Após mais de 30 anos, a principal obra ferroviária do Brasil está teoricamente concluída, mas a diferença de trilhos e o congestionamento em São Paulo limitam o impacto da Ferrovia Norte-Sul na economia.
A Ferrovia Norte-Sul, projetada para ser a “espinha dorsal” da logística brasileira, finalmente alcançou seu destino. Após uma saga de mais de três décadas, o corredor ferroviário que corta o coração do Brasil agora se conecta à malha que leva ao Porto de Santos. Uma conquista monumental, mas que na prática revela um paradoxo.
A ferrovia chega ao seu destino, mas não com sua força total. Uma série de gargalos históricos, como a diferença de trilhos e o congestionamento na malha de São Paulo, fazem com que a Ferrovia Norte-Sul funcione como uma artéria de alta capacidade que deságua em capilares congestionados, impedindo que ela transforme a matriz de transportes do país em sua plenitude.
Um projeto de 30 anos: A longa e controversa saga da “espinha dorsal” do Brasil
A história da Ferrovia Norte-Sul começou em 1987, no governo de José Sarney. A ideia era criar um eixo que ligaria o norte ao sudeste do país, integrando a nova fronteira agrícola do Cerrado aos principais portos. No entanto, o projeto se arrastou por décadas, marcado por lentidão, instabilidade econômica e investigações de irregularidades.
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O ritmo da obra só acelerou a partir de 2007, com o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A fase de consolidação veio em 2019, quando a Rumo Logística arrematou o leilão dos trechos Central e Sul, investindo R$ 4 bilhões para finalmente concluir o corredor. A inauguração oficial do trecho final, ligando Goiás ao Porto de Santos, aconteceu em junho de 2023.
A conexão final: O desafio de levar a carga até o Porto de Santos
O ponto de encontro que torna a Ferrovia Norte-Sul um corredor de exportação é em Estrela d’Oeste (SP), onde ela se conecta à Malha Paulista, também operada pela Rumo. Essa malha é a via principal para o agronegócio chegar ao Porto de Santos.
A Rumo tem investido bilhões para aumentar a capacidade da Malha Paulista, com trens que chegam a ter 135 vagões. O problema é que todo esse volume crescente de carga chega a um funil. O acesso ferroviário ao Porto de Santos já opera próximo da saturação, com uma capacidade de recepção que não consegue acompanhar o ritmo de quem vem de longe.
Os grandes obstáculos no meio do caminho: Bitola e o conflito em São Paulo
Dois grandes problemas estruturais limitam o potencial da Ferrovia Norte-Sul. O primeiro é a diferença de bitola. A FNS foi construída no padrão de bitola larga (1,60 m), mais eficiente. No entanto, cerca de 75% da malha ferroviária brasileira usa a bitola métrica (1,00 m). Isso impede que os trens passem de uma malha para outra, exigindo operações de transbordo que aumentam o custo e o tempo da viagem.
O segundo gargalo, e talvez o mais crítico, é a travessia da Região Metropolitana de São Paulo. Os trens de carga são obrigados a dividir os trilhos com os trens de passageiros da CPTM. Isso restringe a circulação de cargas a horários específicos, geralmente durante a noite, criando um congestionamento que afeta toda a cadeia logística. A solução, o Ferroanel de São Paulo, é um projeto discutido há décadas, mas que até hoje não saiu do papel.
O impacto na economia: Reduzindo o “Custo Brasil” apesar dos entraves
Mesmo com os gargalos, a Ferrovia Norte-Sul já mostra seu impacto positivo. O transporte de grãos e outras commodities por trilhos é muito mais eficiente e barato que o rodoviário. Estudos apontam que o frete ferroviário pode ser de 30% a 40% mais barato em longas distâncias.
Essa redução de custo torna o produto do agronegócio brasileiro mais competitivo no mercado internacional. Em 2022, antes mesmo da conclusão total, a operação dos trechos centrais da ferrovia contribuiu para um aumento de 25% nas exportações do estado de Goiás, provando a demanda reprimida por um transporte mais eficiente.
A Ferrovia Norte-Sul é a solução ou um projeto incompleto?
A Ferrovia Norte-Sul é uma obra de infraestrutura transformadora, mas seu potencial está longe de ser totalmente destravado. A imagem que fica em 2025 é a de uma “artéria de alta capacidade que deságua em capilares congestionados”.
A conclusão do seu eixo principal foi uma grande vitória, mas a verdadeira batalha pela eficiência logística do Brasil agora se desloca para fora dela. O futuro da Ferrovia Norte-Sul e seu impacto real na economia dependem, criticamente, da resolução dos gargalos históricos que ainda travam a malha ferroviária do Sudeste, especialmente a construção do Ferroanel de São Paulo.