Políticas migratórias mais duras, medo da deportação e saudade de casa estão levando milhares de venezuelanos a refazer o caminho de volta, em um movimento de retorno inédito após anos de fuga em massa.
O avanço de políticas migratórias mais rígidas nos Estados Unidos, o aumento de episódios de xenofobia e a distância prolongada dos familiares têm levado parte dos venezuelanos a fazer o caminho de volta.
Depois de anos fora, muitos interrompem o projeto migratório e retornam à Venezuela, em uma “rota inversa” alimentada tanto por medidas de deportação e perda de status quanto pela exaustão emocional de viver longe de casa.
Em setembro, autoridades de Colômbia, Panamá e Costa Rica contabilizaram mais de 14 mil pessoas — a maioria venezuelanos — desistindo do destino norte-americano e voltando ao sul.
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A diáspora e os números do êxodo venezuelano
Desde 2015, a diáspora venezuelana alcançou dimensões históricas.
Estimativas das Nações Unidas apontam que quase 7,9 milhões de pessoas deixaram o país, com o fluxo de saída ainda predominando, apesar de retornos pontuais.
O volume mantém a crise venezuelana entre as maiores deslocações humanas do mundo recente.
Políticas migratórias dos EUA endurecem em 2025
A política migratória dos EUA sofreu mudanças decisivas em 2025.
Em outubro, a Suprema Corte permitiu que o governo Trump encerre o TPS (Status de Proteção Temporária) para centenas de milhares de venezuelanos, revertendo decisões anteriores que haviam barrado a medida.
Na prática, a suspensão do benefício retira autorização de trabalho e proteção contra deportação de quem havia sido amparado desde 2021.
Ainda no primeiro semestre, deportações e detenções se intensificaram, com registros de picos de pessoas em custódia do ICE.
O endurecimento incluiu voos de repatriação a Caracas, reativados após tratativas bilaterais.
A reabertura dessas rotas deu fôlego às remoções, num contexto em que o governo passou a priorizar ações mais amplas de fiscalização e saída acelerada de imigrantes.
Clima de hostilidade e medo crescente
A sensação de ambiente hostil também pesa.
Migrantes relatam abordagens frequentes e medo de operações que resultem em prisão e expulsão.
O venezuelano Santi Añez contou ter optado por “autodeportar-se” a fim de preservar uma eventual possibilidade de retorno legal no futuro, evitando, segundo ele, o estresse de ser detido e impedido de voltar.
O relato ecoa depoimentos coletados pela Bloomberg de quem, diante da incerteza, preferiu refazer as malas rumo a Maracay, Caracas ou outras cidades.
A rota inversa: coiotes e passagens de volta
A travessia ao sul ganhou caminhos improváveis.
Em vez de contratar coiotes para cruzar a fronteira rumo aos EUA, alguns migrantes passaram a pagar a mesma rede de contrabandistas para o percurso inverso, deixando cidades como El Paso em direção a Ciudad Juárez e, de lá, seguindo a outros países.
Um intermediário relatou cobrar US$ 2.500 por pessoa para esse deslocamento “de volta”, sinal do quanto a demanda por saídas cresceu com a repressão migratória.
Histórias de retorno e o peso da solidão
Voos de deportação e políticas de expulsão em série se combinam com histórias pessoais de isolamento e cansaço.
“Era uma vida muito solitária”, disse à Bloomberg o jovem Eduardo Rincón, de 24 anos, que morou em Miami, trabalhou na recepção de um hotel e enviava parte do salário para sustentar a mãe na Venezuela.
Após o Departamento de Segurança Interna informar a revogação do status de liberdade condicional de sua família, a perspectiva de deportação os levou a decidir pelo retorno conjunto.
“Decidimos ficar juntos e voltar”, relatou.
Hoje, em Caracas, ele ganha menos e admite a dúvida constante entre o sustento e a convivência com os seus.
“Parece que estamos condenados a escolher entre uma vida melhor economicamente, mas sem família e amigos, e uma vida mais pobre, mas cercada por entes queridos”, resumiu.
Deportações em massa e nova onda de saídas
As estatísticas recentes ajudam a dimensionar a virada.
Em 2025, reportagens e dados oficiais apontam mais de 13 mil venezuelanos expulsos dos EUA ao longo do ano, via voos regulares e operações quinzenais, em paralelo a um aumento do número de pessoas detidas à espera de remoção.
Embora os totais variem conforme a fonte e o recorte temporal, o cenário indica um ciclo de remoções em alta e espaço mais estreito para permanência, inclusive para quem antes contava com proteções temporárias.
O retorno pela rota da Darién
No subcontinente, autoridades registram a corrente contrária.
Dados de setembro de 2025 de governos da rota da Darién confirmam a “migração reversa”, com ônibus e embarcações levando famílias de volta pelo Panamá e pela costa colombiana.
Em vários casos, o retorno é improvisado, sem apoio institucional robusto, e expõe vulnerabilidades em trechos controlados por grupos armados, como alertaram agências internacionais.
Há também quem regresse em voos amparados por programas oficiais de repatriação.
A Venezuela informa desembarques sucessivos no aeroporto de Maiquetía desde o início do ano, ora por deportações dos EUA, ora por retorno voluntário organizado.
Esses movimentos, porém, não significam reabsorção plena no mercado de trabalho local, e especialistas lembram que persistem índices de repressão política e limitações econômicas internas que pesam sobre qualquer tentativa de reintegração.
Entre esperança e incerteza
Outro fator citado por migrantes é a percepção de alguma melhora de preços e oferta de produtos em cidades venezuelanas, ainda que longe de um quadro de estabilidade.
Mesmo entre os que enxergam sinais pontuais de recuperação, permanece o temor de prisões, hostilidades e incertezas normativas caso permaneçam nos EUA.
A combinação de risco jurídico e fadiga emocional ajuda a explicar por que parte dos que chegaram ao Norte agora insiste em voltar, ainda que isso envolva novos gastos, viagens longas e perigos.
No pano de fundo, segue a crise institucional pós-eleição de 2024, quando o Conselho Nacional Eleitoral declarou Nicolás Maduro vencedor e organismos internacionais questionaram a transparência do processo.
Relatórios de direitos humanos descrevem repressão a opositores e persistência de violações, quadro que empurra muitos a seguir tentando sair — e que, paradoxalmente, também alimenta os retornos de quem não conseguiu permanecer fora.
Entre saudade, medo e burocracia, a pergunta que cada família tenta responder é simples e dura: até que ponto vale insistir no exterior quando o custo emocional e o risco de deportação só aumentam?