Disputa tributária e estratégias de produção colocam fabricantes tradicionais e montadoras chinesas em lados opostos, acirrando a concorrência no mercado brasileiro de veículos elétricos e revelando desafios para a indústria nacional.
O avanço das montadoras chinesas no Brasil, especialmente da BYD, provocou uma reação das principais fabricantes tradicionais instaladas no país, como Toyota, General Motors (GM), Volkswagen e Stellantis (grupo que controla Fiat, Peugeot e Citroën).
A disputa, que envolve questões tributárias e estratégicas, ganhou destaque após declarações do economista Charles Wicz, em vídeo publicado no canal Charles Wicz no YouTube, sobre os bastidores dessa concorrência e os impactos para o mercado nacional de veículos elétricos.
Segundo Wicz, o ponto central da polêmica é o pedido da BYD para que o governo brasileiro reduza o imposto de importação sobre veículos elétricos trazidos da China em estado semipronto para montagem no Brasil.
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Essa prática é conhecida como SKD (Semi Knocked Down), quando o carro chega com peças já pré-montadas, ou CKD (Completely Knocked Down), quando vem totalmente desmontado e é montado localmente.
Há ainda o modelo CBU (Completely Built-Up), no qual o veículo é importado completamente pronto.
De acordo com o economista, outras fabricantes defendem que o incentivo seja concedido apenas para empresas que produzam integralmente no território nacional.
“O governo quer que a montagem e, preferencialmente, a fabricação sejam feitas no Brasil, pois isso gera mais empregos e fortalece a indústria local”, destacou.
Expansão das marcas chinesas
Wicz lembrou que, atualmente, mais de 11 marcas chinesas já atuam no mercado brasileiro, entre elas Omoda, Jaecoo, Zeekr, Neta e Geely.
A projeção, segundo ele, é que até o final de 2025 esse número chegue a 13.
Para o economista, embora o aumento da concorrência possa beneficiar o consumidor em termos de preço e variedade, há preocupações sobre assistência técnica, fornecimento de peças e valor de revenda.
Ele citou casos de montadoras estrangeiras que saíram do Brasil, como Suzuki e Lifan, deixando clientes sem suporte adequado.
Produção local x montagem final
Na análise apresentada no vídeo, a BYD opera no Brasil principalmente no modelo SKD, trazendo veículos quase prontos da China.
“O ar do pneu chega da China”, comentou, em tom crítico, para ilustrar que o conteúdo nacional na montagem ainda é praticamente inexistente.
Conforme o especialista, essa estratégia faz sentido para as empresas chinesas, que têm na própria China a mão de obra, o aço, as baterias e demais componentes necessários.
Assim, a produção é centralizada no país de origem, e apenas a etapa final é realizada no Brasil.
Ainda segundo Wicz, a lógica do governo chinês é clara: desenvolver a própria economia, priorizando empregos e investimentos no território nacional.
“Não vai haver muito incentivo da China para abrir fábricas que gerem empregos em outros países”, observou.
Disputa tributária e posição do governo brasileiro
A polêmica levou o governo federal a antecipar o aumento de impostos sobre veículos elétricos, ao mesmo tempo em que prorrogou a isenção para a BYD em determinadas operações.
A empresa pleiteava incentivos fiscais para o modelo SKD e CKD até 2028, o que foi parcialmente atendido.
Segundo Wicz, essa foi uma tentativa de encontrar um equilíbrio entre as demandas da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e os interesses da montadora chinesa.
Vendas e participação de mercado
Apesar da intensa mobilização das concorrentes, os números mostram que a participação da BYD no mercado brasileiro ainda é limitada.
De acordo com dados citados pelo economista, entre os 50 carros mais vendidos no país em julho de 2025, o primeiro modelo da marca — o Dolphin Mini — aparece apenas na 28ª posição.
Nas dez primeiras colocações não há nenhum veículo da montadora chinesa.
Para Wicz, essa reação das fabricantes tradicionais pode estar ligada a uma preocupação preventiva.
“O mercado de elétricos no Brasil ainda está se consolidando, mas há um temor de que a competitividade chinesa em preço e tecnologia possa alterar o equilíbrio nos próximos anos”, avaliou.
Infraestrutura de recarga e desafios
Outro ponto abordado pelo economista é a infraestrutura necessária para que os carros elétricos avancem no país.
Ele destacou que, diferentemente de países como os Estados Unidos, onde há ampla rede de carregadores públicos e privados, o Brasil ainda enfrenta limitações importantes.
Questões como adaptação de prédios antigos, capacidade elétrica das garagens e regulamentações do Corpo de Bombeiros são entraves para uma adoção em larga escala.
Segundo Wicz, há iniciativas para definir regras específicas de segurança em condomínios, mas fatores como autorização de síndicos e limitações estruturais ainda dificultam o cenário.
Em algumas regiões, a instalação de carregadores pode exigir reforços significativos na rede elétrica local.
Incentivos e política industrial
Na avaliação apresentada no vídeo, o ideal seria que incentivos fiscais fossem direcionados a veículos fabricados integralmente no Brasil, com maior conteúdo nacional e geração de empregos.
Wicz ressaltou que a indústria automotiva já recebe subsídios relevantes, mas os altos custos de produção no país tornam difícil competir com produtos importados sem algum tipo de benefício.
O programa federal Carro Sustentável, lançado em julho de 2025, foi citado como exemplo de política voltada à produção local.
Segundo o economista, a iniciativa impulsionou as vendas de modelos 1.0 fabricados no país, que cresceram 13% no mês, com descontos que chegaram a R$ 13 mil em alguns casos.
Diante desse cenário, a disputa entre BYD e montadoras tradicionais não se resume a uma questão de nacionalidade, mas envolve estratégias de mercado, estrutura tributária e política industrial.
Como destacou Charles Wicz, cada empresa está “olhando para o seu próprio interesse”, e cabe ao governo criar condições equilibradas para estimular o setor sem prejudicar a concorrência.
Com a crescente presença de marcas chinesas e a pressão de fabricantes consolidadas, a pergunta que fica é: o Brasil conseguirá transformar essa concorrência em desenvolvimento real para sua indústria automotiva?