O avanço da jurisprudência trabalhista pode abrir caminho para que o uso de celulares corporativos esteja ligado a doenças ocupacionais, criando novos direitos e riscos tanto para empregados quanto para empregadores no ambiente digital.
O uso intensivo de celulares para fins profissionais pode se transformar em um fator de risco trabalhista.
Desde abril deste ano, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) fixou o Tema 125, segundo o qual a estabilidade provisória de 12 meses pode ser assegurada a trabalhadores que desenvolvam doenças relacionadas à atividade laboral, mesmo sem afastamento superior a 15 dias ou concessão do auxílio-doença acidentário (B-91).
Essa mudança abre espaço para que quadros de tenossinovite de De Quervain — popularmente chamada de “dedo do WhatsApp” — também tenham chance de gerar proteção no emprego ou indenização equivalente, desde que um laudo pericial confirme o nexo causal ou concausal entre a lesão e o trabalho.
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Até o momento, nenhum acórdão cita expressamente “WhatsApp” ou “smartphone” como causa central.
A possibilidade se apoia em analogia: como a mesma patologia (CID M65.4) já foi reconhecida judicialmente em cenários de esforço repetitivo, há margem para que o raciocínio seja estendido ao uso corporativo de celulares.
O que é a tenossinovite “de Quervain”
A doença ocorre quando os tendões abductor longo e extensor curto do polegar inflamam, provocando dor na base do punho e dificuldade de movimento.
Pesquisas médicas, inclusive revisões publicadas no PubMed, indicam que o uso frequente de smartphones pode elevar em até 60% o risco de desenvolver sintomas da patologia entre jovens com dependência do aparelho.
No Brasil, ortopedistas da Sociedade Brasileira de Cirurgia da Mão vêm alertando que digitar longas mensagens com os polegares está entre as causas mais comuns do problema.
Reconhecimento oficial como doença ocupacional
O Manual de Doenças Relacionadas ao Trabalho, publicado pelo Ministério da Saúde e atualizado em 2024, inclui a “Tenossinovite do estilóide radial (De Quervain) – CID M65.4” na lista de agravos de origem ocupacional.
Na prática, esse enquadramento cria presunção administrativa de vínculo com determinadas atividades, conhecida como Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP).
Isso facilita o reconhecimento pelo INSS e serve como evidência em processos trabalhistas, embora a conclusão final sempre dependa de perícia.
O que mudou com o Tema 125 do TST
Até abril de 2025, a estabilidade de 12 meses só era concedida a quem ficasse afastado por mais de 15 dias e recebesse o benefício B-91.
Com a tese fixada pelo TST, esses requisitos foram afastados.
Agora, se um trabalhador comprovar em juízo que a doença está relacionada ao ofício, mesmo que o diagnóstico só tenha surgido após a demissão, poderá pleitear reintegração ou indenização equivalente.
Esse entendimento pode fechar uma brecha antes explorada por empresas, que demitiam empregados com sintomas ainda não formalmente reconhecidos como afastamento previdenciário.
Precedentes sobre tenossinovite reconhecida na Justiça
Embora ainda não exista decisão ligando o quadro diretamente ao uso de smartphones, tribunais já reconheceram a tenossinovite de De Quervain como doença ocupacional em outros contextos de esforço repetitivo:
RR-282200-73.2006.5.12.0014 – TST, 4ª Turma
“Trabalhador submetido a tarefas repetitivas após redução de equipe.”
Houve condenação da empresa ao pagamento de indenização por danos morais e materiais.
ATOrd 0100477-49.2024.5.01.0030 – TRT-1 (bancária) – “Empregada diagnosticada com tenossinovite de Quervain e síndrome do túnel do carpo, atribuídas à digitação intensiva em atendimento a clientes.”
A Justiça reconheceu estabilidade de 12 meses com salários retroativos. Sentença mantida em agosto de 2025.
ROT 0012670-69.2017.5.15.0022 – TRT-15 – “Operária de linha de produção com diagnóstico de tenossinovite de Quervain.”
O tribunal reconheceu nexo causal e fixou pensão vitalícia, além de danos morais.
Esses precedentes reforçam que, havendo perícia que comprove o nexo entre a doença e o trabalho, os tribunais podem estender a mesma lógica a situações envolvendo smartphones.
Como um trabalhador poderia agir em caso de diagnóstico
Se um ex-empregado receber diagnóstico de tenossinovite após a demissão, poderá buscar proteção legal seguindo alguns passos:
- Apresentar laudos médicos com menção ao CID M65.4.
- Solicitar abertura de Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT).
- Reunir provas de uso corporativo do celular.
- Ingressar com ação trabalhista.
O juiz analisará a perícia à luz do Tema 125. Caso o vínculo seja confirmado, a estabilidade poderá ser deferida, com reintegração ou indenização substitutiva.
Impactos para empresas
Advogados trabalhistas avaliam que a nova jurisprudência pode ampliar o risco de condenações.
Se confirmada a relação entre uso corporativo do celular e tenossinovite, os custos incluem um ano de salários, honorários periciais, multas pela não emissão de CAT e, em casos graves, pensão vitalícia.
Para reduzir passivos, especialistas sugerem limitar mensagens fora do expediente, oferecer pausas regulares, promover treinamentos ergonômicos e atualizar programas de prevenção de riscos ocupacionais (PGR e PCMSO).
Perspectivas futuras sobre “dedo do WhatsApp”
Fiscalizações do Ministério do Trabalho já incluem, desde julho de 2025, orientações sobre lesões relacionadas a dispositivos móveis na Norma Regulamentadora 17.
Advogados acreditam que os primeiros processos citando diretamente o “uso de smartphone” como causa central podem surgir em 2026. Esses casos-teste serão fundamentais para consolidar a aplicação do Tema 125 a esse tipo de situação.