Tribunal de Justiça de Mato Grosso declarou inconstitucional lei municipal que incluía fibromialgia entre doenças para aposentadoria integral, apontando vício formal e usurpação de competência legislativa.
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) declarou, no último dia 11, a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.690/2025, de Pontes e Lacerda (483 km de Cuiabá), que havia incluído a fibromialgia no rol de doenças que asseguram aposentadoria integral a servidores municipais. A decisão repercute em todo o Estado, reacendendo o debate sobre a proteção previdenciária de servidores com doenças incapacitantes e os limites constitucionais de competência legislativa.
Entenda o caso: veto derrubado e ação de inconstitucionalidade
A lei municipal foi proposta por um vereador e aprovada pela Câmara de Pontes e Lacerda. Após veto integral do prefeito Jakson Bassi (PL), o Legislativo derrubou a decisão e promulgou a norma. Inconformado, o Executivo ingressou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), alegando vício formal de iniciativa.
De acordo com a Constituição Estadual e a Lei Orgânica do município, apenas o chefe do Executivo pode propor leis que tratem de servidores, regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria. Assim, para o prefeito, a inclusão da fibromialgia no rol de doenças que garantem aposentadoria integral configurava usurpação de competência.
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A Procuradoria de Justiça emitiu parecer favorável ao pedido, ressaltando que o vício formal não admite convalidação, ainda que a norma buscasse proteger servidores com enfermidades graves.
Decisão do TJMT: vício formal e impactos financeiros
O relator, desembargador Orlando de Almeida Perri, destacou em seu voto que a lei padecia de vício formal insanável:
“Ao se constatar a existência de vício formal, a atuação jurisdicional é vinculada, impondo-se a declaração de inconstitucionalidade. A nulidade daí resultante retroage à data da publicação da norma, retirando-a do ordenamento jurídico com eficácia ex tunc.”
Segundo ele, ainda que o objetivo fosse legítimo, a Câmara Municipal não poderia legislar sobre aposentadoria de servidores, já que essa prerrogativa é exclusiva do Executivo. Além do problema formal, a norma poderia gerar impactos financeiros irregulares no regime próprio de previdência municipal, sem os estudos de viabilidade exigidos.
Câmara Municipal defendeu direitos sociais
Em sua defesa, a Câmara argumentou que a lei buscava assegurar direitos sociais a servidores acometidos por doença incapacitante. Contudo, o TJMT reforçou que a iniciativa do Legislativo não poderia suplantar os limites constitucionais. Para o relator, a proteção de trabalhadores deve respeitar a separação dos Poderes, sob pena de criar instabilidade jurídica e financeira.
Fibromialgia: a doença que motivou a lei
A fibromialgia é uma condição crônica marcada por dor generalizada, fadiga intensa e sono não reparador. Ela resulta de alterações na forma como o cérebro processa estímulos de dor, e não de uma lesão física específica. Entre os sintomas mais comuns estão:
- Dor difusa em regiões como costas, braços, pernas e quadris;
- Fadiga persistente, que não melhora com descanso;
- Transtornos do sono, como insônia e sensação de cansaço ao acordar;
- Dificuldades cognitivas (“névoa mental”), com lapsos de memória e concentração;
- Sintomas associados, como cefaleia, alterações intestinais, formigamento, ansiedade e depressão.
Apesar de não ser considerada degenerativa, a fibromialgia pode comprometer a capacidade laboral, tornando desafiador o trabalho de servidores em funções que exigem esforço físico ou atenção constante.
O que muda na prática para os servidores
Com a decisão do TJMT, a fibromialgia deixa de figurar entre as doenças que asseguram aposentadoria integral automática em Pontes e Lacerda. Isso significa que servidores acometidos precisarão passar por perícias médicas e seguir a legislação previdenciária geral para pleitear benefícios, sem a garantia de integralidade prevista na lei anulada.
A decisão ainda tem efeito ex tunc, ou seja, retroage à data de publicação da norma, anulando todos os efeitos jurídicos desde então.
Debate nacional: direitos versus limites constitucionais
O caso ilustra a tensão recorrente no Brasil entre a expansão de direitos sociais e o respeito às regras de competência legislativa. Por um lado, há o apelo social em proteger trabalhadores que sofrem com enfermidades incapacitantes, como a fibromialgia. Por outro, há a necessidade de manter a segurança jurídica, o equilíbrio financeiro dos regimes previdenciários e a separação entre os Poderes.
Especialistas defendem que qualquer mudança nas regras de aposentadoria de servidores deve ser conduzida pelo Executivo municipal ou estadual, com estudos técnicos de impacto financeiro, e não pelo Legislativo, sob pena de nulidade.
A decisão do TJMT ao derrubar a lei de Pontes e Lacerda reforça a importância de respeitar os limites constitucionais, ainda que a intenção seja nobre. Para servidores com fibromialgia, o julgamento significa que não haverá aposentadoria integral automática, restando buscar proteção nos mecanismos gerais de aposentadoria por invalidez, mediante comprovação pericial.
O debate, no entanto, está longe de terminar. A discussão sobre a inclusão ou não da fibromialgia como doença que dá direito à aposentadoria integral deve continuar em instâncias políticas, jurídicas e sociais, refletindo a difícil tarefa de conciliar justiça social, sustentabilidade previdenciária e separação dos Poderes.