Tarifaço dos EUA pressiona exportadores e faz preços subirem no Brasil. Café, açúcar e pescados ficam mais caros, e consumidores pagam a conta da guerra comercial.
O tarifaço de 50% anunciado pelos Estados Unidos contra produtos brasileiros já deixou claro que a disputa comercial não ficará restrita às fronteiras. Segundo análise publicada pelo portal especializado Farmdoc Daily, da Universidade de Illinois, os impactos das medidas vão além da queda nas exportações: parte do custo está sendo transferido para dentro do Brasil.
O resultado é um cenário em que exportadores perdem competitividade lá fora e, ao mesmo tempo, consumidores brasileiros enfrentam preços mais altos em itens essenciais como café, açúcar e pescados. A guerra comercial se converte, portanto, em uma pressão dupla sobre a economia nacional.
Como o tarifaço de 50% atinge o agro e a indústria
Os Estados Unidos são um dos maiores mercados consumidores de commodities agrícolas brasileiras. Café, açúcar, carnes e pescados formam parte essencial da balança comercial.
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Ao impor uma tarifa de 50%, Washington encarece esses produtos de origem brasileira e abre espaço para concorrentes como Colômbia, Vietnã, Índia e Chile.
Isso significa que o Brasil vende menos e recebe menos nos contratos internacionais. Para compensar, parte da produção que antes ia para exportação é redirecionada ao mercado interno.
Mas, em vez de resultar em preços menores para o consumidor, a dinâmica é outra: os produtores preferem manter margens, ajustando preços para cima, já que precisam lidar com custos mais altos e incertezas comerciais. É aí que o tarifaço americano passa a ser sentido diretamente nos supermercados brasileiros.
Café: orgulho nacional sob pressão com o tarifaço de 50%
O café é um dos casos mais emblemáticos. O Brasil é líder global e envia milhões de sacas por ano para os EUA. Com a sobretaxa, o fluxo recuou, e torrefadores americanos estão buscando outros fornecedores.
No Brasil, o setor cafeeiro enfrenta custos crescentes de produção — desde insumos importados mais caros até a dificuldade de crédito agrícola, que continua caro por causa dos juros altos.
O resultado é que, mesmo com parte da produção ficando no país, o preço da saca não cai. Consumidores já relatam aumento no valor do café torrado nas gôndolas, em alguns casos superior a 15% em comparação com o mesmo período de 2024.
Açúcar: mercado interno sente o impacto
O açúcar é outro produto estratégico que ficou fora da lista de exceções americanas. O Brasil é o maior exportador do mundo, mas agora enfrenta barreiras que reduzem a competitividade.
Produtores que perderam espaço no mercado externo tentam recuperar margens dentro do Brasil, elevando preços.
Além disso, como parte da safra de cana é direcionada para etanol, existe uma competição direta entre combustíveis e alimentação.
Com os EUA fora do radar e margens pressionadas, o repasse ao consumidor interno se intensifica. Estudo citado pelo Farmdoc aponta que a tendência é de inflação setorial em cadeias ligadas ao açúcar e seus derivados.
Pescados: setor vulnerável
Um dos setores mais vulneráveis é o de pescados e frutos do mar. Tradicionalmente exportados para os EUA, agora enfrentam tarifas que inviabilizam a venda. Isso levou a uma inundação do mercado interno com parte da produção.
O que poderia reduzir preços, na prática não ocorre: a cadeia enfrenta custos elevados de logística, armazenagem e distribuição, que acabam sendo repassados ao consumidor.
Além disso, o setor teme desemprego em massa caso o governo não mantenha programas emergenciais de compra pública — anunciados recentemente para açaí, castanhas, frutas e pescados. A medida funciona como colchão, mas é paliativa, e não resolve o problema de fundo da perda de competitividade.
Consumidor paga a conta
O que a análise do Farmdoc destaca é a ironia do processo: tarifas impostas por um governo estrangeiro, supostamente voltadas a proteger sua própria indústria, acabam gerando reflexos no bolso do consumidor brasileiro.
Isso acontece porque a cadeia de exportação e produção está interligada. Menos competitividade no mercado internacional leva à necessidade de recompor margens internamente, seja por aumento de preços, seja por cortes de produção.
No fim, quem paga a conta é o cidadão comum, que encontra café, açúcar e pescados mais caros no supermercado.
Governo tenta conter danos
Diante desse cenário, o governo brasileiro lançou medidas emergenciais para proteger setores mais atingidos, como a compra direta de produtos para evitar colapso no mercado interno. Além disso, linhas de crédito especiais estão sendo avaliadas, com juros menores, para permitir que produtores continuem ativos mesmo sem acesso pleno ao mercado americano.
Na diplomacia, o Itamaraty trabalha para incluir o Brasil na lista de “parceiros alinhados” dos EUA, o que abriria portas para isenções tarifárias semelhantes às concedidas a outros países. Porém, até agora, as negociações seguem em ritmo lento, e o prejuízo se acumula.
Especialistas alertam que o impacto do tarifaço pode ser ainda maior porque se soma a outros fatores da economia brasileira, como custos de energia, combustíveis e crédito.
Mesmo que a inflação oficial siga controlada, a percepção da população é de que alimentos básicos, como café e açúcar, estão pesando mais no orçamento. Essa inflação silenciosa, difusa e setorial, pode corroer renda e gerar insatisfação social.
Um jogo de perde-perde
O tarifaço americano inaugura um jogo de perde-perde: os exportadores brasileiros perdem mercado, os consumidores americanos pagam mais caro e, agora, também o consumidor brasileiro sente no bolso. Para o Brasil, a disputa expõe a vulnerabilidade de depender de poucos mercados e reforça a necessidade de diversificar parceiros comerciais.
A mensagem final do Farmdoc é clara: se o Brasil não reagir rapidamente com políticas estruturais, acordos internacionais e estratégias de mercado, pode enfrentar anos de perdas bilionárias e um impacto social direto sobre milhões de consumidores.