Isolada a 35 km da costa, a Ilha da Queimada Grande รฉ o lar de 4.000 jararacas-ilhoas; seu veneno letal inspira pesquisas contra o cรขncer e outras doenรงas, segundo o Instituto Butantan.
A apenas 35 quilรดmetros da costa paulista, uma pequena ilha em SP detรฉm uma reputaรงรฃo global que mistura medo e fascรญnio. Conhecida mundialmente como Ilha da Queimada Grande, ou simplesmente “Ilha das Cobras”, seu acesso รฉ proibido pela Marinha do Brasil. O motivo รฉ a densidade populacional de serpentes, uma das maiores do planeta, onde vive a jararaca-ilhoa (Bothrops insularis), uma espรฉcie endรชmica com um veneno de aรงรฃo devastadoramente rรกpida.
Contudo, o que torna este lugar um paradoxo cientรญfico รฉ que a mesma peรงonha, capaz de levar um ser humano ร morte em poucas horas, contรฉm um tesouro bioquรญmico. Conforme lidera o Instituto Butantan, principal autoridade no estudo da ilha, as molรฉculas deste veneno sรฃo uma fronteira de esperanรงa para a medicina moderna. A pesquisa, que jรก transformou o veneno de uma prima continental em um dos medicamentos mais importantes do sรฉculo XX, agora investiga o potencial da jararaca-ilhoa para tratamentos contra o cรขncer.
Um laboratรณrio natural: por que a ilha รฉ tรฃo perigosa?

Para entender a biologia รบnica da Ilha da Queimada Grande, รฉ preciso voltar 11.000 anos no tempo. Com o fim da รบltima Era Glacial, o derretimento do gelo elevou o nรญvel do mar, isolando o que antes era um morro costeiro e transformando-o em uma ilha de 43 hectares. Conforme descrito em uma reportagem da revista Crusoรฉ de maio de 2025 sobre o ecossistema local, sua geografia de penhascos rochosos, sem praias, dificultou o acesso humano e criou uma fortaleza natural, aprisionando uma populaรงรฃo de jararacas que, a partir dali, seguiria um caminho evolutivo completamente diferente.
-
A caverna descoberta a 300 metros de profundidade no Mรฉxico que abriga os maiores cristais do mundo, com atรฉ 12 metros de comprimento, em um calor de 58ยฐC
-
O que aconteceu com o terreno de Silvio Santos โ 11 mil mยฒ no centro de Sรฃo Paulo e alvo de impasses judiciais
-
Essas 10 cidades do interior de Pernambuco estรฃo bombando com empregos, turismo e um estilo de vida tranquilo que muita gente da capital sonha
-
A cidade subterrรขnea de 18 andares descoberta na Turquia, capaz de abrigar 20.000 pessoas e seu gado para escapar de invasores hรก milhares de anos
Isoladas, sem predadores naturais e com uma fonte de alimento restrita, as aves migratรณrias, as serpentes prosperaram. Estimativas do Instituto Butantan apontam para uma populaรงรฃo entre 2.000 e 4.000 indivรญduos, o que resulta em uma das maiores concentraรงรตes de cobras do mundo. Em algumas รกreas, a densidade pode chegar a uma serpente por metro quadrado. ร essa onipresenรงa do perigo que justifica o controle rigoroso de acesso, limitado a pesquisadores autorizados e militares, transformando a ilha em um laboratรณrio vivo, mas extremamente perigoso.
A jararaca-ilhoa: evoluรงรฃo de uma predadora รบnica
A serpente no centro deste ecossistema รฉ a Bothrops insularis, uma espรฉcie que nรฃo existe em nenhum outro lugar do planeta. Ela evoluiu a partir da jararaca-comum (Bothrops jararaca), mas as condiรงรตes da ilha a forรงaram a se adaptar de maneira radical. Sem os roedores que formam a base da dieta de suas parentes no continente, a jararaca-ilhoa teve que se especializar na caรงa de aves, presas muito mais รกgeis e que nรฃo poderiam escapar apรณs a picada.
