Em um momento em que os gastos militares disparam no mundo e as tensões geopolíticas voltam a crescer, o Brasil encara um dilema que mistura urgência e desafio fiscal. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva tenta equilibrar as contas enquanto avalia liberar uma fortuna bilionária para reverter o sucateamento das Forças Armadas e tirar do papel projetos estratégicos parados há anos.
Diante do aumento das tensões geopolíticas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reuniu ministros para discutir um plano que pode mudar o rumo do orçamento federal em benefício das Forças Armadas.
A proposta avaliada prevê criar uma nova exceção ao arcabouço fiscal, abrindo espaço para investimentos em programas estratégicos das Forças Armadas.
A ideia em estudo no Palácio do Planalto envolve enviar ao Congresso Nacional um projeto de lei complementar retirando R$ 30 bilhões do limite de gastos.
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Esse valor seria distribuído ao longo de seis anos e aplicado exclusivamente na modernização do Exército, da Marinha e da Força Aérea Brasileira (FAB).
Segundo reportagem da CNN Brasil, entre os projetos que poderiam avançar com os novos recursos estão o Sisfron (Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras), o desenvolvimento do primeiro submarino nuclear brasileiro e a renovação da frota de caças Gripen NG.
Discussões reservadas com ministros e comparação com a PEC 55
O tema foi debatido de forma reservada por Lula com os ministros Rui Costa (Casa Civil), Fernando Haddad (Fazenda) e José Múcio (Defesa). Nos próximos dias, os encontros devem continuar.
Um dos argumentos do governo é que essa alternativa seria politicamente mais viável do que a PEC 55.
Essa proposta de emenda à Constituição garantiria ao Ministério da Defesa, todos os anos, um orçamento equivalente a 2% do PIB. Ela foi apresentada em 2023, mas está travada no Senado.
Críticos da PEC afirmam que criar uma nova vinculação constitucional vai na contramão da tendência recente de buscar desvinculações orçamentárias, como nos pisos de saúde e educação.
Novos engessamentos aumentam o risco de crescimento da dívida pública e piora dos indicadores fiscais.
Mesmo assim, a equipe econômica reconhece a necessidade de aumentar os investimentos em defesa.
Para os técnicos, porém, seria necessário incluir contrapartidas como a reforma do sistema de proteção social das Forças Armadas e o fim da chamada “morte ficta”, que paga benefícios a famílias de militares expulsos do serviço ou condenados por crimes.
Essas duas medidas foram enviadas ao Congresso no fim de 2023 dentro de um pacote para conter despesas públicas, mas seguem praticamente paralisadas no Legislativo.
A corrida armamentista global e a estagnação das Forças Armadas brasileiras
Os gastos militares globais atingiram em 2024 o maior nível das últimas quatro décadas. Houve um crescimento de 9,4% em relação a 2023, alcançando US$ 2,718 trilhões.
No Brasil, porém, os projetos estratégicos enfrentam sucessivos atrasos por falta de recursos. A discrepância chama atenção e preocupa os militares.
FAB atrasa cronograma dos caças Gripen
Na semana passada, durante um debate na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE) do Senado sobre a PEC 55, a FAB anunciou um novo adiamento no cronograma de entrega dos caças Gripen.
O tenente-brigadeiro Walcyr Josué Araújo, chefe do Estado-Maior da Aeronáutica, apresentou um calendário atualizado. O último lote, com cinco aeronaves, ficou para 2032. Antes, a previsão era concluir o pacote em 2027.
Dos 36 caças contratados, apenas 16 devem chegar ao Brasil até 2027. “Nós fizemos sucessivos termos aditivos. Estamos hoje no 12º, e os senhores veem que já temos a perspectiva de ter a última aeronave em 2032”, disse Araújo aos senadores.
Problemas orçamentários encarecem o projeto
Segundo o tenente-brigadeiro, a falta de previsibilidade orçamentária impede o planejamento adequado dos recursos. “A falta de previsibilidade orçamentária faz com que não possamos aplicar os recursos de forma totalmente racional e equilibrada nesse contrato”, afirmou.
Ele acrescentou que o projeto já está 13% mais caro que o valor inicial. “Já estamos investindo mais de 13% acima do valor inicial devido à necessidade de reajustes e reequilíbrios. Isso equivaleria, apenas com essa diferença, a adquirir mais seis aeronaves das 36 originalmente contratadas”, destacou.
Sisfron também sofre com sucessivos adiamentos
Em junho, a CNN revelou novos atrasos no Sisfron e a readequação do cronograma feita pelo Exército por falta de verbas. O sistema pretende aumentar a capacidade de vigilância em quase 17 mil quilômetros de fronteiras.
A previsão inicial era concluir o projeto em 2021. Menos de 30% dele foi executado até agora. O prazo migrou para 2039. Antes, uma readequação havia levado o cronograma para 2035, mas esse ajuste também ficou inviável.
Até o fim deste ano, pouco menos de R$ 3 bilhões dos R$ 15 bilhões previstos terão sido investidos, conforme dados do Exército.
A lentidão preocupa os militares, que temem prejuízos na segurança das fronteiras.
Marinha tenta salvar o cronograma do submarino nuclear
Na Marinha, o foco está no desenvolvimento do primeiro submarino nuclear brasileiro.
O orçamento do programa, que também inclui a etapa final dos submarinos convencionais e a construção de um reator nuclear multipropósito em Iperó (SP), ficou estável em torno de R$ 2 bilhões por ano.
No início do programa, quando o país vivia um auge econômico, o orçamento chegou perto de R$ 4 bilhões anuais.
Depois, durante a recessão de 2015 e 2016, caiu para cerca de R$ 1,5 bilhão. Em seguida, estabilizou. Em 2025, ficou novamente na faixa de R$ 2 bilhões.
Valor atual não garante lançamento antes de 2040
Oficiais da Marinha ouvidos pela CNN afirmam que, mesmo com esses valores, o dinheiro é insuficiente para manter o cronograma que prevê o lançamento do submarino a propulsão nuclear em 2034 ou 2035.
Se os investimentos continuarem no nível atual, a previsão passará para o fim da próxima década, mais perto de 2040.
Para manter a data de 2034 ou 2035, os almirantes calculam que seria necessário um acréscimo de pelo menos R$ 1 bilhão por ano.
Além disso, a Marinha enfrenta outro desafio orçamentário.
A força naval precisa desativar 43 embarcações até 2028, cerca de 40% de sua frota, por atingirem o fim da vida útil. Não há garantias de reposição até agora.
Decisão política e impasse fiscal
Com o aumento das tensões globais e a escalada dos gastos militares pelo mundo, a pressão por investimentos na defesa brasileira cresce.
Lula e seus ministros tentam encontrar um caminho que permita reforçar os projetos estratégicos sem provocar desequilíbrio nas contas públicas.
A eventual exceção ao arcabouço fiscal virou o principal caminho em estudo.
Mas, para avançar, o governo precisará convencer o Congresso e também oferecer contrapartidas que reduzam outras despesas militares.
Enquanto isso, Exército, Marinha e Aeronáutica seguem tentando evitar o colapso de seus projetos mais ambiciosos com orçamentos cada vez mais apertados.
Submarino nuclear e Gripe de novo nessa novela ?