Supremo inicia julgamento que pode definir o futuro do trabalho em aplicativos, destravar milhares de ações na Justiça e afetar diretamente motoristas, entregadores e empresas de tecnologia em todo o país.
A Procuradoria-Geral da República enviou parecer ao Supremo Tribunal Federal contra o reconhecimento de vínculo empregatício entre motoristas e entregadores de aplicativos e as plataformas digitais.
O julgamento do tema começou em 1º de outubro de 2025, sob repercussão geral, e pode destravar cerca de 10 mil processos suspensos no país à espera de uma orientação uniforme do STF.
PGR sustenta jurisprudência do Supremo e critica decisões da Justiça do Trabalho
No documento, o procurador-geral Paulo Gonet cita precedentes do próprio Supremo para afirmar que o vínculo de emprego não se aplica, como regra, às relações mediadas por apps.
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Segundo ele, a linha do STF é “firme” ao admitir contratações por arranjos distintos da CLT quando não há subordinação típica.
Para a PGR, decisões recentes da Justiça do Trabalho que reconheceram vínculo afrontam a livre iniciativa e divergem do que já foi consolidado pela Corte.
O que está em julgamento no STF
O plenário analisa dois recursos que chegaram ao Supremo a partir de casos em que houve reconhecimento de vínculo na Justiça do Trabalho.
Um envolve entregador e Rappi.
O outro discute a situação de motoristas em plataformas como Uber e 99.
A decisão servirá de referência a todos os tribunais, por ter efeito vinculante na lógica da repercussão geral.
Alcance prático: 10 mil ações e um setor inteiro em jogo
A uniformização do entendimento definirá o destino de milhares de processos individuais e coletivos sobre a chamada “uberização”.
Além de estabelecer parâmetros para futuras decisões, o julgamento pode influenciar o modelo de negócios das plataformas e a proteção jurídica dos trabalhadores que atuam via aplicativos.
STF já negou vínculo em precedentes, mas há dissenso na Justiça do Trabalho
O histórico recente do Supremo indica decisões pela inexistência de vínculo formal em casos concretos, inclusive com decisões colegiadas em 2023 que afastaram a CLT nessas relações.
Em paralelo, turmas do TST chegaram a divergir: algumas afastaram o vínculo; outras, reconheceram a relação de emprego.
Esse movimento alimentou a multiplicação de ações e a insegurança jurídica apontada por ministros.
Argumentos centrais: subordinação, autonomia e livre iniciativa
No centro da disputa está a presença — ou não — de subordinação.
Para os defensores do vínculo, elementos como pessoalidade, habitualidade, onerosidade e controle por algoritmos caracterizariam emprego clássico.
Já as plataformas sustentam que operam como intermediadoras tecnológicas, oferecendo liberdade de horários, escolha de corridas e autonomia, o que tornaria incompatível o regime celetista.
A PGR endossa essa última leitura ao enfatizar que impor vínculo em tais arranjos contraria a jurisprudência do STF e a livre iniciativa prevista na Constituição.
Posições das empresas em disputa
As companhias reforçam linhas já apresentadas em casos anteriores.
A Rappi alega que decisões trabalhistas que reconheceram o vínculo desrespeitam a orientação do Supremo.
A Uber afirma ser empresa de tecnologia, não de transporte, e sustenta que o perfil dos motoristas e a dinâmica do serviço evidenciam autonomia.
Esse argumento, para as plataformas, inviabiliza enquadramento pela CLT.
Nova gestão do STF e agenda de trabalho
O julgamento marca a primeira pauta no plenário sob a presidência de Edson Fachin, que assumiu o comando do Supremo em 29 de setembro de 2025.
A definição do tema, um dos mais sensíveis do contencioso trabalhista-constitucional, atende ao objetivo de reduzir divergências entre cortes e dar previsibilidade a um setor que envolve milhões de trabalhadores e usuários.
Próximo movimento: audiência sobre “pejotização”
Enquanto decide a “uberização”, o STF também programou audiência pública em 6 de outubro para discutir os impactos econômicos e sociais da pejotização.
Esse outro debate não trata de relações mediadas por aplicativos, mas pode estabelecer balizas para contratações por pessoa jurídica em atividades onde se discute possível fraude ou autonomia legítima.
A sessão foi convocada pelo ministro Gilmar Mendes e ocorrerá dias após o início do julgamento sobre os apps.
Por que o julgamento é considerado divisor de águas
Além de pacificar a jurisprudência, a tese a ser fixada pelo STF deverá orientar a atuação do Ministério Público do Trabalho, das empresas e dos sindicatos.
Uma decisão pelo vínculo tende a elevar custos, criar passivos e exigir reconfiguração operacional das plataformas.
A negativa do vínculo, por sua vez, preserva o modelo atual, mas não elimina demandas por regulação intermediária que garanta direitos mínimos independentemente do regime contratual.
Em qualquer cenário, o Legislativo pode ser chamado a complementar a definição judicial com parâmetros mais claros para o trabalho mediado por tecnologia.
Diante desse cenário, qual deve ser o ponto de equilíbrio entre proteção social e inovação para que o trabalho em plataformas seja sustentável para trabalhadores, empresas e consumidores?