Escândalo de corrupção envolvendo Karina Milei e calotes empresariais expõem fragilidades do governo argentino e colocam em risco reformas econômicas de Javier Milei
O presidente argentino Javier Milei vive o momento mais delicado desde que assumiu o cargo em janeiro de 2023. Dois fatores se combinaram para criar uma crise política e econômica. De um lado, a mudança na política cambial que resultou em calotes empresariais. De outro, a denúncia de corrupção envolvendo sua irmã e principal assessora, Karina Milei.
Esses episódios colocam em xeque não apenas a estabilidade econômica, mas também o discurso central de Milei contra a chamada “casta política”.
Mudança cambial e calotes
No início de agosto, o governo eliminou a maioria dos controles de câmbio para pessoas físicas. A medida reduziu a diferença entre o dólar oficial e o paralelo, mas trouxe efeitos colaterais imediatos.
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Empresas endividadas, que apostavam em um peso desvalorizado, foram pegas de surpresa. A estratégia deixou de funcionar, e a consequência foi uma onda de calotes.
Na terça-feira, 26 de agosto, o impacto ficou evidente: títulos internacionais da Argentina em dólar caíram para mínimas de meses. As ações na bolsa e o próprio peso repetiram a trajetória negativa.
Escândalo de corrupção
Enquanto o setor corporativo enfrentava dificuldades, outro problema ainda maior atingiu a Casa Rosada. Há uma semana, gravações de áudio atribuídas a Diego Spagnuolo — advogado e amigo pessoal de Milei — vieram à tona.
Nos áudios, ele cita Karina Milei e o assessor Eduardo “Lule” Menem como beneficiários de supostas propinas da farmacêutica Suizo Argentina.
O valor chegaria a até US$ 800 mil mensais, com cobrança de 8% do faturamento para garantir contratos com a Agência Nacional de Deficiência (Andis).
Spagnuolo havia sido nomeado para chefiar a agência, mas foi demitido após a denúncia. Ele mesmo teria avisado Milei sobre a corrupção.
A reação da Justiça
As revelações provocaram uma convulsão política. A Justiça determinou mais de uma dúzia de buscas, bloqueou contas bancárias e proibiu ex-funcionários e empresários de deixar o país.
A ex-presidente Cristina Kirchner acrescentou combustível à crise. Ela lembrou que foi condenada por omissão em contratos fraudulentos de obras públicas e exigiu a mesma responsabilização para Milei.
“Você foi avisado e não fez nada”, disse Cristina, por meio de advogados, em redes sociais.
Antecedentes com Karina Milei
Este não foi o primeiro episódio envolvendo a irmã do presidente. Em fevereiro, Milei divulgou em sua conta no X uma recomendação da criptomoeda $Libra. A moeda disparou e depois despencou, gerando perdas bilionárias.
Mais de 40 mil investidores tiveram prejuízos estimados em US$ 4 bilhões. O criador da moeda, Hayden Davis, chegou à Casa Rosada com autorização de Karina Milei. O caso segue na Justiça.
O discurso da “casta” ameaçado
Para analistas, a denúncia contra Karina atinge o núcleo do discurso de Milei. Ele se elegeu prometendo combater a corrupção e a “casta política”.
Carlos Pagni, analista do jornal La Nación, afirmou que corrupção é um ataque ao equilíbrio fiscal. “Nos termos do presidente, os piores degenerados fiscais são os corruptos”, escreveu.
Além disso, a possibilidade de Spagnuolo se tornar colaborador da Justiça amplia os riscos. Ele poderia implicar outros funcionários e empresas contratadas.
Corrupção em alta nas pesquisas
Desde o início do governo, a corrupção não aparecia entre as principais preocupações dos argentinos. Agora a situação mudou.
Pesquisas mostram que o tema saltou do oitavo lugar em maio, com 6% das citações, para o terceiro em agosto, com 12%. A confiança no governo caiu quase 14% no mesmo período, segundo a consultoria Poliarquía.
Isso ocorre às vésperas das eleições de meio de mandato, cruciais para Milei ampliar sua base no Congresso.
Resultados econômicos do governo Milei
Apesar da turbulência, a economia vinha apresentando avanços. Em dezembro de 2023, a inflação mensal era de 26%. Agora está abaixo de 3% ao mês, reflexo do ajuste fiscal e da política monetária restritiva.
A taxa de juros caiu de quase 100% ao ano para 29%. As reservas internacionais cresceram de US$ 19 bilhões para US$ 33 bilhões, após acordo com o FMI.
Alex Agostini, economista da Austin Rating, avalia que os resultados são claros, mas insuficientes para estimular a atividade. “Os indicadores avançaram, mas o PIB não reage no ritmo necessário”, afirmou.
Atividade em queda
Dados recentes mostram retração. Em julho, houve queda de 2% nas vendas de pequenas e médias empresas em relação ao ano anterior.
Na comparação com junho, a baixa foi de 5,7%. Indústria, construção e importações estão em forte desaceleração.
O descompasso entre ricos e pobres também cresce. No primeiro semestre, a venda de automóveis aumentou 78% em relação a 2024, melhor resultado em sete anos. O setor imobiliário em Buenos Aires também se aqueceu, com alta de 22% em maio.
Porém, a redução de subsídios encareceu saúde, educação e moradia. Hoje, nove em cada dez lares têm dívidas, e 12,8% estão inadimplentes.
Fragilidade das empresas
As mudanças cambiais retiraram amortecedores que protegiam companhias da volatilidade. Antes, elas usavam títulos indexados ao dólar, liquidados em pesos, com taxas negativas. Era um modo de se proteger da inflação.
Com a nova política, esse modelo se tornou inviável. Investidores perderam o interesse, e o custo de captação subiu. As taxas de títulos atrelados ao dólar saltaram de 5% para 11% em um ano.
Algumas empresas passaram a emitir papéis denominados em dólar, mas o risco é maior. Setores como energia, agricultura e manufatura foram duramente afetados.
O caso do Grupo Albanesi, concessionária de energia, simboliza o problema. Já fragilizada, entrou em default após as reformas. Pelo menos oito empresas declararam inadimplência desde novembro.
O dilema de Milei
O governo conseguiu estabilizar o câmbio e reduzir a inflação. Mas, ao mesmo tempo, expôs um sistema corporativo frágil e uma sociedade em recessão.
Segundo Agostini, a questão mais sensível é emprego e renda. “Se a economia não reagir nesse ponto, Milei pode não ter tempo para recuperar a confiança”, disse.
Portanto, a agenda de reformas corre risco. O efeito do escândalo de corrupção pode ser devastador, mesmo sem provas de envolvimento direto do presidente.
Com informações de NEO Feed.