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Do pequeno agricultor à fábrica milionária: como o cacau brasileiro sustenta uma indústria bilionária, enfrenta concentração de poder e tenta sobreviver às novas exigências ambientais e globais

Escrito por Felipe Alves da Silva
Publicado em 09/07/2025 às 00:03
Atualizado em 08/07/2025 às 22:53
Representação visual da produção de cacau no Brasil, do cultivo artesanal à indústria processadora
Do campo à indústria: a cadeia do cacau movimenta bilhões no Brasil
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No Dia Mundial do Chocolate, celebrado na última segunda-feira (7), dados revelam que o Brasil, sétimo maior produtor de cacau do mundo, movimenta uma cadeia agroindustrial que ultrapassa R$ 23 bilhões por ano, mas enfrenta concentração na indústria, disparidades de renda e desafios ambientais.

O Brasil ocupa hoje a 7ª posição no ranking mundial de produção de cacau, atrás de países como Costa do Marfim e Gana. Em 2023, segundo dados da cadeia produtiva, o país colheu aproximadamente 200 mil toneladas do fruto, com destaque para os estados da Bahia e do Pará. Espírito Santo e Rondônia também vêm registrando crescimento na atividade, contribuindo para a expansão territorial da cacauicultura nacional.

A cadeia produtiva do cacau envolve desde o agricultor familiar até grandes empresas processadoras e indústrias de alimentos. Essa estrutura agroindustrial é considerada estratégica, tanto por sua capacidade de gerar empregos como pelo volume financeiro movimentado anualmente.

De acordo com o Ministério da Agricultura e a Organização Internacional do Cacau (ICCO), a base da produção brasileira está nas mãos de pequenos produtores, responsáveis por lavouras entre 5 e 10 hectares. Esse perfil fortalece a agricultura familiar e contribui para a sustentabilidade social e ambiental nas regiões produtoras.

Moagem industrial e concentração de mercado

A última etapa no campo é a secagem das amêndoas, que seguem para a moagem industrial. No Brasil, quatro empresas concentram 95% da moagem, sendo responsáveis por transformar o cacau em liquor, manteiga e pó, que abastecem a indústria de alimentos, cosméticos e bebidas. São elas:

  • Cargill – com sede nos Estados Unidos, é uma das maiores empresas de agronegócio do mundo e atua fortemente no processamento de cacau no Brasil.
  • Barry Callebaut – multinacional suíça, líder global em produção de chocolate e cacau, com forte presença no mercado brasileiro.
  • OFI – Olam Food Ingredients – grupo com sede no Reino Unido e Singapura, com operações globais em ingredientes e forte atuação em cacau.
  • IBC – Indústria Brasileira de Cacau – empresa brasileira, que atua exclusivamente no mercado nacional de transformação de cacau.

A maior parte da matéria-prima moída no país é destinada ao consumo interno, mas há também exportações relevantes, sobretudo para a Europa e os Estados Unidos. Isso reforça a posição estratégica do Brasil na cadeia de fornecimento global.

Mercado em expansão: faturamento e empregos

Em termos econômicos, o Valor Bruto da Produção (VBP) do cacau brasileiro é estimado em R$ 18 bilhões, enquanto toda a cadeia movimenta cerca de R$ 23 bilhões por ano. A geração de empregos diretos e indiretos atinge aproximadamente 200 mil pessoas.

O ano de 2024 marcou um ponto fora da curva, com valores recordes nas bolsas internacionais: o preço da tonelada de amêndoas superou os US$ 10 mil, o maior patamar das últimas seis décadas. Essa valorização beneficiou produtores em alguns estados, embora os ganhos não tenham sido distribuídos de forma equitativa.

Exportadores e processadores capturaram parte significativa do valor, acendendo o debate sobre remuneração justa e contratos de longo prazo na cadeia do cacau.

