Pesquisa mostra que a expansão do Bolsa Família alterou a dinâmica do mercado de trabalho brasileiro, reduzindo a participação formal e impactando principalmente jovens homens no Norte e Nordeste, mesmo em um cenário de desemprego no menor nível histórico.
Para cada duas famílias que recebem o Bolsa Família, uma deixa a força de trabalho, segundo pesquisa do FGV Ibre divulgada pelo jornal Gazeta do Povo. O estudo aponta que a expansão recente do programa reduziu a busca por ocupação — sobretudo formal — entre beneficiários.
Em suas palavras, “para cada duas famílias que recebem o Bolsa Família, uma sai da força de trabalho”.
A evidência aparece em um momento de aquecimento do mercado: a taxa de desemprego ficou em 5,8% no trimestre encerrado em junho de 2025, o menor nível da série iniciada em 2012, de acordo com o IBGE.
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Expansão do programa social e aumento do orçamento
Desde a pandemia, o programa mudou de patamar. Em 2020, o Auxílio Emergencial abriu caminho para o Auxílio Brasil, que elevou o pagamento básico para R$ 600 em 2022.
Em 2023, o governo retomou o nome original, Bolsa Família, e redesenhou a cesta de benefícios. O valor médio ficou em cerca de R$ 670, enquanto o número de famílias atendidas subiu para 21 milhões em relação a 2017.
O orçamento anual, por sua vez, avançou de R$ 35 bilhões para algo próximo de R$ 170 bilhões, conforme dados reunidos pelo Gazeta do Povo.
Redução da oferta de mão de obra
O novo nível de transferência alterou a dinâmica do mercado de trabalho. O FGV Ibre calcula que o benefício médio passou a equivaler a 35% da renda mediana do trabalho no país — antes de 2019, girava em torno de 15%.
Nesse contexto, a taxa de participação brasileira (pessoas ocupadas ou procurando emprego) caiu de 63,6% no fim de 2019 para 61,6% no primeiro semestre de 2023.
Ainda que tenha havido leve recuperação desde então, o indicador permanece abaixo do padrão pré-pandemia.
Impacto na participação, ocupação e formalização
O estudo de Duque comparou famílias que se tornaram elegíveis ao Bolsa Família em 2023 com um grupo semelhante, porém não elegível. Entre as elegíveis, a taxa de participação recuou 11%.
A probabilidade de estar ocupado caiu 12% e a de ter emprego formal, 13%, na comparação com o grupo de controle.
“Para cada duas famílias que recebem o Bolsa Família, uma sai da força de trabalho”, resume o pesquisador, destacando o caráter causal dos achados.
Desemprego em mínima histórica
Enquanto a oferta de trabalho perde fôlego entre beneficiários, o ambiente geral melhorou. A desocupação de 5,8% no segundo trimestre de 2025 é a menor da série histórica do IBGE.
A queda foi disseminada em boa parte das unidades da federação, com diferenças regionais importantes.
Esse contraste — mercado em alta e participação aquém do pré-pandemia — ajuda a explicar o peso das transferências na decisão de trabalhar.
Perfil mais afetado pelos efeitos do Bolsa Família
Os efeitos negativos concentram-se em homens jovens, entre 14 e 30 anos, tanto na participação quanto na ocupação.
No quesito formalização, o impacto alcança homens de todas as idades. Regionalmente, Norte e Nordeste puxam a queda na presença masculina na força de trabalho.
Por outro lado, o estudo não detectou efeito relevante entre mulheres, o que indica comportamentos distintos por gênero.
Razões para a queda no emprego formal
Do ponto de vista do beneficiário, a renda garantida do programa reduz o apelo de empregos que, embora regulares, trazem maior risco de perda do benefício e menor previsibilidade.
A Regra de Proteção atenua o salto: ela permite manter 50% do benefício por um período após a formalização.
A partir de junho de 2025, para novos casos, o prazo-padrão passou a ser de 12 meses para famílias com renda per capita até R$ 706; quem já estava protegido antes dessa data mantém as regras anteriores, de até 24 meses.
Risco para o capital humano
Entre jovens fora do mercado, cresce o risco de perda de experiência e aprendizado no início da vida laboral — etapa crucial para a formação do capital humano.
Para o economista Fernando de Holanda Barbosa Filho, do FGV Ibre, o Bolsa Família atual é “muito diferente do original”, recolocando no debate efeitos que, antes de 2019, eram considerados residuais.
Educação como possível saída
Há também sinais positivos. O estudo identifica que jovens de maior habilidade que reduzem a oferta de trabalho aumentam a matrícula em instituições de ensino.
A avaliação de Flávio Ataliba, do Centro de Estudos para o Desenvolvimento do Nordeste do FGV Ibre, é que a saída temporária do mercado pode estar associada a qualificação e a integração produtiva.
Com a oferta de cursos alinhados às demandas locais e mecanismos de transição para o emprego, esse movimento pode ter efeito social relevante.
Redesenho do benefício e políticas complementares
Diante dos achados, Duque sugere reduzir o benefício básico de R$ 600 para desestimular que jovens sem perspectiva educacional abandonem a busca por trabalho.
Os recursos poupados poderiam reforçar transferências a mães com filhos pequenos e a jovens que deixaram os estudos por necessidade de renda.
A proposta dialoga com programas complementares, como o Pé-de-Meia, e exige coordenação com políticas de educação, saúde e inclusão produtiva, além de incentivos à formalização e ao empreendedorismo, segundo o Gazeta do Povo.
Desafios para o futuro do Bolsa Família
O debate gira em torno do formato do programa em um cenário no qual o benefício representa parcela maior da renda das famílias.
A pesquisa mostra impacto direto na participação e na formalização, principalmente entre jovens homens do Norte e Nordeste, ao mesmo tempo em que sugere ganhos possíveis na área educacional.
Como conciliar o papel de rede de proteção social com a necessidade de incentivar emprego e qualificação no país?