Pesquisadores do NIST quebram recorde global com um relógio atômico de íons de alumínio, capaz de medir o tempo com precisão de 19 casas decimais. Entenda como essa tecnologia pode revolucionar a ciência.
A busca pela precisão máxima no tempo acaba de atingir um novo patamar. Cientistas do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia dos EUA (NIST) desenvolveram o relógio mais preciso do mundo, superando todas as versões anteriores — inclusive seus próprios recordes — com um avanço de 41% em precisão e 2,6 vezes mais estabilidade do que qualquer outro relógio iônico conhecido.
O segredo está em um único íon de alumínio aprisionado, cuidadosamente manipulado por lasers e sistemas de vácuo ultracontrolados. A nova máquina do tempo atômica consegue medir o tempo com precisão até a 19ª casa decimal, um feito tão minucioso que equivale a errar em apenas um segundo a cada 30 bilhões de anos — mais que o dobro da idade estimada do universo.
O que é um relógio atômico e por que ele é tão importante?
Relógios atômicos não têm ponteiros nem engrenagens. Eles medem o tempo contando as oscilações regulares de átomos — como o césio, tradicionalmente usado para definir o segundo. No entanto, os relógios atômicos ópticos, como o novo modelo com tecnologia de íons de alumínio, operam em frequências de luz muito mais altas, o que permite contar mais “tiques” por segundo, aumentando drasticamente a precisão.
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Esses instrumentos têm aplicações fundamentais em GPS, redes de telecomunicação, satélites meteorológicos, física fundamental, computação quântica e até mesmo medição da gravidade com altíssima precisão, ramo conhecido como geodésia relativística.
Por que o alumínio?
O íon de alumínio (Al⁺) é excepcionalmente estável e tique-taqueia com uma regularidade difícil de perturbar, mesmo em ambientes com variações de temperatura e campo magnético. Isso o torna mais preciso que o césio, mas há um problema: o alumínio é difícil de manipular com lasers.
A solução encontrada foi emparelhar o íon de alumínio com um íon de magnésio (Mg⁺) em uma técnica chamada espectroscopia de lógica quântica. O magnésio atua como um “intérprete” óptico, resfriando o alumínio e permitindo que seus estados sejam lidos indiretamente, sem perturbar sua estabilidade.
Engenharia extrema: da armadilha ao laser
Construir um relógio com tamanha precisão exigiu 20 anos de aprimoramentos contínuos. Entre os desafios, estava o micromovimento excessivo causado por imperfeições na armadilha que mantém os íons em posição. Pequenos desequilíbrios elétricos alteravam a frequência dos tiques. Para corrigi-los, os cientistas redesenharam a armadilha com pastilhas de diamante e eletrodos de ouro mais espessos, estabilizando o campo elétrico ao redor dos íons.
Outro obstáculo era o vácuo. Câmaras tradicionais de aço liberam pequenas quantidades de hidrogênio, que colidem com os íons e prejudicam a medição. O time trocou o material por titânio, o que reduziu a presença de gás residual em 150 vezes, permitindo que o relógio funcione por dias sem intervenção — antes, era necessário recarregar a armadilha a cada meia hora.
O laser mais estável do mundo entra em cena
Mesmo com o íon mais estável e a armadilha mais precisa, faltava ainda um laser de referência com ruído quântico mínimo. Para isso, o NIST recorreu a Jun Ye, do laboratório JILA (ligado ao NIST e à Universidade do Colorado), criador do anterior recordista mundial: o relógio de estrôncio óptico.
Por meio de fibras ópticas subterrâneas, a equipe conectou o laser ultraestável de Ye, a 3,6 km de distância, ao laboratório do relógio de alumínio. Um pente de frequência — uma espécie de régua óptica — permitiu transferir a estabilidade do laser de Ye para o novo relógio. Resultado: o tempo de medição para alcançar 19 casas decimais caiu de três semanas para apenas um dia e meio.
O que isso muda na prática?
Além de bater um recorde científico, o novo relógio atômico de íon de alumínio pode ter impactos profundos:
- Redefinição do segundo: o sistema internacional já discute atualizar a definição de segundo baseada em relógios ópticos mais precisos do que os de césio;
- Exploração da física fundamental: esse nível de precisão pode detectar variações nas constantes fundamentais da natureza, como a constante de estrutura fina, abrindo caminho para testar teorias além do Modelo Padrão da física;
- Geodésia relativística: o relógio pode sentir pequenas variações no campo gravitacional da Terra, permitindo mapear altitudes com precisão milimétrica — algo útil em monitoramento de mudanças climáticas, tectonismo e até exploração espacial;
- Tecnologia quântica: a lógica quântica utilizada pode ser adaptada para computadores quânticos e sensores de altíssima precisão.
O tempo como ferramenta de descoberta
“Estamos prontos para explorar novas arquiteturas de relógio — como entrelaçamento de múltiplos íons — que podem elevar ainda mais nossa capacidade de medição”, disse Willa Arthur-Dworschack, estudante de pós-graduação e coautora do estudo, publicado na Physical Review Letters.
Para além dos segundos e décimos, este relógio é uma janela para o invisível. Ao refinar a forma como medimos o tempo, os cientistas podem revelar sutilezas do universo que até agora escapavam à observação humana.