Entendimento recente do STJ redefine limites da comunhão parcial e reacende discussões sobre partilha de imóveis adquiridos antes da união, financiamentos pagos durante o casamento e bens ligados a programas habitacionais.
A mais recente orientação do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reacendeu o debate sobre a comunhão parcial: embora bens adquiridos antes do casamento, em regra, sejam particulares, há situações em que valores atrelados a esse patrimônio — e, em certos cenários, uma fração do próprio bem — entram na partilha.
O foco do tribunal tem sido o momento do pagamento, a origem dos recursos e a finalidade familiar do imóvel, especialmente quando há financiamento em curso durante a união, benfeitorias custeadas pelo casal ou vínculo com programas habitacionais.
Regra geral: bens anteriores permanecem particulares
Ponto de partida não mudou. No regime da comunhão parcial, os bens adquiridos antes do casamento são, em princípio, incomunicáveis.
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Em linguagem prática, o imóvel comprado e totalmente quitado antes da celebração não se divide na separação, desde que não haja provas de aportes posteriores do casal nem obras relevantes pagas na constância da união.
Financiamento e partilha proporcional durante o casamento
Quando o preço do imóvel foi parcelado e as prestações seguiram sendo quitadas durante o casamento, o STJ tem reconhecido a presunção de esforço comum sobre a parte amortizada na vigência da sociedade conjugal.
O resultado, nesses casos, não é a meação automática do imóvel inteiro.
O que se partilha é a quota proporcional correspondente às parcelas pagas no período do casamento — ou, conforme o caso, uma indenização referente a esse montante.
Em termos práticos, o tribunal vem delimitando o alcance da partilha ao que foi efetivamente adimplido durante a união.
Ainda que a propriedade formal esteja em nome de um só, a fração quitada com recursos do casal sofre comunicação.
Essa linha evita tanto a partilha de algo que já era particular antes do casamento quanto a exclusão do que foi, objetivamente, pago com esforço conjunto.
Benfeitorias e valorização do imóvel particular
Outra frente recorrente envolve benfeitorias realizadas durante o casamento. Se a obra foi feita com recursos do casal, a valorização agregada tende a ser partilhável.
O contencioso, aqui, gira em torno de provas: orçamentos, notas fiscais, transferências bancárias e laudos de avaliação que demonstrem a contribuição financeira conjunta e o impacto da intervenção no valor do bem.
Programas habitacionais e destinação familiar
Ganhou tração em 2025 a discussão sobre imóveis vinculados a programas habitacionais.
Em decisão recente, a Terceira Turma do STJ reconheceu que o imóvel doado pelo poder público para moradia da família, ainda que registrado em nome de um único cônjuge, é bem comum sob comunhão parcial e deve ser partilhado na separação.
Prevaleceu o entendimento de que a destinação familiar e a natureza assistencial do programa superam uma leitura estrita da titularidade no registro.
A lógica é objetiva: se a política pública concede moradia para o núcleo familiar, o benefício não pode ser apropriado individualmente na dissolução.
Trata-se de reforço à função social da moradia e à proteção do patrimônio mínimo do grupo doméstico, sem prejuízo de análise do caso concreto.
Bens adquiridos na união: esforço comum presumido
O STJ também reiterou a premissa consolidada de que, adquirido onerosamente durante o casamento, o bem integra a partilha na comunhão parcial, mesmo quando os recursos são exclusivos de um dos cônjuges.
A presunção clássica de esforço comum permanece válida. O dado relevante, mais uma vez, não é apenas o nome no registro, mas a circunstância temporal da aquisição e as provas de pagamento.
Direitos e valores formados durante a união
O pano de fundo jurisprudencial tem calibrado a partilha de direitos e valores constituídos durante o casamento.
Reservas de previdência aberta, saldos de FGTS usados para compra de imóvel e ganhos eventuais com impacto econômico para o casal costumam ingressar no acervo comum.
O denominador comum é verificar se o fato gerador econômico ocorreu durante a união e se houve repercussão patrimonial apta a beneficiar a família.
Quando a incomunicabilidade se mantém
Nada disso altera a regra-base. Se o imóvel foi totalmente quitado antes do casamento, sem pagamento de parcelas ou investimentos na constância da união e sem que se comprove esforço comum vinculado ao bem, a incomunicabilidade se mantém.
O debate, portanto, não é “tudo ou nada”: exige prova contábil, demonstração de fluxo financeiro e comprovação de que houve, de fato, aporte do casal que justifique partilha ou indenização.
Linha do tempo financeira: ferramenta essencial na separação
Na prática de 2025, advogados orientam a montar uma linha do tempo financeira do imóvel. Primeiro, identificar a data e as condições da compra.
Em seguida, cruzar datas e valores das parcelas com a fase do relacionamento, localizar quem pagou o quê, reunir notas de benfeitorias e verificar se há vínculo com política habitacional.
Sem esse mapeamento, multiplicam-se dois riscos: pedir menos do que é devido — e abrir mão de valores — ou pedir mais do que cabe — e sofrer condenação por sucumbência.
O mesmo raciocínio vale para outros ativos com reflexo patrimonial na união.
Provas de aportes em previdência aberta, extratos de FGTS usado em aquisição de imóvel e documentos que demonstrem ganhos inesperados na constância ajudam a separar o que se comunica do que permanece particular.
Quando a documentação é falha, o tribunal tende a limitar a partilha ao que está efetivamente comprovado.
Importância da data de pagamento e do propósito familiar
O fio condutor das decisões recentes é o momento do desembolso. Em financiamentos, a fração que ingressa no patrimônio comum corresponde ao que foi pago durante a união.
Em benfeitorias, o que se discute é a valorização provocada por gastos arcados conjuntamente.
Em programas habitacionais, o critério se volta à finalidade familiar e ao período de fruição do benefício pelo casal. Em todos os casos, a titularidade formal perde força diante do lastro econômico documentado.
Prova de esforço comum: ponto sensível nas ações
Provar o esforço comum com precisão é o desafio central. Extratos, recibos, contratos e registros de transferência são decisivos.
Alegações genéricas de contribuição, sem base documental, têm recebido menor acolhida.
O STJ tem preferido soluções proporcionais, que evitem tanto o enriquecimento sem causa quanto a partilha de patrimônio estranho à comunhão.