O Artigo 1.841 do Código Civil estabelece cotas diferentes na herança entre irmãos, mas a reforma em debate no Congresso ignora um ponto crucial: o regime de bens.
A divisão da herança entre irmãos é um dos temas mais sensíveis do Direito Sucessório brasileiro, especialmente quando envolve meio-irmãos (unilaterais). O Artigo 1.841 do Código Civil de 2002, que reproduz uma regra do código de 1916, determina que o irmão unilateral herdará exatamente a metade do que herdar o irmão bilateral (filho do mesmo pai e mãe). Esta distinção, que afeta diretamente o planejamento patrimonial de milhões de famílias, está no centro de um intenso debate jurídico.
Embora a regra tenha uma justificativa histórica, análises técnicas, como as destacadas pelo portal Consultor Jurídico, apontam que ela pode gerar distorções severas dependendo do regime de bens do casamento. Agora, com a reforma do Código Civil em tramitação no Congresso, a proposta é abolir essa diferença. Contudo, especialistas alertam: a simples equiparação pode criar novas injustiças, em vez de solucionar a antiga.
A lógica histórica do artigo 1.841
O texto do Artigo 1.841 é direto: “concorrendo à herança irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar”. Na prática, se um irmão bilateral (ou germano) recebe uma cota de R$ 100 mil, o irmão unilateral recebe R$ 50 mil. Esta regra, como aponta o Consultor Jurídico, não é uma inovação de 2002, mas uma herança direta do Código Civil de 1916.
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A doutrina tradicional defende essa lógica com um argumento de proteção patrimonial da linha familiar. A ideia é que o irmão bilateral estaria em situação sucessória mais “vulnerável”, pois com o falecimento do ascendente comum, ele perde a expectativa de herança de ambos os lados daquele núcleo. Já o irmão unilateral, por definição, ainda possui um outro genitor (de outra relação), preservando uma expectativa sucessória futura por aquela outra linha. A lei, portanto, tentaria “compensar” a linha familiar considerada patrimonialmente mais restrita.
Por que o regime de bens invalida a regra?
A complexidade surge quando essa regra abstrata do Artigo 1.841 encontra a realidade dos regimes de casamento. A justificativa histórica parece fazer sentido em regimes de comunhão, mas, segundo especialistas, falha gravemente na separação total de bens. Em regimes como a comunhão parcial (o mais comum no Brasil) ou a comunhão universal, os bens são formados, em regra, pelo esforço conjunto do casal.
Conforme análise detalhada do Consultor Jurídico, imagine um patrimônio de R$ 1 milhão construído durante o casamento em comunhão parcial. Se o pai falece, R$ 500 mil já são da esposa por direito (a meação), não fazendo parte da herança. Os R$ 500 mil restantes é que compõem o inventário. Neste cenário, é defensável que o filho unilateral (que não é filho da esposa sobrevivente) receba menos, pois parte do patrimônio (os 500k da meação) reflete o esforço de alguém que não é seu ascendente.
O cenário oposto ocorre na separação total de bens. Se o pai faleceu e tinha R$ 1 milhão em patrimônio exclusivamente seu, não há meação para a esposa (embora ela possa ser herdeira, dependendo do caso). Todo o R$ 1 milhão é a herança.
Neste caso, não se vislumbra uma razão convincente para que o filho unilateral herde menos. O patrimônio não teve contribuição da madrasta ou padrasto. Aqui, a regra do Art. 1.841 parece violar diretamente o princípio da igualdade, tratando filhos de forma desigual sem uma justificativa patrimonial concreta.
A reforma do Código Civil: solução ou novo problema?
O debate sobre a herança de meio-irmãos ganhou força com a Constituição de 1988. O Artigo 227, §6º, veda expressamente “quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação“, equiparando filhos havidos dentro ou fora do casamento. Muitos juristas defendem que o Art. 1.841 não foi recepcionado pela Constituição, ou seja, seria inválido por tratar filhos de forma diferente.
Impulsionada por essa crítica, a comissão de juristas responsável pela reforma do Código Civil, atualmente em análise no Congresso, propõe a supressão total da diferença. A tendência legislativa é clara: equiparar todos os irmãos, tratando-os de forma idêntica na sucessão, alinhando-se à realidade social e à isonomia constitucional.
O problema, alertado por especialistas ouvidos pelo Consultor Jurídico, é que a simples abolição da regra (a “equiparação total”) também pode gerar injustiça, pois ignora completamente o regime de bens. Se a regra for simplesmente abolida, voltamos ao Exemplo 1 (Comunhão Parcial): o filho unilateral passaria a herdar uma cota igual sobre um patrimônio que, em parte, foi construído pelo esforço da madrasta (que não é sua mãe). A reforma, ao tentar resolver uma desigualdade, pode acabar criando outra.
Qual seria a solução técnica ideal?
A discussão técnica aponta que a legislação sobre herança não pode ser simplista, tratando todos os casos de forma igual. A melhor solução não seria nem a regra atual (diferença em todos os casos), nem a equiparação total (igualdade em todos os casos). O ideal seria vincular o direito sucessório ao regime de bens, pois é ele quem define como o patrimônio foi construído.
Uma redação técnica mais justa, como sugerido no debate jurídico, manteria a diferença de cotas do Art. 1.841 apenas para os casamentos em regime de comunhão parcial ou universal.
Contudo, determinaria a equiparação total (cotas iguais para todos os irmãos) nos casamentos sob separação total de bens, onde o patrimônio não se mistura. Essa abordagem híbrida respeitaria tanto a origem dos bens quanto o princípio da igualdade entre os filhos.
Enquanto o Congresso debate a reforma do Código Civil, a definição sobre a herança de irmãos unilaterais e bilaterais permanece um ponto crítico. A decisão legislativa impactará diretamente a forma como as famílias estruturam seu patrimônio e seus testamentos. A complexidade do tema, que envolve a Constituição e a própria noção de justiça familiar, exige análise cuidadosa.
Você concorda com a regra atual do Artigo 1.841? Acha que a reforma que iguala todos os irmãos resolve a questão ou a solução deveria depender do regime de bens? Deixe sua opinião nos comentários, queremos ouvir quem vive isso na prática ou conhece uma situação de herança assim.