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Urina vira fertilizante sustentável: pesquisadores criam sistema inovador movido a energia solar no qual o líquido pode ajudar a reduzir emissões de carbono

Escrito por Rannyson Moura
Publicado em 17/10/2025 às 13:59
Com uso de energia solar, cientistas da USP e da Universidade Stanford desenvolvem o Solar-ECS, um sistema que converte urina em fertilizante nitrogenado de baixo custo, oferecendo alternativa ecológica à produção industrial tradicional. Fonte: Jornal da USP
Com uso de energia solar, cientistas da USP e da Universidade Stanford desenvolvem o Solar-ECS, um sistema que converte urina em fertilizante nitrogenado de baixo custo, oferecendo alternativa ecológica à produção industrial tradicional. Fonte: Jornal da USP
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Com uso de energia solar, cientistas da USP e da Universidade Stanford desenvolvem o Solar-ECS, um sistema que converte urina em fertilizante nitrogenado de baixo custo, oferecendo alternativa ecológica à produção industrial tradicional.

Um projeto pioneiro está unindo ciência, sustentabilidade e tecnologia para transformar algo inusitado — a urina — em uma poderosa fonte de fertilizante agrícola. A solução vem do sistema Solar-ECS, um reator movido por energia solar que utiliza painéis fotovoltaicos para gerar fertilizante nitrogenado a partir de urina hidrolisada. A inovação foi desenvolvida por pesquisadores da Universidade Stanford, nos Estados Unidos, e da Universidade de São Paulo (USP), no Brasil.

O objetivo é simples, mas revolucionário: criar uma alternativa mais barata e ecológica ao processo industrial tradicional, que depende fortemente de combustíveis fósseis e tem impacto ambiental elevado. O estudo, publicado na revista Nature Water, aponta que a urina humana contém nitrogênio suficiente para atender até 14% da demanda agrícola mundial, um potencial até então pouco explorado.

Solar-ECS: como a energia solar transforma resíduos em recursos

O Solar-ECS é um sistema eletroquímico fotovoltaico-térmico que utiliza energia solar para converter o nitrato (NO3-) da urina em amônia (NH4+), o principal componente dos fertilizantes nitrogenados. Esse processo ocorre por meio de reações de oxirredução química, nas quais partículas eletricamente carregadas são transferidas entre os elementos.

O reator é dividido em três partes: o ânodo, onde ocorre a conversão inicial da amônia; o cátodo, que contém uma membrana seletiva que permite apenas a passagem de íons positivos (cátions); e uma câmara final com ácido sulfúrico, onde o gás amônia se mistura e forma sulfato de amônia, utilizado como fertilizante.

Um dos diferenciais mais interessantes é o aproveitamento do calor gerado pelos painéis solares. Normalmente visto como um problema em instalações fotovoltaicas, o aquecimento foi transformado em uma vantagem. A equipe utilizou esse calor para aumentar a eficiência dos reatores, já que temperaturas mais elevadas aceleram a extração de amônia.

Pesquisadores brasileiros participam da descoberta

O engenheiro químico Amilton Barbosa Botelho Junior, da Escola Politécnica da USP, participou do estudo durante seu estágio de pós-doutorado em Stanford. Ele ficou impressionado com o trabalho desenvolvido no laboratório do professor William Tarpeh, que pesquisa métodos de produção de amônia a partir de urina.

Botelho Junior explica que a tecnologia tem um apelo ecológico e social relevante. “Onde tem gente, tem urina”, afirma. Isso significa que o potencial de produção de nitrogênio é global. Além disso, ele destaca que o impacto ambiental é positivo, já que o processo é totalmente biológico e não causa danos ao meio ambiente.

Segundo o pesquisador, a grande vantagem do sistema é que ele utiliza energia solar limpa e renovável, eliminando a dependência de eletricidade convencional. “Conseguimos gerar energia elétrica, não só de maneira limpa, mas utilizando luz solar, o que reduz o consumo de energia elétrica da rede”, afirma Botelho.

Os desafios da produção tradicional e a oportunidade da energia solar

Hoje, os fertilizantes nitrogenados são produzidos principalmente em países ricos, localizados no chamado Norte Global. Essa produção depende do método Haber-Bosch, desenvolvido há mais de um século, que combina hidrogênio e nitrogênio sob alta pressão e temperatura para gerar amônia. Embora eficiente, o processo exige grandes quantidades de energia proveniente da queima de combustíveis fósseis — o que aumenta os custos e a emissão de gases de efeito estufa.

