Julgamento no Supremo Tribunal Federal pode validar a substituição irrestrita de trabalhadores com carteira assinada por PJs, com graves riscos para os direitos sociais e a seguridade social, alerta procurador.
Uma decisão futura do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a “pejotização” pode representar a maior ameaça aos direitos dos trabalhadores desde a Reforma Trabalhista. O procurador do trabalho Cássio Casagrande aponta que a validação da troca irrestrita do regime CLT por contratos de Pessoa Jurídica (PJ) seria uma “catástrofe” para a Previdência Social e para todo o sistema de proteção garantido pela Constituição. A discussão ganhou tanta importância que todos os julgamentos sobre o tema foram suspensos pelo ministro Gilmar Mendes, aguardando uma decisão única da Corte.
A origem da ameaça: a decisão de 2018 que abriu a brecha
Tudo começou em 2018. Após a Reforma Trabalhista de 2017, o STF foi questionado sobre a terceirização da atividade-fim e a declarou constitucional. O problema, segundo o procurador Cássio Casagrande, foi a tese fixada pela Corte. O texto dizia ser lícita “a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho“.
Essa expressão, que não estava em discussão, foi adicionada. Advogados de empresas passaram a usar essa brecha para defender a legalidade da pejotização. Com isso, começaram a recorrer ao STF contra decisões da Justiça do Trabalho que reconheciam o vínculo de emprego em contratos PJ, e o Supremo passou a dar razão às empresas.
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Terceirização e pejotização: entenda a diferença crucial
Os dois conceitos são distintos. Na terceirização, uma empresa contrata outra empresa especializada, que possui seus próprios trabalhadores com carteira assinada.
Já na pejotização, o que ocorre é a contratação de um trabalhador como se fosse uma empresa (PJ ou MEI). Muitas vezes, essa é uma fraude para mascarar uma relação de emprego real. Se o trabalhador cumpre horário, recebe ordens e está subordinado, o artigo 3º da CLT determina que o contrato deve ser de emprego. A pejotização, nesse caso, serve apenas para não pagar Fundo de Garantia, 13º salário e previdência.
As consequências da troca da CLT por PJ: uma catástrofe anunciada
A substituição de trabalhadores CLT por PJs retira todos os direitos sociais. Segundo o procurador, o que começou com a anulação de vínculos de trabalhadores de alta renda, hoje já se aplica a todos. As consequências são devastadoras:
- Previdência Social: A empresa não recolhe a contribuição previdenciária do trabalhador PJ. Isso gera um rombo bilionário, com estudos já apontando perdas de R$ 60 bilhões.
- Mulheres Trabalhadoras: Mulheres contratadas como PJ são demitidas ao engravidar, perdendo a estabilidade. Além disso, fica quase impossível configurar assédio sexual, pois uma “empresa” não sofre assédio.
- Fim de Direitos Sociais: Acabam as cotas para pessoas com deficiência e para aprendizes, pois elas se aplicam a contratos de trabalho. A lei antidiscriminação também deixa de valer para o PJ.
- Fundo de Garantia: O FGTS, que financia políticas públicas como habitação popular, também pode quebrar.
A proposta para retirar ações da Justiça do Trabalho
De forma ainda mais grave, o ministro Gilmar Mendes sugeriu que os casos sobre pejotização passem a ser julgados pela Justiça Comum, e não pela Justiça do Trabalho. Para Cássio Casagrande, a proposta é “absurda” e inconstitucional.
O artigo 114 da Constituição é claro ao definir que a Justiça do Trabalho julga controvérsias de relações de trabalho. Essa competência existe há 80 anos. A mudança impediria o trabalhador de sequer reclamar seus direitos no foro adequado.
Brasil na contramão: o mundo avançado protege o trabalhador
Enquanto o Brasil discute flexibilizar ainda mais, outros países seguem o caminho oposto. A União Europeia, por exemplo, emitiu uma diretiva para presumir o vínculo de emprego de entregadores de aplicativo.
Na Espanha, Inglaterra e Alemanha, foram criadas legislações para proteger trabalhadores pseudoautônomos. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) também recomenda que a realidade prevaleça sobre o rótulo do contrato. O Brasil, com essa proposta, caminha na contramão do mundo civilizado. Uma audiência pública sobre o tema está marcada para 6 de outubro no STF.