Decisão do Superior Tribunal de Justiça redefine como dívidas assumidas durante o casamento em comunhão parcial podem atingir ambos os cônjuges, mesmo sem assinatura conjunta, e muda o entendimento sobre responsabilidade patrimonial de casais.
A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que dívidas assumidas durante o casamento no regime de comunhão parcial de bens podem ser cobradas de qualquer um dos cônjuges, ainda que apenas um tenha participado do negócio.
Com esse entendimento, o colegiado autorizou a inclusão da esposa de um devedor no polo passivo da execução de um título extrajudicial, apesar de ela não ter assinado os cheques que originaram a cobrança.
O caso envolve débitos decorrentes de cheques emitidos pelo marido em 2021.
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Como as tentativas de localizar bens em nome dele fracassaram, o credor pediu a inclusão da mulher na execução.
O casal é casado desde 2010 sob o regime de comunhão parcial.
A Justiça de primeira instância e o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) haviam rejeitado a medida por entender que não era possível estender a responsabilidade patrimonial ao cônjuge que não contraiu a dívida.
No STJ, porém, prevaleceu a leitura de que as obrigações assumidas durante a vida em comum e vinculadas à economia doméstica recaem solidariamente sobre ambos.
A relatora, ministra Nancy Andrighi, deu provimento ao recurso do credor, permitindo a inclusão da esposa no processo executivo.
Base legal: o que dizem os artigos do Código Civil
Segundo a decisão, os artigos 1.643 e 1.644 do Código Civil estabelecem que as despesas realizadas em benefício da economia do lar envolvem responsabilidade solidária dos cônjuges.
Em outras palavras, o crédito pode ser perseguido contra qualquer um deles, independentemente de quem formalizou o negócio.
A relatora destacou que essas regras trazem presunção de consentimento recíproco para atos praticados em prol da entidade familiar.
Assim, se o débito foi contraído durante a união e se vincula à manutenção da família, ambos respondem.
O que muda na prática para casais em comunhão parcial

Com o novo entendimento, credores ganham respaldo para incluir o cônjuge do devedor diretamente no polo passivo de execuções que tratem de obrigações geradas no curso do casamento e ligadas à vida doméstica, mesmo sem assinatura conjunta.
Na prática, a cobrança pode alcançar bens do casal ou do outro cônjuge, respeitadas as regras processuais e eventuais restrições que o juízo venha a fixar.
Isso não significa, entretanto, responsabilidade automática e irrestrita.
A decisão ressalta que cabe ao cônjuge não signatário demonstrar que a dívida não beneficiou a família ou apontar motivo específico que impeça a constrição de seus bens.
O ônus da prova, portanto, recai sobre quem pretende se eximir da execução.
Argumentos do credor e reviravolta em relação às instâncias locais
O credor sustentou que, em comunhão parcial, tudo o que for contraído para a economia doméstica vincula ambos os cônjuges.
A 3ª Turma acolheu essa tese e deu provimento ao recurso especial, reformando as decisões anteriores.
Antes, as instâncias ordinárias haviam entendido que a esposa não poderia responder porque não participou do negócio jurídico que gerou os cheques.
Ao reverter esse entendimento, o STJ consolidou que a divisão de responsabilidades no casamento, para fins de execução, não depende exclusivamente de assinatura ou participação formal no título, desde que se trate de despesa enquadrada como de interesse da entidade familiar.
O que disse a relatora
Em seu voto, Nancy Andrighi apontou que a legislação civil prevê a solidariedade quando se trata de dívidas relacionadas à economia doméstica.
Segundo a ministra, a norma estabelece uma presunção que dispensa a prova de consentimento específico, permitindo a cobrança de qualquer um dos cônjuges.
Ela acrescentou que, se houver discordância quanto à natureza da despesa, caberá ao cônjuge contestar a execução demonstrando a ausência de benefício familiar.
A ministra registrou, em síntese, que “o cônjuge que não participou do negócio jurídico celebrado pelo outro é legitimado a figurar no polo passivo da execução ajuizada pelo credor”, podendo, ao final, ser excluído da responsabilidade se comprovar que o débito não reverteu em favor da família.
Trata-se de ônus probatório do cônjuge que busca afastar a presunção legal.
Limites e próximos passos processuais
O voto não enfrentou, de forma detalhada, a adoção de medidas constritivas específicas contra a esposa do devedor.
Essa definição ficará a cargo do juízo da execução, que avaliará a natureza dos bens, a meação, a origem do patrimônio e eventual comunicação ou não com a dívida discutida.
A decisão, portanto, viabiliza a inclusão no polo passivo, mas a extensão concreta da responsabilidade patrimonial dependerá de exame caso a caso.
Ainda que o regime de comunhão parcial comunique, em regra, patrimônios adquiridos onerosamente na constância do casamento, a constrição judicial deve observar as regras protetivas da meação e a necessidade de vinculação do débito à economia doméstica.
Em situações nas quais a despesa se revele exclusivamente pessoal, sem proveito ao núcleo familiar, é possível afastar a responsabilização do outro cônjuge mediante prova idônea.
Impacto para credores, devedores e o mercado
A decisão da 3ª Turma tende a influenciar a prática forense e o comportamento de credores em cobranças envolvendo casais.
Para quem oferece crédito, a possibilidade de direcionar a execução a ambos os cônjuges, quando atendidos os requisitos legais, amplia as vias de satisfação do débito.
Do lado de quem contrai obrigações, cresce a necessidade de documentar a finalidade da despesa, sobretudo quando não houver consenso entre as partes.
No plano dos casamentos, o entendimento reforça que a gestão financeira conjunta implica também compartilhamento de riscos.
Em contrapartida, permanece garantido o direito de defesa do cônjuge não signatário, que pode demonstrar que a operação não se destinou ao sustento da família ou não deve atingir determinados bens.
Por que o tema importa além do caso concreto
A controvérsia julgada pelo STJ dialoga com o cotidiano de casais que administram despesas de moradia, educação, saúde e consumo.
Em inúmeros arranjos familiares, apenas um dos cônjuges aparece formalmente como contratante.
A leitura dos artigos 1.643 e 1.644 como base para a solidariedade, feita pela 3ª Turma, oferece um parâmetro nacional para as instâncias inferiores ao analisarem pedidos de inclusão do cônjuge em execuções.
Enquanto isso, a exigência de prova contrária para afastar a solidariedade tende a organizar a discussão: o credor não precisa comprovar o consentimento específico; o cônjuge que contesta é quem deverá evidenciar a ausência de benefício familiar.
Essa inversão de perspectiva processual se alinha ao propósito de proteção da economia doméstica que inspira as normas civis aplicáveis.
O que observar em casos semelhantes
Procedimentos futuros com fatos comparáveis deverão considerar três pontos.
Primeiro, a data e o contexto da dívida, para verificar se ela surgiu na constância do casamento.
Depois, a finalidade da obrigação, distinguindo gastos pessoais daqueles afetos à vida do lar.
Por fim, a avaliação patrimonial, incluindo a comunicação ou não do bem atingido e a delimitação da meação.
A partir desses vetores, juízes poderão calibrar medidas constritivas, resguardando direitos e prevenindo abusos.
Casais que adotam a comunhão parcial precisam redobrar a atenção ao impacto de contratos, cheques e outras obrigações firmadas no dia a dia, inclusive quando apenas um assina.
Você considera que a presunção de benefício familiar é suficiente para equilibrar proteção do credor e preservação do patrimônio do cônjuge não signatário?


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