A consequência disso é uma distribuição desigual de fertilizantes no mundo. Países de baixa e média renda acabam pagando mais caro pelo produto, o que prejudica a produtividade agrícola e aumenta a vulnerabilidade alimentar global. Nesse contexto, o sistema movido por energia solar oferece uma alternativa sustentável, descentralizada e acessível.

Testes, resultados e inovação no uso do calor solar

Durante o desenvolvimento, os pesquisadores testaram o Solar-ECS em diferentes condições climáticas. Os painéis solares foram instalados ao ar livre no campus da Universidade Stanford, e o desempenho do sistema foi avaliado em dias ensolarados e nublados.

Os testes também foram realizados em laboratório, onde foi possível simular as condições de diferentes estações do ano. “Conseguimos variar dias de verão, com muito sol, e dias de inverno, nublados, para medir o impacto na produção”, explica Botelho.

Os resultados mostraram que o calor dos painéis, longe de ser um problema, foi essencial para melhorar a performance do sistema. Isso porque o aumento da temperatura acelera as reações químicas e favorece a conversão da amônia.

Mais do que agricultura: saneamento e meio ambiente beneficiados

O impacto positivo do sistema não se limita à agricultura. De acordo com o estudo, o tratamento da urina também contribui para o saneamento básico e para a redução da poluição hídrica. Hoje, até 70% do nitrogênio presente em regiões superfertilizadas é perdido para o meio ambiente, provocando eutrofização — o acúmulo de nutrientes em rios e lagos que resulta na morte de espécies aquáticas e perda de biodiversidade.

Após o tratamento com o Solar-ECS, as amostras de urina apresentaram coloração mais clara e odor reduzido, demonstrando a eficiência na remoção do nitrogênio e de outros compostos.

Botelho explica que o sistema é modular e flexível, podendo ser ajustado conforme o tamanho e a necessidade da comunidade. Assim, ele pode ser usado tanto em grandes centros urbanos quanto em regiões isoladas, onde o acesso à rede de esgoto é limitado. Isso abre caminho para um modelo de economia circular, no qual resíduos humanos são reaproveitados de forma segura e sustentável.

Desafios para escalar a tecnologia e o papel da energia solar

Apesar do sucesso nos testes, o principal obstáculo para a expansão do Solar-ECS é o custo dos materiais reagentes e da eletricidade. No entanto, a utilização da energia solar ajuda a reduzir significativamente os gastos operacionais e a pegada de carbono do processo.

Botelho afirma que a equipe está confiante na viabilidade do sistema em larga escala. “Aumentar a escala traz desafios, mas são desafios que podem ser superados com pesquisa e desenvolvimento”, ressalta. Segundo ele, a equipe já domina o processo em laboratório e acredita que a aplicação em escala industrial pode ser alcançada em um futuro próximo.

Além disso, os pesquisadores estudam formas de aplicar a mesma tecnologia para extrair materiais críticos da mineração, como lítio, cobalto, níquel e terras raras — elementos essenciais para a fabricação de baterias, painéis solares e equipamentos eletrônicos.

O desenvolvimento do Solar-ECS reforça o papel da energia solar como motor da transição energética global. O uso de painéis fotovoltaicos e sistemas integrados de reaproveitamento térmico mostra que é possível criar soluções completas e autossustentáveis, reduzindo impactos ambientais e melhorando a eficiência de processos industriais.

A inovação simboliza uma mudança de paradigma: em vez de descartar a urina como resíduo, ela passa a ser tratada como recurso estratégico, capaz de gerar fertilizantes, economizar energia e preservar o meio ambiente.

Mais do que uma curiosidade científica, o projeto é um exemplo de como a energia solar e a ciência colaborativa entre universidades podem abrir novos caminhos para um futuro mais limpo, inclusivo e eficiente — conectando agricultura, saneamento e sustentabilidade sob um mesmo sol.

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Rannyson Moura

Graduado em Publicidade e Propaganda pela UERN; mestre em Comunicação Social pela UFMG e doutorando em Estudos de Linguagens pelo CEFET-MG. Atua como redator freelancer desde 2019, com textos publicados em sites como Baixaki, MinhaSérie e Letras.mus.br. Academicamente, tem trabalhos publicados em livros e apresentados em eventos da área. Entre os temas de pesquisa, destaca-se o interesse pelo mercado editorial a partir de um olhar que considera diferentes marcadores sociais.

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