Cultivo diversificado: práticas agrícolas em diferentes biomas

O cacau é cultivado no Brasil em três sistemas produtivos principais, com diferentes impactos ambientais e produtivos:

  • Cabruca: método tradicional que preserva a mata nativa, comum na Bahia.
  • Sistemas agroflorestais: consórcio com espécies como banana, cupuaçu e árvores nativas.
  • Pleno sol: plantio em áreas abertas, com maior produtividade e menor cobertura vegetal.

Essas práticas são essenciais não apenas para a produção, mas também para estratégias de reflorestamento e recuperação de áreas degradadas, com potencial de captação de recursos via mercado de carbono e financiamentos verdes.

Colheita e qualidade: o ciclo da fruta ao chocolate

O ciclo produtivo do cacau envolve duas safras por ano: a principal ocorre entre outubro e abril, e a temporã entre maio e setembro. Após a colheita, as amêndoas passam por fermentação e secagem ao sol, etapas que influenciam diretamente sabor, acidez e aroma.

Esses fatores definem a qualidade do chocolate final e são fundamentais para o mercado de chocolates de origem e artesanais, que valorizam características únicas de terroir.

De acordo com a legislação brasileira, para um produto ser chamado de “chocolate”, ele precisa conter no mínimo 25% de sólidos totais de cacau. Produtos abaixo dessa faixa devem ser rotulados como “cobertura sabor chocolate”.

Consumo interno e expansão internacional

O mercado global de chocolate movimenta mais de US$ 130 bilhões por ano, com destaque para Europa e América do Norte. No entanto, países asiáticos como China e Índia apresentam o maior crescimento em consumo.

O Brasil ocupa a 5ª posição mundial em consumo, com média de 3,5 kg per capita ao ano. O país também é um dos principais destinos da produção local, embora exportações de produtos processados venham crescendo.

Além do consumo tradicional, surgem novas tendências baseadas em rastreabilidade, qualidade sensorial e menor teor de açúcar, voltadas ao público premium.

Chocolates de origem: valorização da cadeia curta

Movimentos como “bean to bar” e “tree to bar” vêm ganhando espaço no mercado interno e externo. No primeiro modelo, o fabricante adquire diretamente as amêndoas de cacau e realiza todas as etapas até o produto final. No segundo, o próprio produtor rural realiza todo o processo, do plantio à fabricação do chocolate.

Esses modelos têm se destacado por sua transparência, rastreabilidade e valorização do pequeno produtor, além de atenderem à demanda por produtos mais naturais e sustentáveis.

O crescimento desse segmento impulsiona também a busca por certificações internacionais, como UTZ e Rainforest Alliance, e incentiva práticas agrícolas regenerativas.

Futuro do setor: inovação, novas regiões e sustentabilidade

Nos últimos anos, o cacau brasileiro entrou na agenda de projetos ESG (ambientais, sociais e de governança). A cadeia produtiva tem buscado se adaptar às exigências globais com investimentos em rastreabilidade, transparência e boas práticas agrícolas.

Paralelamente, cresce o uso do cacau em outros segmentos da indústria, como suplementos, cosméticos, bebidas funcionais e produtos com alto teor de antioxidantes.

Novas regiões como o Centro-Oeste e o Sudeste vêm sendo exploradas para expansão da cultura, especialmente por meio de sistemas de integração lavoura-floresta e acesso a créditos verdes.

As informações foram divulgadas pela revista Forbes em matéria especial sobre o Dia Mundial do Chocolate, com dados atualizados de 2023 e 2024 da ICCO, Ministério da Agricultura, empresas do setor e associações de produtores. O levantamento abrange toda a cadeia produtiva do cacau no Brasil, do campo à indústria, com enfoque em mercado, sustentabilidade e inovação.

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Felipe Alves da Silva

Profissional com formação militar pelo Exército Brasileiro e experiência em gestão administrativa e logística no setor industrial. Escreve sobre defesa, segurança, geopolítica, indústria automotiva, ciência e tecnologia. Sugestões de pauta: fa06279@gmail.com

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