Trabalhadora alvo de bullying no ambiente de trabalho recebeu “troféu de lerdeza” e será indenizada por danos morais após decisão da Justiça do Trabalho em Minas Gerais. Caso envolve TDAH, assédio moral e doença ocupacional.
Uma trabalhadora com TDAH que recebeu de colegas um “troféu de lerdeza” em ação interna da empresa será indenizada por danos morais de R$ 20 mil.
A 5ª turma do TRT da 3ª região manteve o reconhecimento de assédio moral apontado na 1ª instância, confirmou que o ambiente de trabalho agravou o quadro de ansiedade e depressão da empregada e fixou o valor da reparação em patamar inferior ao arbitrado inicialmente.
Decisão e valor da indenização
O colegiado acompanhou os fundamentos essenciais da sentença que havia reconhecido o assédio, mas ajustou o montante.
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Na fase inicial, o juízo trabalhista havia fixado R$ 50 mil por dano moral e determinado a rescisão indireta do contrato.
Em grau de recurso, o relator, desembargador Maurício Ribeiro Pires, reafirmou a ocorrência de bullying e a responsabilidade da empresa pela omissão no dever de zelar por um ambiente saudável, reduzindo a indenização para R$ 20 mil.
Segundo o magistrado, a compensação deve observar critério de moderação, “de modo que não seja tão grande que se constitua em fonte de enriquecimento sem causa, tampouco insignificante a ponto de não atender ao seu caráter punitivo”.
Bullying no trabalho e condutas reiteradas
Ao longo do vínculo, a empregada foi alvo de chacotas persistentes.
Consta nos autos que ela era chamada de “lerda” e acusada de “fazer de sonsa para sobreviver”.
Essas práticas, descritas por testemunhas e amparadas por prova documental, culminaram na cerimônia interna em que a trabalhadora recebeu o chamado “troféu de lerdeza”.
O tribunal enquadrou esse histórico como conduta de assédio moral, por violar a dignidade da pessoa e expor a vítima a constrangimento perante a equipe.
Laudo pericial e nexo com a saúde mental
A perícia judicial concluiu que o ambiente laboral funcionou como fator de agravamento das crises de ansiedade e depressão.
Embora a empregada já convivesse com o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade, o laudo apontou nexo concausal entre as manifestações psiquiátricas e as situações vividas no setor.
Essa conclusão foi determinante para o reconhecimento de doença ocupacional, ponto chancelado pelo relator ao analisar o recurso patronal.
Estabilidade acidentária e efeitos jurídicos
Com a caracterização da doença ocupacional, a trabalhadora passou a se enquadrar na estabilidade acidentária prevista no artigo 118 da Lei 8.213/91.
A partir desse enquadramento, o TRT-3 determinou o pagamento de salários e verbas rescisórias referentes ao período estabilitário.
Além disso, ordenou a retificação da CTPS, assegurando que os registros reflitam corretamente a situação do contrato de trabalho, conforme os efeitos da estabilidade reconhecida.
Papel da empresa e dever de prevenir
A decisão enfatiza a omissão empresarial.
Segundo o acórdão, a empregadora deixou de adotar medidas eficazes para coibir a prática de intimidações e brincadeiras depreciativas dirigidas à empregada.
Em contextos organizacionais, a jurisprudência trabalhista atribui ao empregador o dever de prevenir e reprimir comportamentos que atentem contra a honra, a imagem e a saúde de seus empregados.
No caso, a tolerância com um “concurso interno” que culminou na premiação de um “troféu de lerdeza” foi considerada incompatível com esse dever de proteção.
Ajuste do quantum indenizatório
Ao reavaliar o valor do dano moral, o relator seguiu os critérios legalmente reconhecidos: gravidade do dano, capacidade econômica das partes, caráter punitivo-pedagógico e razoabilidade.
A redução de R$ 50 mil para R$ 20 mil foi justificada para evitar tanto o enriquecimento sem causa quanto a insuficiência reparatória.
A turma acompanhou esse entendimento, formando maioria pela adequação do montante, sem afastar a conclusão sobre o assédio e seus impactos na saúde da trabalhadora.
Assédio moral: prática, prova e consequência
O processo reuniu depoimentos e documentos que corroboraram a narrativa da autora.
Entre eles, referências explícitas à pecha de “lerda” e à acusação de “fingimento”, além do episódio do troféu.
A confirmação por testemunha e por prova escrita conferiu robustez à convicção judicial.
A prática de rotular empregados, ainda que sob o rótulo de “brincadeira”, foi tratada como elemento suficiente para caracterizar bullying organizacional, por atingir a honra subjetiva e criar ambiente hostil.
Reconhecimento da doença ocupacional
O acórdão reforça a ideia de que, em saúde do trabalhador, não se exige que o trabalho seja a única causa do adoecimento para fins de responsabilização.
Basta a identificação de nexo concausal para que surjam os deveres correlatos, entre eles a estabilidade e a indenização por danos morais.
No caso, a análise técnica convergiu com os relatos de assédio, permitindo reconhecer que o contexto laboral atuou como gatilho para a piora do quadro ansioso-depressivo.
Determinações finais do tribunal
Além da indenização por danos morais, a 5ª turma determinou a quitação de salários e verbas rescisórias pertinentes ao período estabilitário, o que inclui as repercussões legais usuais.
A retificação da CTPS foi ordenada para refletir esse período e ajustar o histórico funcional da trabalhadora.
Essas providências buscam recompor, tanto quanto possível, os efeitos concretos do adoecimento ligado ao trabalho.
Relevância do caso para o ambiente corporativo
Episódios como o descrito no processo evidenciam a necessidade de políticas internas claras, canais de denúncia efetivos e treinamento de lideranças para identificar e interromper comportamentos abusivos.
A jurisprudência trabalhista tem reiterado que rituais internos que expõem empregados ao ridículo ou que reforcem estigmas, especialmente envolvendo condições de saúde como o TDAH, configuram violação de direitos da personalidade e sujeitam a empresa a responsabilização civil.
Ao mesmo tempo, a calibragem do valor indenizatório procura orientar o mercado sobre a medida da reparação em situações semelhantes.
Como sua empresa lida com “brincadeiras” entre equipes para que não ultrapassem a linha do respeito e não se transformem em assédio?