A Unigel, gigante do setor químico que já faturou mais de R$ 9,7 bilhões, enfrenta a maior crise de sua história. Endividada em R$ 3,8 bilhões, tenta evitar a recuperação judicial e salvar milhares de empregos.
Poucas empresas brasileiras representam tão bem a ascensão e a turbulência da indústria nacional quanto a Unigel. Fundada em 1966, a companhia cresceu com o impulso do polo petroquímico de Camaçari (BA), tornou-se uma das maiores produtoras de fertilizantes nitrogenados e resinas plásticas do país, e chegou a registrar faturamento anual superior a R$ 9,7 bilhões em seus melhores anos. Mas, em 2025, a mesma gigante que simbolizou o poder da química brasileira enfrenta o maior desafio de sua história: uma dívida de R$ 3,8 bilhões, pressões de mercado e uma luta diária para não entrar em colapso financeiro.
Da expansão ao colapso: o império que se desequilibrou
A trajetória recente da Unigel é marcada por ambição e turbulência. Em busca de expansão, a companhia investiu US$ 135 milhões na construção de uma nova fábrica de ácido sulfúrico na Bahia, ampliou sua presença em Sergipe e buscou diversificar produtos para atender ao agronegócio e à indústria química pesada. Porém, o cenário global mudou — e a empresa foi atingida em cheio.
A explosão dos custos de gás natural, principal insumo na produção de fertilizantes, combinada à concorrência de produtos importados mais baratos e à desvalorização do real, corroeu margens e drenou o caixa.
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Segundo informações da Reuters e da Bloomberg Línea, a Unigel enfrentou uma sequência de prejuízos operacionais que minaram sua capacidade de pagamento.
O endividamento, que já era alto, ultrapassou a marca dos R$ 3,8 bilhões, levando a companhia a buscar acordos emergenciais com credores.
A gravidade da situação fez com que a empresa recorresse à Justiça para obter liminares que suspendessem execuções e cobranças por até 180 dias, numa tentativa de ganhar fôlego e reestruturar seu passivo sem recorrer à recuperação judicial — um processo que, segundo fontes próximas à administração, ainda é tratado como “última alternativa”.
O peso de uma dívida bilionária
A dívida bilionária é o epicentro da crise. De acordo com o portal Terra, a Unigel tenta renegociar um acordo que congelaria a cobrança de credores até janeiro de 2026, permitindo a venda de ativos e a entrada de novos investidores.
Parte da dívida foi herdada de expansões anteriores; outra parte surgiu com o ciclo de altos juros, que elevou o custo das operações financeiras.
Para analistas, o caso da Unigel é emblemático de um problema mais amplo: a dependência da indústria química nacional de insumos dolarizados e a falta de uma política de gás natural competitiva. Sem um custo energético previsível, empresas do setor se tornam vulneráveis a choques externos e à volatilidade cambial. O resultado é um desequilíbrio estrutural que afeta tanto a rentabilidade quanto a capacidade de investimento.
A aposta no futuro — e a incerteza do presente
Apesar do momento crítico, a Unigel tenta mostrar resiliência. Em entrevista à Bloomberg Línea, executivos afirmaram que a empresa avalia captar até US$ 100 milhões no mercado para refinanciar dívidas e manter as operações.
A companhia também mantém em funcionamento as plantas de fertilizantes em Sergipe e Bahia, consideradas estratégicas para o agronegócio brasileiro, especialmente num contexto de dependência externa do NPK (nitrogênio, fósforo e potássio).
Os investimentos em energia limpa e hidrogênio verde, anunciados em 2023, também seguem no radar — embora em ritmo mais lento.
O projeto, orçado inicialmente em US$ 120 milhões, prevê a produção de hidrogênio e amônia verde para exportação, com base em fontes renováveis. Se sair do papel, poderá reposicionar a Unigel como uma das pioneiras latino-americanas no segmento. Mas, até lá, a prioridade é outra: sobreviver.
Crise de confiança e troca de comando
O clima dentro da empresa também reflete a pressão. Em meados de 2025, o então CEO deixou o cargo em meio à reestruturação, o que gerou incertezas sobre o futuro da companhia.
Segundo reportagem do portal A Santos Advogados, a saída do executivo coincidiu com a revisão de estratégias e com o avanço de negociações de um plano de recuperação extrajudicial, cujo objetivo é preservar empregos e evitar a judicialização em massa de dívidas.
Atualmente, a Unigel emprega milhares de trabalhadores diretos e indiretos, especialmente na Bahia e em Sergipe, e é um dos pilares do complexo químico nordestino.
Caso a empresa não consiga manter a operação, o impacto econômico pode atingir não apenas fornecedores e transportadores, mas também comunidades inteiras que dependem de sua atividade.
Reflexo de uma crise maior na indústria nacional
A situação da Unigel escancara um problema recorrente: a fragilidade da indústria de base no Brasil. Nos últimos 15 anos, o setor perdeu competitividade frente a países com energia mais barata, políticas industriais estáveis e acesso facilitado a crédito.
O custo Brasil, resultado da carga tributária complexa, burocracia e infraestrutura precária — continua sendo um obstáculo à retomada da produção local.
Para especialistas ouvidos pela Agência Brasil, o caso da Unigel deve servir de alerta para a necessidade de políticas estruturais voltadas à industrialização verde, à desoneração de insumos estratégicos e à retomada do papel das empresas nacionais no ciclo produtivo de alta complexidade.
A perda de grandes players, como a Unigel, representaria mais do que um revés empresarial — seria um golpe na capacidade do Brasil de competir globalmente.
O que está em jogo
A Unigel é mais do que uma empresa: é um símbolo de uma era em que o Brasil acreditava poder ser autossuficiente em química e energia. Seu destino, agora, está nas mãos de negociações com bancos e fundos internacionais.
Caso consiga aprovar o plano de reestruturação até o início de 2026, evitará a recuperação judicial e poderá reorganizar seu portfólio, concentrando esforços nos segmentos mais rentáveis.
Mas se as conversas fracassarem, a companhia pode seguir o mesmo caminho de outras gigantes brasileiras que ruíram sob o peso das dívidas — um lembrete amargo de que, no país das commodities, a indústria ainda luta para sobreviver.