Análise do Estratégia Carreira Jurídica detalha como a Terceira Turma do STJ diferenciou a natureza deste tipo de seguro de vida, equiparando resgate a investimento e fechando brecha de proteção.
Uma decisão recente da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) mudou o entendimento sobre a proteção do seguro de vida no Brasil. No julgamento do Recurso Especial (REsp) nº 2.176.434-DF, o colegiado determinou que os valores de um seguro de vida resgatável, quando sacados pelo próprio segurado ainda em vida, perdem a característica de impenhorabilidade e podem, sim, ser usados para pagar dívidas.
Essa decisão, relatada pelo Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, representa um marco por fechar uma brecha que era debatida no meio jurídico. O entendimento, conforme detalhado em análise do portal Estratégia Carreira Jurídica, é que, ao resgatar o montante, o titular descaracteriza a natureza alimentar (de proteção aos beneficiários) do produto, transformando-o em um investimento comum, sujeito à execução como qualquer outro ativo financeiro.
A proteção tradicional e a impenhorabilidade
O debate central gira em torno do artigo 833, inciso VI, do Código de Processo Civil (CPC). Este artigo estabelece, historicamente, a impenhorabilidade dos seguros de vida. A lógica por trás dessa proteção, como destacado pelo STJ e analisado pelo Estratégia Carreira Jurídica, é garantir a dignidade humana dos beneficiários, que dependem desse valor em um momento de vulnerabilidade (a morte do segurado). A natureza da indenização é, portanto, alimentar, visando “proporcionar um rendimento a alguém, não o deixando à míngua de recursos”, como já havia pontuado o Ministro Moura Ribeiro em precedente anterior (REsp 1.361.354/RS).
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A regra da impenhorabilidade, portanto, não foi criada para proteger o patrimônio do devedor (o segurado) contra seus credores, mas sim para proteger o futuro financeiro dos beneficiários por ele indicados. A proteção legal é destinada a terceiros, e não ao próprio titular da apólice. É um mecanismo de amparo social e familiar, assegurando o mínimo existencial após o sinistro.
O fator híbrido: o seguro de vida resgatável
O problema surgiu com a evolução do mercado. O seguro de vida resgatável, diferentemente do tradicional, possui uma natureza jurídica híbrida ou “multifacetada”, como classificou o STJ. O segurado paga um prêmio que é dividido: uma parte cobre o risco (a indenização por morte), e outra parte é capitalizada, funcionando como um fundo de investimento. Após um período de carência, o próprio segurado pode resgatar esse valor capitalizado, mesmo sem que o sinistro (morte) tenha ocorrido.
Essa característica dupla sempre gerou dúvidas no Judiciário. Enquanto o valor estivesse “dentro” da apólice, mantinha-se a dúvida se a proteção do artigo 833, VI, do CPC se aplicava integralmente. Afinal, parte do dinheiro não era mais apenas proteção, mas sim uma reserva financeira pessoal do titular, assemelhando-se, como destacou o voto do relator, “a outras formas de investimento”.
A virada do STJ: o resgate altera a natureza do dinheiro
O ponto central da decisão da Terceira Turma, julgada por unanimidade em 2 de setembro de 2025, foi definir o momento em que a proteção cessa. O colegiado entendeu que o ato de resgate é o fator descaracterizador. A partir do momento em que o segurado saca os valores em vida, aquele dinheiro deixa de ter qualquer finalidade securitária ou alimentar para os beneficiários.
Conforme a análise do Estratégia Carreira Jurídica sobre o REsp 2.176.434-DF, o STJ foi claro: “uma vez efetuado pelo próprio segurado (proponente) o resgate do capital investido, já não se pode alegar a impenhorabilidade desse valor“. O dinheiro resgatado se incorpora imediatamente ao patrimônio geral do devedor, perdendo o “carimbo” de proteção e tornando-se um ativo penhorável como qualquer outro saldo em conta corrente ou fundo de investimento. A proteção, reiterou a corte, era para o beneficiário, não para o estipulante.
A decisão do STJ, portanto, estabelece um limite claro para a proteção do seguro de vida, adaptando a lei a produtos financeiros mais complexos. A impenhorabilidade continua válida para a indenização por morte destinada aos beneficiários, mas o resgate em vida pelo titular agora é visto como um ato de gestão patrimonial comum, sujeito às regras de execução de dívidas.
Você concorda com essa mudança? Acha que isso impacta o mercado de seguro de vida resgatável ou traz mais segurança para os credores? Deixe sua opinião nos comentários, queremos ouvir quem vive isso na prática.