 60 bilhões todos os anos.
Mais de 40% do setor farmacêutico chinês depende da MTC, e uma parte expressiva utiliza insumos de origem animal.
Ao menos 70 espécies já aparecem listadas oficialmente na farmacopeia chinesa, mas pesquisas sugerem que o número real pode ultrapassar 200.
Na prática, isso significa que o uso de vida selvagem continua sendo um dos pilares de um mercado bilionário, altamente resistente a mudanças.
Tentativas de regulamentação e os limites da fiscalização
Em 2020, a China retirou as escamas de pangolim da lista oficial da MTC. A decisão foi celebrada como avanço, mas especialistas ressaltam que a medida não resultou em mudanças reais.
A fiscalização continua frágil e a demanda segue elevada. O resultado é a permanência do tráfico como elemento estrutural desse comércio.
A realidade é que, mesmo com leis e convenções internacionais, o poder do mercado e a cultura de consumo dificultam qualquer alteração significativa.
O comércio ilegal em números
Os dados disponíveis ajudam a dimensionar a gravidade. Os pangolins representam até 20% de toda a vida selvagem ilegalmente comercializada.
Estima-se que pelo menos 100.000 apreensões por ano estejam ligadas à busca por suas escamas. Isso reforça a centralidade do animal no mercado clandestino.
Além disso, o uso global da MTC é responsável por até 60% dos animais traficados. Esse dado mostra como a prática não afeta apenas a China, mas toda a rede internacional de comércio ilegal.
Consequências globais
Embora a China concentre a maior fatia da demanda, o problema não é exclusivo do país. Diversos outros mercados participam da cadeia de consumo e distribuição.
Esse caráter transnacional do comércio exige esforços conjuntos, cooperação internacional e aplicação rigorosa da lei em diferentes níveis.
Sem esse tipo de ação coordenada, a tendência é de que espécies como pangolins e tartarugas desapareçam em poucas décadas.
O papel das organizações e possíveis soluções
A Animal Survival International (ASI) tem defendido mudanças radicais na condução do problema. A entidade pede que a China fortaleça suas leis e proíba qualquer uso comercial de espécies ameaçadas.
Entre as medidas sugeridas estão:
- Penalidades mais duras para compradores e traficantes.
- Maior financiamento para alfândega, polícia florestal e segurança de fronteira.
- Fiscalização rigorosa em mercados, lojas e fazendas de MTC.
- Campanhas de conscientização para mudar o comportamento do consumidor.
- Modernização da MTC, substituindo produtos animais por alternativas vegetais ou sintéticas.
Essas ações poderiam reduzir a pressão sobre espécies ameaçadas, embora dependam de vontade política e aceitação cultural.
Uma corrida contra o tempo
O quadro atual mostra uma realidade dura: se nada for feito, o risco de extinção para várias espécies é iminente.
Os pangolins, burros africanos e algumas tartarugas já apresentam sinais de colapso populacional. O mesmo pode acontecer com outros animais se a demanda continuar no ritmo atual.
Portanto, o desafio é imenso. A pressão global sobre a China cresce, mas os resultados ainda são limitados.
O futuro da biodiversidade depende da capacidade de frear o comércio antes que seja tarde demais.
Com informações de Animal Survival.