Essa pressรฃo seletiva moldou seu corpo e comportamento. A jararaca-ilhoa se tornou menor, mais leve e com uma cauda com capacidade preรชnsil, usada para se firmar nos galhos das รกrvores. Seu comportamento, antes noturno e terrestre, tornou-se tambรฉm diurno e semi-arborรญcola para coincidir com a atividade das aves. Essa especializaรงรฃo, detalhada por pesquisadores do Butantan, รฉ a chave para entender a potรชncia de seu veneno, uma arma biolรณgica desenvolvida para garantir que a presa seja abatida quase instantaneamente.
Do perigo ร esperanรงa: o potencial do veneno
A peรงonha da jararaca-ilhoa รฉ considerada atรฉ cinco vezes mais potente que a de sua prima continental. Sua composiรงรฃo รฉ um coquetel complexo de toxinas que causam hemorragia, paralisia e falรชncia de รณrgรฃos em tempo recorde. No entanto, sรฃo justamente as molรฉculas responsรกveis por essa aรงรฃo biolรณgica agressiva que despertam o interesse da ciรชncia. Existe um precedente histรณrico poderoso que justifica esse otimismo, como relembra uma matรฉria do portal Brasil de Fato de junho de 2025 sobre o desenvolvimento de fรกrmacos a partir de venenos.
Na dรฉcada de 1960, pesquisadores brasileiros isolaram do veneno da jararaca-comum os peptรญdeos que deram origem ao Captopril, o primeiro de uma classe de medicamentos que revolucionou o tratamento da hipertensรฃo e salvou milhรตes de vidas. Inspirado por esse sucesso, o Instituto Butantan agora investiga a peรงonha da jararaca-ilhoa e jรก descobriu que uma de suas molรฉculas possui um notรกvel potencial antitumoral, capaz de inibir a progressรฃo de cรฉlulas de cรขncer em estudos laboratoriais. Essa descoberta coloca a preservaรงรฃo desta pequena ilha em SP como um imperativo para o futuro da oncologia.
Ameaรงas de biopirataria e o risco de extinรงรฃo
Apesar de sua reputaรงรฃo de fortaleza, o ecossistema da Ilha da Queimada Grande รฉ extremamente frรกgil. A jararaca-ilhoa estรก classificada como “Criticamente em Perigo” (CR) na lista global de espรฉcies ameaรงadas. O fato de toda a sua populaรงรฃo mundial estar confinada a um รบnico e minรบsculo local a torna vulnerรกvel a um รบnico evento catastrรณfico, como um incรชndio ou a introduรงรฃo de uma doenรงa, que poderia levar ร sua extinรงรฃo completa.
O perigo, no entanto, nรฃo vem apenas da natureza. A fama da serpente e o valor cientรญfico de seu veneno a transformaram em um alvo valioso para a biopirataria. Traficantes de animais desembarcam clandestinamente na ilha para capturar espรฉcimes, que sรฃo vendidos por valores altรญssimos no mercado ilegal para colecionadores ou laboratรณrios nรฃo autorizados. Essa atividade criminosa nรฃo apenas dizima a populaรงรฃo, mas tambรฉm representa a perda de um patrimรดnio genรฉtico que pode conter a chave para curas ainda nรฃo descobertas.
Por que proteger o perigo?
A Ilha da Queimada Grande รฉ a personificaรงรฃo de um paradoxo: um dos lugares mais perigosos do mundo รฉ, ao mesmo tempo, uma das maiores promessas para a saรบde humana. A histรณria do Captopril jรก provou que o veneno de uma serpente brasileira pode mudar a medicina global. Agora, os estudos do Instituto Butantan com a jararaca-ilhoa abrem uma nova fronteira, especialmente na luta contra o cรขncer. Proteger esta pequena ilha em SP e sua moradora letal transcende a conservaรงรฃo ambiental; รฉ um investimento estratรฉgico no futuro. Preservar este perigo รฉ garantir que a ciรชncia tenha tempo para decifrar os segredos que ele guarda.
A descoberta de medicamentos em venenos letais justifica os riscos e os custos da pesquisa? Acredita que a proteรงรฃo de ecossistemas perigosos como este รฉ uma prioridade para o futuro da saรบde? Deixe sua opiniรฃo nos comentรกrios, queremos entender como vocรช enxerga esse dilema.



-
-
-
-
-
-
27 pessoas reagiram a isso.