Em menos de dois meses, a nova tarifa de 50 % sobre o café brasileiro já muda rotas logísticas, derruba embarques e ameaça empurrar o preço de um simples espresso nos Estados Unidos para a inédita marca de dez dólares.
São Paulo — 15 de setembro de 2025 — Um espresso artesanal poderá custar até US$ 10 em Nova York, Chicago e outras capitais norte-americanas já no início do outono.
A disparada decorre da tarifa de 50 % sobre o café brasileiro, em vigor desde 6 de agosto, que enxugou a oferta no maior mercado consumidor do planeta e obrigou microtorrefadores a refazer suas planilhas de custos quase semanalmente.
Pouco mais de um mês depois da medida, os importadores calculam um repasse extra de até US$ 1,20 por xícara — valor suficiente para empurrar o cappuccino de origem única, que já saía por US$ 8,50, para a temida casa dos dez dólares.
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Pequenas cafeterias, com margens apertadas e contratos de aluguel indexados, veem-se numa corrida para reajustar cardápios sem espantar clientes fiéis.
Tarifa de 50 % entra em vigor
A Casa Branca acrescentou 40 pontos percentuais ao antigo imposto de 10 % sobre grãos verdes e café solúvel vindos do Brasil, elevando a alíquota total a 50 %.
A ordem executiva foi assinada em 30 de julho e começou a valer em 6 de agosto, sem salvaguardas ou cotas de transição.
Num mercado onde o Brasil costuma responder por quase um quarto das importações, a súbita barreira mudou rotas logísticas e contratos futuros da noite para o dia.
Queda nas remessas brasileiras
Dados do Conselho dos Exportadores de Café (Cecafé) revelam que os embarques brasileiros para os Estados Unidos caíram de 562 723 para 301 099 sacas de 60 kg em agosto, queda de 46 % na comparação anual.
Parte do excedente foi desviado para a Alemanha, a Bélgica e portos asiáticos, mas a recomposição de estoques norte-americanos continua lenta.
Exportadores relatam que contêineres foram redirecionados às pressas para atracar antes de 6 de agosto.
“O que não chegou a tempo agora entra no país 50 % mais caro, e esse custo fatalmente vai parar na xícara”, afirma Jeff Bernstein, diretor da trader RGC Coffee.
Steve Walter Thomas, da Lucatelli Coffee, é ainda mais direto: “Essa tarifa virou um imposto sobre a cafeína diária dos americanos; coloca em risco a sobrevivência de empresas como a minha”.
Segundo ele, alguns clientes já pedem torras mais claras para compensar a perda de volume, estratégia que nem sempre agrada ao paladar do consumidor habituado a perfis mais intensos.
Futuros atingem máxima de 11 anos
Na ICE Nova York, os contratos de arábica romperam US$ 4,17 por libra-peso nesta terça-feira (15/9), maior patamar em 11 anos.
A alta acumulada é de cerca de 24 % em apenas um mês e supera 60 % em 12 meses.
Analistas atribuem o avanço não só às tarifas, mas também à estiagem que afeta lavouras no sul de Minas Gerais, reforçando o quadro de escassez global.
A inflação chega rápido ao balcão.
O índice de preços ao consumidor medido pelo Bureau of Labor Statistics mostrou que o item café subiu 3,6 % em agosto e 20,9 % em 12 meses, ritmo que pressiona o Federal Reserve numa conjuntura já sensível para alimentos processados.
Economistas destacam que cada centavo extra na bebida matinal pode azedar o humor do consumidor e contaminar expectativas de inflação.
Lobby pressiona por alívio
A National Coffee Association protocolou pedido para excluir o produto da sobretaxa, alegando impacto sobre os dois terços dos adultos que consomem café diariamente.
O governo sinalizou que só analisará ajustes se as empresas demonstrarem risco de ruptura de suprimento ou perda significativa de empregos em território norte-americano.
Até agora, o United States Trade Representative mantém o cronograma de audiências públicas para o fim de outubro, mas não promete alívio.
Enquanto isso, grandes redes de varejo tentam amortecer o choque para preservar volume.
Algumas absorvem parte do incremento, sacrificando margem operacional; outras reduzem ofertas promocionais, repassando custos de forma discreta.
Pequenos negócios não dispõem desse colchão financeiro e, muitas vezes, precisam mexer na tabela de preços de modo mais visível.
Escassez global reorganiza rotas
Com a porta norte-americana parcialmente fechada, exportadores brasileiros intensificam vendas para Europa e Ásia.
Já torrefadores dos EUA recorrem a grãos colombianos, guatemaltecos e hondurenhos — opções tradicionalmente mais caras e disponíveis em menor escala.
“Não existe produção latino-americana suficiente para substituir o Brasil num piscar de olhos”, resume a consultora Maria de Lourdes Faria, especializada em cadeias agroindustriais.
Planilhas obtidas junto a três microtorrefadores do Meio-Oeste mostram que o custo total do saco de 60 kg (FOB, frete e tarifa) saltou de US$ 240 para US$ 360 em pouco mais de um mês.
Se nada mudar, contratos de fornecimento para o inverno — período de maior consumo — serão fechados sobre a base mais cara, indicando um novo round de aumentos logo após o feriado de Ação de Graças.
Próximos movimentos regulatórios
Audiências no USTR e na agência alfandegária CBP estão previstas para o fim de outubro.
Paralelamente, o Brasil levou o caso à Organização Mundial do Comércio; o pedido de abertura de painel pode avançar no início de 2026.
Especialistas em direito internacional avaliam que a tramitação deve se estender por pelo menos dois anos, o que significa que, na prática, o setor precisa conviver com a tarifa durante vários ciclos de colheita.
Para investidores em commodities, o episódio reforça a percepção de que choques regulatórios podem deslocar preços tão rapidamente quanto eventos climáticos.
Em relatório enviado a clientes, o banco ING alerta que movimentos especulativos podem manter o arábica acima de US$ 4 por libra-peso até o primeiro trimestre de 2026, mesmo que a oferta global comece a reagir.
A cadeia do café já enfrentou crises de oferta e demanda antes, mas raras vezes viu um choque político-comercial tão concentrado em tão pouco tempo.
Se a tarifa permanecer, o consumidor norte-americano aceitará pagar dois dígitos por uma xícara ou buscará alternativas como cápsulas genéricas e solúveis de menor qualidade?