Entenda como a busca por conveniência e qualidade de vida impulsiona a valorização imobiliária em bairros que oferecem tudo a uma curta caminhada, e os desafios econômicos dessa transformação.
O conceito de “Cidade de 15 Minutos”, que propõe o acesso a todas as necessidades essenciais a uma curta distância a pé ou de bicicleta, está se consolidando como um dos principais vetores de transformação urbana e econômica no Brasil. Mais do que uma tendência de urbanismo, essa visão está redefinindo o que significa uma “boa localização”, impactando diretamente a valorização imobiliária e criando um novo paradigma para o mercado. A promessa de ter trabalho, lazer, saúde e comércio ao alcance das mãos deixou de ser um luxo para se tornar um ativo financeiro tangível, disputado por compradores e explorado por incorporadoras.
Essa mudança, acelerada pela pandemia, revela um mercado em plena reconfiguração, onde o tempo economizado em deslocamentos se converte em valor patrimonial. No entanto, a implementação desse modelo em metrópoles marcadas pela desigualdade traz à tona desafios críticos, como o risco de gentrificação e a exclusão social. A questão central é se a “vida de 15 minutos” será uma política pública inclusiva ou um produto de luxo restrito a poucos, um debate que definirá o futuro das cidades brasileiras.
O que é a cidade de 15 minutos?
Idealizado pelo cientista franco-colombiano Carlos Moreno, o modelo da Cidade de 15 Minutos propõe que os moradores possam acessar seis funções sociais essenciais, morar, trabalhar, consumir, cuidar-se, aprender e descansar, em um raio de 15 minutos de caminhada ou bicicleta. Trata-se de uma resposta direta ao urbanismo modernista, que promoveu a separação das funções urbanas e gerou metrópoles dependentes de longos e estressantes deslocamentos de carro. A proposta defende uma cidade policêntrica, formada por bairros autossuficientes e vibrantes.
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O foco deixa de ser a mobilidade (a velocidade com que se atravessa a cidade) e passa a ser a acessibilidade (a quantidade de serviços disponíveis no entorno). Para isso, conceitos como “caminhabilidade” e “ruas completas”, projetadas para todos os usuários, são fundamentais. O objetivo é a hiperproximidade, devolvendo aos cidadãos o tempo perdido no trânsito e incentivando uma vida mais comunitária e saudável. Embora a ideia tenha ganhado fama global recentemente, especialmente com sua adoção em Paris, ela resgata princípios antigos de planejamento urbano, como as “unidades de vizinhança” e as críticas de Jane Jacobs ao zoneamento monofuncional.
O impacto econômico: A valorização imobiliária na prática
A crescente demanda por qualidade de vida tem um preço, e o mercado já começou a precificá-lo. A conveniência de ter uma infraestrutura completa no entorno tornou-se um dos principais impulsionadores da valorização imobiliária no Brasil. A capacidade de resolver a vida cotidiana sem depender de um carro é um “prêmio de valor” que compradores estão dispostos a pagar, e os números confirmam essa tendência de forma contundente.
De acordo com dados da ABECIP, analisados pela Revista Kaza 360°, imóveis situados em bairros planejados, que já nascem com essa infraestrutura de serviços integrados, podem registrar uma valorização de até 30% em um período de cinco anos. Em São Paulo, o preço médio do metro quadrado em regiões com alta densidade de serviços cresceu de forma consistente acima da inflação, demonstrando que a proximidade é um ativo econômico real. Essa dinâmica está redefinindo o conceito de luxo, que hoje se associa menos ao isolamento e mais à otimização da rotina e ao acesso facilitado a serviços.
Quem lidera a tendência no Brasil?
Atentas a essa mudança de comportamento, construtoras e incorporadoras de todo o país já adaptaram seus produtos e discursos. Bairros planejados e empreendimentos de uso misto são comercializados como “minicidades” ou “ecossistemas” que prometem integrar moradia, trabalho e lazer. Essa tendência é forte no interior de São Paulo, em cidades como Campinas, onde projetos são desenhados com calçadas largas e comércio no térreo (fachadas ativas) para diminuir a dependência do automóvel e atrair moradores da capital em busca de qualidade de vida.
Um dos exemplos mais notáveis é o bairro Cidade Pedra Branca, na Grande Florianópolis. Concebido desde o início com base nos princípios do Novo Urbanismo, o projeto se tornou uma referência nacional. Com um campus universitário, escolas, escritórios e um “shopping a céu aberto”, o bairro permite que milhares de pessoas vivam, trabalhem e estudem no mesmo local, realizando a maior parte de suas atividades a pé. O sucesso do Pedra Branca mostra que é viável criar, no Brasil, bairros planejados abertos e integrados, que servem como alternativa aos condomínios fechados e isolados.
Desafios e controvérsias: gentrificação e exclusão
Apesar dos benefícios, a implementação do modelo de 15 minutos acende um alerta importante: o risco de gentrificação. Quando um bairro recebe investimentos e se torna mais desejável, o custo de vida sobe, o que pode acabar expulsando os moradores originais de menor renda. Esse “paradoxo da melhoria” é visível em bairros de São Paulo como Pinheiros e Vila Madalena, onde a intensa valorização imobiliária foi acompanhada por uma mudança no perfil socioeconômico da população e do comércio local.
Uma crítica contundente, destacada em uma entrevista do próprio Carlos Moreno ao portal Metro Quadrado, aponta que, na América Latina, o conceito tem sido frequentemente apropriado pelo mercado para vender condomínios de luxo. Em vez de uma política pública inclusiva, a “vida de 15 minutos” torna-se um produto exclusivo, criando “ilhas de privilégio” e aprofundando a segregação urbana. Sem uma forte regulação do poder público, a lógica de mercado prevalece, privatizando os benefícios da proximidade e socializando os custos da exclusão.
São Paulo é uma cidade de 15 minutos? O estudo de caso da Metrópole
São Paulo exemplifica a complexidade da aplicação do conceito no Brasil. Segundo um detalhado estudo de dados do portal Caos Planejado, a cidade é marcada por uma profunda desigualdade no acesso a serviços. A análise revela que, enquanto a maioria da população (81%) está a 15 minutos de bicicleta de uma Unidade Básica de Saúde (UBS), apenas 15% dos moradores têm acesso a um parque em uma caminhada de 15 minutos.
Esses números mostram que a capital paulista é uma colcha de retalhos, com “bolsões” bem servidos para uma minoria e vastas áreas onde a “cidade completa” é uma realidade distante. Embora o Plano Diretor da cidade incentive a aproximação entre moradia e emprego, a transformação é lenta e esbarra em uma cultura de dependência do automóvel e na forte especulação imobiliária. O desafio de São Paulo é traduzir a intenção política em uma transformação urbana que seja, ao mesmo tempo, ampla e equitativa.
Um roteiro para cidades mais humanas
A Cidade de 15 Minutos oferece um roteiro inspirador para o futuro das metrópoles brasileiras, e a valorização imobiliária associada a ela é um sinal claro de que as pessoas desejam viver em lugares mais convenientes e humanos. No entanto, o sucesso desse modelo dependerá de sua implementação como uma política pública abrangente, capaz de democratizar o acesso à qualidade de vida e combater ativamente a exclusão social. O caminho para cidades melhores pode estar a uma curta caminhada, mas é preciso garantir que todos possam percorrê-lo.